Todos que semearam o ódio são um pouco genocidas
A mais nova animosidade na República, protagonizada por Gilmar Mendes e as Forças Armadas, demonstra o quanto o Brasil está sem rumo e seus poderes consumidos por polêmicas irrelevantes frente às dificuldades do momento atual. Como diz um velho ditado: “em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”. Não cabe a ministros do STF holofotes políticos, tampouco cabe aos militares perderem suas funções de Estado e se imiscuírem aos governos.
Por Wadson Ribeiro*
Desde a crise envolvendo o chamado mensalão, ainda no primeiro governo Lula, o STF e seus ministros passaram a ter uma exposição midiática, reservada até então somente aos políticos. A função primordial da suprema corte, de zelar pelo estrito cumprimento da Constituição Federal, nem sempre se limitou a isso. Ex-ministros como Joaquim Barbosa, por exemplo, passaram a ser chamados para palestras, entrevistas e tiveram seus nomes colocados em pesquisas eleitorais. Independentemente do mérito da questão em tela, não é plausível que ministros do STF deem opiniões políticas sobre o funcionamento do governo a todo o momento.
O Supremo tem jogado papel importante na atual conjuntura política do país. E exatamente por defender o Estado Democrático de Direito e resistir a certos ataques antidemocráticos do governo federal se tornou alvo de ameaças por parte de setores bolsonaristas. Contudo, são desnecessárias e exageradas as críticas de Gilmar Mendes em relação a presença dos militares no governo, algo que não diz respeito a nenhum ministro do STF. O problema talvez não esteja na quantidade de militares nos ministérios, mas sim na opção desse governo em governar apenas para os mais ricos. A ação política por parte de alguns ministros do STF ou mesmo a judicialização da política, como fazem muitos partidos, inclusive os de esquerda, enfraquecem a democracia.
Por outro lado, os militares precisam parar com esse contorcionismo político e assumir que estão de corpo e alma no governo de Jair Bolsonaro e, para o bem ou para o mal, a história cobrará esse balanço. Se unificaram para eleger e participar de um governo corrupto e ineficiente, sem um projeto nacional e submisso aos interesses norte-americanos. O que unifica a presença dos militares no governo é seu alto nível de atrelamento às Forças Armadas norte-americanas e europeias e, suas divergências geopolíticas com os governos progressistas e democráticos, especialmente de Lula, que apostou nos Brics, e no maior protagonismo internacional do Brasil, o que contraria os interesses do imperialismo estadunidense. A indústria bélica do Brasil é dependente dos EUA e ideologicamente convencida por suas ideias.
As Forças Armadas enquanto instituição de Estado não participam formalmente do governo Bolsonaro, é claro, mas seus militares da reserva e da ativa sim, aliás, não apenas participam como são a reserva moral de um governo desacreditado. Ao assumirem funções civis, os militares estão sujeitos, como todos os outros mortais, aos órgãos de controle, à imprensa livre e a tudo aquilo que a democracia oferta à transparência política. Da mesma forma, as críticas proferidas por Gilmar Mendes aos militares, por um possível “genocídio” no Brasil, em função dos mais 70 mil mortos pela pandemia, poderiam se reverter em autocríticas pelo lamentável papel que o STF teve nos últimos anos e, que, de certa forma, contribuiu para que o Brasil chegasse a esse ponto.
A criminalização da política e de suas instituições, muitas vezes celebrada pelo STF, cobra agora um alto preço à democracia brasileira. Somos governados por corruptos e incapazes, mas que se elegeram na esteira do combate à corrupção e da crítica a ineficiência do Estado. Todos que semearam o ódio são um pouco genocidas.