O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, nesta quarta-feira (20), inconstitucionais dispositivos da reforma trabalhista, de 2017, que obrigam o trabalhador a pagar os honorários periciais e sucumbenciais (pagos ao advogado das partes), caso seja a parte vencida em um processo, mesmo que seja beneficiário da Justiça gratuita.

Por 6 a 4, a Corte encerrou a discussão do tema motivado pela da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.766, que discutiu a constitucionalidade de dispositivos da reforma, a Lei 13.467/17.

Pelo entendimento, os dispositivos limitaram o acesso à assistência judiciária gratuita ao possibilitar que pessoas consideradas pobres tenham que arcar com os custos de perícias que são realizadas em processos trabalhistas, além de pagar honorários advocatícios da outra parte litigante no caso de perda da causa.

Permaneceu apenas a cobrança do pagamento das custas processuais em caso de arquivamento injustificado por ausência em audiência.

A ação que motivou a decisão foi uma das primeiras protocoladas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2018, para contestar as alterações feitas pela reforma na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em seu voto, o ministro Edson Fachin apontou que as restrições ao direito à gratuidade acabam afetando o próprio acesso aos direitos sociais trabalhistas eventualmente violados, além de ferirem o direito fundamental de acesso à Justiça.

“Mesmo que os interesses contrapostos a justificar as restrições impostas pela legislação impugnada sejam assegurar um maior compromisso com a litigância para a defesa dos direitos sociais trabalhistas, verifica-se, a partir de tais restrições, uma possibilidade de negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores”, disse Fachin em seu voto.

Outros direitos desrespeitados pelas normas questionadas seriam, de acordo com o ministro, os relacionados à cidadania, à dignidade da pessoa humana, ao objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais.

O dispositivo impugnado foi incluído na “reforma” sob o argumento de que havia processos trabalhistas em excesso exatamente pela facilidade com que os trabalhadores possuíam para cobrar o cumprimento de seus direitos, eventualmente desrespeitados, estimulando que mesmo os que não possuíam direitos a cobrar a entrar com ações.

Em voto pela inconstitucionalidade das normas impugnadas, a vice-presidente do STF, ministra Rosa Weber, apontou que a desestruturação da assistência judiciária gratuita, que considera elemento central para o acesso à Justiça, não irá resolver o problema da litigância excessiva.

Para a ministra, a pretexto de perseguir resultados econômicos e estímulos comportamentais de boa-fé processual, que poderiam ser alcançados de outras formas, “as medidas legais restringem a essência do direito fundamental dos cidadãos pobres de acesso gratuito à Justiça do Trabalho em defesa dos seus direitos”.

Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo concordou com os argumentos apresentados pela procuradoria e considerou inconstitucionais os artigos 790-B e 791-A, que alteravam a CLT.

Restrição do acesso à Justiça

De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), dois anos após a aprovação da reforma trabalhista, a quantidade de ações na Justiça do Trabalho caiu 32%. Entre janeiro e outubro de 2017, o Brasil possuía 2,2 milhões de ações em andamento, já no mesmo período de 2019 foram 1,5 milhão.

Como apontaram os ministros na votação do tema, o resultado revela não a redução de violações aos direitos trabalhistas, mas sim que os trabalhadores vêm desistindo de acionar a Justiça devido às dificuldades implementadas com a reforma.

A precarização das relações de trabalho, aprofundada com a reforma com a terceirização, o trabalho intermitente, a flexibilização do intervalo para almoço, entre outras medidas, colabora ainda mais para a diminuição dos processos – pois se há menos direitos trabalhistas nestas modalidades de contratação, há também menor possibilidade de os trabalhadores buscarem a Justiça para fazer cumprir-se a lei.

Votaram pela derrubada do dispositivo, além dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, a ministra Cármen Lúcia e os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes.

O ministro Alexandre de Moraes considerou, ainda, como inconstitucional a manutenção do pagamento pelo trabalhador em caso de falta injustificada.

“[A parte] Comprovou a insuficiência de recursos, foi tida como hipossuficiente, obteve a gratuidade, mas, mesmo assim, vai ter que pagar?”, indagou.

Luiz Roberto Barroso (relator da ADI), Nunes Marques, Luiz Fux e Gilmar Mendes foram os 4 ministros que votaram a favor da manutenção da restrição de acesso à Justiça do Trabalho presente na “reforma” trabalhista.

O STF ainda tem importantes itens da Reforma Trabalhista a serem julgados, tais como: 1) trabalho intermitente; 2) se as cláusulas de acordos coletivos podem integrar os contratos individuais de trabalho; 3) teto indenizatório por danos morais e extrapatrimoniais nas ações perante a Justiça do Trabalho; e a 4) prevalência do acordado sobre o legislado.