Amazônia registra maior média diária de queimadas do governo Bolsonaro
“Foi o pior dia de agosto desde ao menos 2017. Deve ter sido de antes até, mas não tenho os dados anteriores”, diz Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas, sobre o pico de incêndios florestais na Amazônia.
Nos últimos sete dias os focos de incêndio fizeram o bioma viver sua maior média diária de focos de calor sob o governo de Jair Bolsonaro.
Somente nesta quarta-feira (24) foi registrado um recorde de queimadas: 3.358 focos de incêndio, o maior número para o mês em pelo menos cinco anos.
Os números superam o total registrado no mês de junho deste ano, quando foram 2.562 focos identificados por satélite pelo Inpe.
Nesses últimos sete dias, foram contabilizados 13.174 focos de queimadas, o que dá em torno de 1.882 ao dia.
Até então, as piores médias diárias registradas pelo Inpe no atual governo foram em agosto de 2019 (média de 996/dia) e setembro de 2020 (média de 1.067/dia).
No primeiro semestre de 2020, a Amazônia já havia registrado uma alta de 17% nas queimadas.
“Estamos chegando perto da metade da estação de fogo na Amazônia e já estamos registrando mais de 3.000 focos em um só dia”, diz Alencar.
“Esse número é maior do que aconteceu no ‘Dia do Fogo’, indicando que as previsões sobre aumento do fogo em anos de eleição começam a se concretizar”, observa a coordenadora do MapBiomas.
O ‘Dia do Fogo’, aconteceu entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019, quando, desmatadores, de forma coordenada, atearam fogo às margens da BR-163, no Pará, com foco em Novo Progresso.
Na ocasião, o Inpe detectou 1.457 focos de calor no estado. Já entre domingo e ontem, esse número foi ainda maior: 2.238.
“Este é só o início do verão Amazônico, estação com menos chuvas e umidade, onde infelizmente a prática de queimadas e incêndios florestais criminosos explodem”, disse o porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista.
Para piorar, nesta época, prossegue Batista, há queimadas “nas áreas que foram derrubadas recentemente e deixadas para secar, ou mesmo queimando áreas de florestas que já foram degradadas pela extração ilegal de madeira”.
É nesse bimestre que ocorre a chamada estação do fogo. Nos últimos dias, ele se concentrou principalmente na região mais ao sul da Amazônia, em especial no estado do Pará e no sul do Amazonas.
Além de destruir a biodiversidade, a fumaça dos incêndios também afeta a saúde da população local, explica o porta-voz do Greenpeace.
Agosto e setembro costumam ser os meses mais devastadores dos incêndios florestais na Amazônia.
Ane Alencar acredita que o fogo deve continuar crescendo na região, já que a Amazônia enfrentou, nos últimos meses, um desmatamento muito alto.
De agosto de 2021 até julho de 2022, foram derrubados 8.590,33 km² do bioma, área maior que a da Grande São Paulo.
“Acho que daqui para a frente podemos esperar mais queimadas, pois tem o que queimar, muito desmatamento ocorreu. É só esperar se o clima vai ajudar”, afirma.
Diferentemente de outros biomas pelo mundo, na Amazônia não há queimadas causadas por autocombustão. Elas são em quase 100% dos casos relacionadas à ação humana no processo conhecido como limpeza de área
O fogo é o elemento principal para limpar uma área depois da ação do desmate. Ele destrói os demais materiais vivos e prepara o terreno para virar um pasto.
No último domingo, Manaus, capital do Amazonas, foi invadida por uma onda de fumaça em consequência das queimadas, causando desconforto, conforme relatos de moradores pelas redes sociais.
Desde a posse de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, o desmatamento médio anual na Amazônia aumentou 75% em comparação com a década anterior.
O governo Bolsonaro tem trabalhado para enfraquecer a legislação ambiental e órgãos fiscalizadores como o Ibama, por exemplo.
Em março, o presidente do órgão, Eduardo Bim, assinou um despacho em que anula etapas de processos de infração ambiental.
O Decreto nº 11996516/2022, de Bin, amplia as possibilidades de prescrição das multas aplicadas a pessoas e empresas que cometem crimes ambientais.
A decisão fez com que um total de 164 multas ambientais aplicadas pelo Ibama nos últimos dez anos voltassem à estaca zero. Boa parte dos casos envolvem madeireiros, conforme dados obtidos pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação.
Não é a primeira vez que Eduardo Bim beneficia infratores ambientais. Em 2020, ele chegou a se reunir com madeireiros antes de divulgar um despacho afrouxando as regras para exportação de madeira.
Essa decisão forçou à saída do então ministro Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente, mas não impediu que a boiada passasse, como ele queria.
As 164 infrações prescritas a mando de Eduardo Bim entre 31 de dezembro de 2021 e 10 de junho de 2022, resultaram em 158 processos.
Vinte e quatro casos são de empresas que atuam na fabricação de móveis e serrarias. Cinco dos proprietários são sócios de madeireiras. Juntos, pessoas físicas e jurídicas somam R$ 42,8 milhões em multas.
Dados mais recentes mostram que no Mato Grosso do Sul há pelo menos quatro multas ambientais, no valor de R$ 253,025 mil, com risco de prescrever por falta de ação do Ibama.
Os crimes, cometidos em 2002, 2013 e 2017 resultaram em 2.296 processos e totalizam 253 mil. O levantamento é da agência de dados independentes Fiquem Sabendo, especializada no acesso à informação.
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