Manifestações contra o golpe ocorreram em 70 cidades do Sudão

Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas de mais de 70 cidades do Sudão no sábado (30) para exigir o retorno à transição democrática após o golpe de Estado perpetrado na segunda-feira (25) pelo general Abdel Fattah Al Burhan.

Com bandeiras sudanesas, barricadas de pneus em chamas e cartazes, os manifestantes bradavam que “este país é nosso e nosso governo é civil”.

Após o golpe, o Sudão foi suspenso da União Africana por violação constitucional. ONU e Liga Árabe condenaram o golpe e pediram a volta do governo de transição, instalado em 2019, depois do levante popular que depôs o regime de Omar Al Bashir, para organizar eleições gerais em 2023.

O primeiro-ministro Abdalla Hamdok, que está sob prisão domiciliar, pediu uma “desobediência civil” e “resistência pacífica” ao golpe. O general Al Burhan declarou dissolvido o conselho militar-civil, prometendo substituí-lo por um “governo tecnocrático” e mandou prender ministros e líderes civis.

O que um analista chamou de impor um “regime Bashir”, mas “sem Bashir”, que foi derrubado depois de 15 anos no poder.

Agora em novembro, pelo acordo de 2019 que constituiu o conselho militar-civil, a presidência do órgão deveria ser passada para um civil, deixando de ser encabeçado pelo general Al Burhan. Agora, as manifestações estão exigindo a completa transição para um governo civil, ao invés da manutenção do acerto, que foi rasgado, de um conselho militar-civil.

Desde a independência, o país tem vivido a maior parte do tempo sob governos militares.

Três civis mortos e 100 feridos

Na repressão aos protestos, três manifestantes foram mortos e mais de 100 ficaram feridos, o que aumenta para 11 o saldo de mortos desde o golpe. Segundo o Comitê Central de Médicos Sudaneses, os três manifestantes foram mortos a tiros por forças de segurança na cidade gêmea da capital Cartum, Omdurman. A polícia sudanesa negou ter atirado na multidão.

As linhas telefônicas, que estavam em grande parte fora do ar no sábado, voltaram no domingo, exceto por interrupções intermitentes. Mas o acesso à Internet permanece cortado desde o golpe.

No domingo, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres exortou os generais do Sudão a recuarem do golpe, aconselhando a “prestar atenção” aos protestos da véspera. “É hora de voltar aos arranjos constitucionais legítimos”, sublinhou.

O enviado da ONU para o Sudão, Volker Perthes, disse que se reuniu com o primeiro-ministro. “Discutimos opções de mediação e o caminho a seguir para o Sudão. Vou continuar esses esforços com outras partes interessadas sudanesas”, disse ele.

Segundo as agências de notícias, há rumores de que Al Burhan, dada a escala dos protestos contra o golpe, já admita restabelecer os três organismos criados para a transição democrática. Segundo uma fonte do gabinete do general, que solicitou anomimato, o general estaria considerando a devolução do cargo a Hamdok.

O país vive uma situação complexa, com o primeiro-ministro Hamdok tendo ido ao FMI, que impôs corte de subsídios para os combustíveis e de programas sociais. Os preços nas bombas dobraram, o que, somado ao fim da taxa de câmbio fixa do Sudão, também imposto pelo Fundo, fez a inflação ir a mais de 400%. Para complicar, ocorreram graves inundações.

Grupos ligados ao deposto Bashir também bloquearam o acesso ao principal porto do país, Port Sudan, causando escassez de alimentos e suprimentos, após o governo de transição ter aceitado entregar Al Bashir ao Tribunal Penal Internacional.

Por outro lado, Washington forçou o Sudão a estabelecer relações diplomáticas com Israel, como pré-condição para retirar o país da lista de sancionados por ‘promover terrorismo’ e para não vetar o empréstimo pedido ao FMI – isso em um país em que a população tem enorme apreço pelos palestinos.

Sob as sanções que agora Washington ameaça retomar, 80% da população de 40 milhões vivia com menos de US$ 1 por dia e quase 3 milhões de crianças sofrem de desnutrição aguda.

Também o plano de pacificação do país empacou, com pelo menos dois grupos armados, um deles de Darfur, se recusando a assiná-lo, depois de assinado pelos militares sudaneses.