Novo presidente Raisi ao chegar para votar na eleição de junho

“A nação iraniana não abrirá mão de seus direitos legítimos, incluindo o direito ao desenvolvimento, ainda que sob pressão e sanção. As sanções contra a nação iraniana serão suspensas e qualquer proposta diplomática para concretizar esse objetivo é apoiada por nós”, afirmou o novo presidente iraniano, o juiz Ebrahim Raisi, após o juramento de posse em cerimônia no parlamento, com a presença de representantes de 80 países e da OPEP, e de Hassan Rouhani, o presidente cessante. Também Enrique Mora, o principal representante da União Europeia nas negociações de Viena.

Eleito por larga margem, Raisi assume em um momento complexo, depois de mais de três anos de árdua resistência iraniana às “sanções tirânicas” de Trump e mais de um ano de pandemia, que penalizaram enormemente a economia do país e com as negociações com o governo Biden para restauração do Acordo JCPOA, assinado por Obama – ao lado da China, Rússia, França, Inglaterra e Alemanha – e rompido unilateralmente pelo antecessor dele Trump, em impasse.

Em paralelo, em menos de uma semana, na véspera da posse, duas provocações no Golfo Pérsico tentando denegrir a reputação iraniana e isolar o país, já denunciadas por Teerã como “guerra psicológica” visando preparar “mais aventureirismo” no Golfo Pérsico.

Aberto ao diálogo

Raisi se comprometeu em buscar “diplomacia e engajamento construtivo e amplo com o mundo” e assinalou que no topo de sua política externa está o fortalecimento das relações com os vizinhos regionais. “Estendo minha mão de amizade e fraternidade a todos os países, especialmente os da região”, sublinhou.

Raisi conclamou a que as crises regionais sejam resolvidas “por meio do diálogo”, assinalando que a presença de forças estrangeiras apenas incentiva “mais instabilidade”.

O novo presidente – o oitavo desde a Revolução Islâmica que depôs o Xá e rompeu com a suserania a Washington -acrescentou que a presença do Irã na região cria segurança e apóia a paz e a estabilidade.

“O programa nuclear do Irã é exclusivamente pacífico e, de acordo com a fatwa [opinião legal não vinculante] do Líder Supremo, as armas nucleares são proibidas e não têm lugar na estratégia de defesa do Irã”, acrescentou o presidente.

Honestidade

Aos iranianos, Raisi disse que seu governo estará centrado em reativar a economia e melhorar as condições de vida e anunciou que irá criar um milhão de empregos por ano, construir quatro milhões de casas em quatro anos, conter a inflação e combater a desigualdade e a corrupção.

Ele afiançou que, nas urnas, o povo iraniano “apelou a um governo que recuperasse a confiança prejudicada, devolvesse essa confiança e fizesse uma ponte entre o povo e o governo”.

Ao receber na terça-feira o endosso do aiatolá Ali Khamenei, este lhe recomendou que atendesse especialmente os menos favorecidos e a classe média, que falasse ao povo com honestidade e combatesse a corrupção. Sua conclamação recebeu pronta acolhida dos presidentes dos poderes legislativo e judiciário, respectivamente o deputado Mohammad Ghalibaf e o jurista Mohseni Ejei.

“Sabemos que as ameaças e sanções do inimigo criaram dificuldades na gestão do país, mas também existem consideráveis capacidades populares, econômicas e internacionais concedidas por Deus que podem nos ajudar a superar esses desafios”, destacou o parlamentar iraniano.

“O judiciário do Irã está a postos para ajudar o novo governo na luta contra a corrupção” e apoiar a salvaguarda dos direitos das pessoas e das liberdades, assinalou Ejei.

Cerco medieval

É um desafio enorme. A política de “pressão máxima” – forma cínica de nomear o que é essencialmente uma política de matar pela fome um povo (Nixon chamava de ‘fazer a economia gritar’) – chegou ao ponto de proibir que o Irã exportasse o principal produto de sua pauta comercial, o petróleo, inclusive penalizando os países que descumprissem a imposição do regime Trump.

De acordo com o FMI, o cerco provocou duas quedas sucessivas no PIB em 2018 e 2019, da ordem de 6% cada ano. O país foi impedido de usar o sistema internacional de pagamentos SWIFT, tornando mais caro qualquer transação com outro país.

A pandemia só fez agravar uma situação difícil, que só não implodiu por causa da economia orientada à autossuficiência, forte presença do Estado e a experiência acumulada no período anterior ao JCPOA, sob Obama, sobre como driblar sanções.

Com o comércio exterior bloqueado em grande medida, a moeda sofreu enorme desvalorização diante do dólar – e inflação internamente. De acordo com o Ministério do Trabalho, a inflação dos alimentos ultrapassou o limiar da “crise” no mês encerrado em 21 de junho, com mais de dois terços dos alimentos básicos como carne, arroz e frutas registrando um aumento médio anual de preço de pelo menos 24%.

As sanções dos EUA bloquearam o acesso do país às suas próprias reservas de moeda fora do país. O desemprego está em 9,6%, de acordo com o Banco Central, e 16,7% entre os jovens. O que explica porque, ao receber o endosso do líder supremo, aiatolá Khamenei, o novo presidente reiterou sua disposição a levantar as sanções “mas não ao custo do sustento do povo e da economia, e não amarraremos a nação à vontade de estrangeiros”.

Urnas de junho

Outra questão que mereceu a atenção do aiatolá Khamenei foi a avaliação da eleição, que em plena pandemia, com o Irã sendo o país do Oriente Médio mais atingido – o que tem ligação com as sanções -, teve 48,8% de participação, o que ele considerou “bom”, sob intensos esforços dos inimigos contra as eleições, que acabou seguida por alguns “dentro do país” por “negligência ou propositalmente”.

“A participação do povo foi uma resposta decisiva a isso”, realçou Khamenei. Com o ex-presidente Rouhani a seu lado, ele acrescentou que a transferência pacífica do poder indica “diversidade política e a liberdade e saúde das eleições”.

Impasse em Viena

Desde 20 de junho – dois dias após a vitória de Raisi -, estão suspensas as negociações em Viena sobre a plena restauração do JCPOA. Questão sobre a qual o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, advertiu que o Ocidente está tentando mudar o acordo a fim de impor compromissos adicionais ao Irã, “não apenas [compromissos] nos contextos do JCPOA, mas também em questões que não têm nada a ver com o acordo”.

Note-se que o JCPOA significou, em 2015, a troca do fim das sanções com retomada das relações comerciais normais pelo mais rígido sistema de monitoramento já aplicado pela AIEA sobre o programa nuclear iraniano, que esta comprovou ser respeitado integralmente, até ser unilateralmente rasgado por Trump.

Assim, o governo Biden vem se afastando da sua promessa de campanha de restaurar o acordo JCPOA – aliás um acordo no qual ele era vice do governo que o negociou e assinou. Conforme o Wall Street Journal, a Casa Branca planeja sanções específicas contra o desenvolvimento de tecnologia de drones e mísseis, o que seria “parte de uma abordagem abrangente” para lidar “com todos os aspectos da ameaça iraniana”.

Recentemente, o aiatolá Khamenei tratou do impasse em Viena. “Os americanos agiram de forma completamente covarde e de má fé”, disse o líder religioso. “No passado, eles violaram o acordo nuclear sem nenhum custo ao sair dele. Agora, eles dizem explicitamente que não podem dar garantias de que isso não acontecerá novamente.”

A Press TV – cujo portal em servidor norte-americano foi fechado pelo governo Biden – citando fontes anônimas disse que os EUA estavam exigindo um retorno “passo a passo” ao acordo que haviam abandonado abrupta e unilateralmente, deixando o Irã sofrendo consequências econômicas, o que chamavam de “coreografar” a retomada do JCPOA.

Também não haveria concordância de Washington quanto a suspender centenas de sanções que foram levantadas sob o acordo com o Irã e reintroduzidas por Trump.

Kazem Gharib-Abadi, representante permanente do Irã em organizações internacionais em Viena, forneceu detalhes sobre a postura hostil de Washington.

Ele revelou que a equipe de Biden condicionou a remoção de uma série de sanções – que tecnicamente teriam sido obrigados a remover nos termos do acordo com o Irã – à inclusão de uma nova cláusula no acordo que teria aberto a porta para pressionar o Irã sobre mísseis e interesses iranianos na região do Golfo.

“O objetivo deles é avançar para esses tópicos rapidamente após um acordo ser alcançado [sobre a retomada do acordo nuclear] e considerar isso uma parte indispensável do acordo nuclear, pavimentar o caminho para sua interferência nessas áreas e culpar o Irã onde quer que eles falharem em prosseguir e, em seguida, preparar o clima para mais pressão sobre o Irã sob outros pretextos”, disse Gharib-Abadi.

O diplomata iraniano também confirmou que os EUA se recusaram a fornecer qualquer garantia de que uma retirada unilateral a la Trump não ocorreria novamente. “Eles sequer concordaram em considerar um determinado período de tempo para a continuação dos negócios das empresas que entram em comércio e negócios com o Irã para que, em caso de um problema com o acordo, elas (as empresas) pudessem cumprir seus negócios sem medo de sanções extraterritoriais”.

Provocação

Foram duas provocações, voltadas para aviltar a posse de Raisi. A mais recente delas, o mal contado ‘sequestro’ de um navio-tanque de betume de bandeira panamenha e procedência inglesa, o Asphalt Princess, nas costas de Omã, primeiro relatado na terça-feira, com acusações ao Irã, seguido no dia seguinte por sucinto comunicado da autoridade marítima britânica de que “o potencial sequestro” já teria terminado e a embarcação já estaria “em segurança”, sem explicar nada sobre o ocorrido.

No dia 29, um petroleiro israelense de bandeira liberiana, o Mercer Street, sofreu um ataque no Golfo Pérsico com drone – que vários países da região detêm. O que foi seguido por uma acusação da Otan sem qualquer investigação ou prova a Teerã de ser “muito provavelmente” – o cinismo chega a esse ponto – “responsável pelo ataque”.

Prontamente, Tel Aviv, Washington e Londres proferiram ameaças antes de qualquer investigação. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo disse à Sputnik na segunda-feira (2) que Moscou não viu qualquer indicação de envolvimento iraniano no incidente ou qualquer evidência para apoiar tais alegações.

Teerã já refutou as acusações e os boatos, que atribuiu a fontes ocidentais, israelenses e sauditas, aconselhando os cabeças quentes a tomarem tenência.

Ouvido pela PressTV, um analista apontou que israelenses e norte-americanos estão “perturbando a segurança no Golfo Pérsico, o que é prejudicial para a segurança de todos os vizinhos. Eles não se importam com a segurança nesta região porque não vivem nesta parte do mundo. Portanto, eles não sofrem muitos danos enquanto outros países da região são vítimas de tal alarido”.