Na crise, placas tectônicas se movem
Por Luciano Siqueira *
Há uma enorme distância entre as necessidades essenciais do povo brasileiro (e os desafios da nação) e as instituições que compõem a República.
Distância e desencontro.
Os chamados Três Poderes literalmente experimentam um processo de contínuo esgarçamento, envoltos em conflitos intestinos e colidentes entre si.
Crise econômica se resolve pela política. Crise complexa, multifacetada – econômico-financeira, social e político-institucional – como a nossa, mais ainda.
Não há saída à margem da política.
O Estado brasileiro é configurado de tal forma que o terreno próprio da política, em âmbito institucional, reside no Parlamento e no Executivo.
Em tese, não cabe às instituições judiciárias, nem ao Ministério Público, nem à Policia Federal, ocuparem esse espaço.
Hoje ocupam – e têm a iniciativa, em conjugação com o “partido” em que se converteu o complexo midiático monopolizado.
Vê-se no noticiário de hoje, como no de ontem e no de anteontem, e se verá nos dias que virão: ministros do STF debatem publicamente a natureza política dos processos que devem julgar, convertem sessões da alta corte em espetáculos midiáticos; o procurador geral da República comanda um destacamento próprio em guerra; gente da espécie do juiz Moro e do minúsculo procurador Dellagnol fazem proselitismo (recebendo generosos cachês) para plateias diversas – todos confluindo para uma espécie de substituição dos partidos, das casas legislativas e do próprio Executivo, que tratam de desmoralizar perante a opinião pública, para muito além dos limites de investigações, denúncias e processos procedentes.
Como pano de fundo, na base da sociedade, ampliam-se e se agravam os efeitos danosos da crise sobre a maioria da população.
O Brasil exibe uma gama de impasses em todas as esferas.
Nesse cenário, atores políticos bem intencionados e responsáveis (longe dos holofotes da mídia, corretamente) buscam a construção de um pacto que nos conduza à solução desses impasses.
Às forças populares e democráticos cabe abertura, sem preconceitos, até a soluções “heterodoxas” — desde que tenham como pedra de toque (mesmo via pleito indireto) a interrupção das reformas trabalhista e previdenciária, elementos mais visíveis da agenda regressiva neoliberal.
A antecipação do pleito presidencial, e mais ainda, se possível, a realização de eleições gerais arejaria o ambiente da melhor forma, recorrendo à soberania popular através do voto.
Por enquanto, tudo ainda é imprevisível.
Há que como um movimento de placas tectônicas, subterrâneas, do qual poderá emergir a solução política para a crise ou o prolongamento da agonia.
* Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB