"Para vencer a Covid há que se aplicar os princípios dos Diretos Humanos”, diz Guterres, secretário-geral da ONU 

Há uma “pandemia de abusos” no planeta, incluindo ataques contra a imprensa, contra a democracia e contra mulheres, denunciou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apontando líderes que impedem o acesso à informação sobre a pandemia da Covid-19. Informação que salva vidas enquanto eles usam seus cargos para disseminar “desinformação mortal” sobre o vírus.

Na abertura do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, na segunda-feira (22), a alta comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, também se referiu ao desserviço realizado por governos que limitam o trabalho da imprensa e não se colocam à disposição do combate ao vírus.

“O que acabará com esta pandemia – e acelerará uma recuperação duradoura e resiliente – é a aplicação efetiva dos princípios dos direitos humanos, baseada na confiança pública”, afirmou a ex-presidente do Chile. “E para construir confiança, deve haver um governo transparente, responsável e inclusivo, fundamentado em uma imprensa livre, instituições democráticas eficazes e uma participação significativa do público nas políticas”, frisou.

“Defensores dos direitos humanos, jornalistas, advogados, ativistas políticos – e até mesmo profissionais médicos – estão sendo detidos, processados e sujeitos a intimidação e vigilância por criticar as respostas governamentais à pandemia – ou a falta delas. O vírus também está infectando os direitos políticos e cívicos e encolhendo ainda mais o espaço cívico”, ressaltou Guterres.

“O acesso à informação sobre a Covid-19 salvadora de vidas foi ocultado – enquanto que a desinformação mortal foi ampliada – inclusive por aqueles no poder”, enfatizou.

Os dois líderes não citaram nomes de países. Mas insistiram sobre o fato de que a pandemia tem mostrado que há governos que são responsáveis por violações de direitos humanos.

O governo de Jair Bolsonaro se encaixa nestas denúncias pelas medidas sem comprovação científica que defende, como a compra e propaganda de cloroquina, a lerdeza na liberação de recursos para a compra de vacinas, deixando hospitais superlotados, sem estrutura para aplicar as medidas que podem salvar vidas. Além disso, ele pessoalmente se recusa ao uso da máscara e, de maneira deliberada, promove aglomerações.

Guterres mostrou que a Covid-19 “aprofundou as divisões, vulnerabilidades e desigualdades pré-existentes, assim como abriu novas fraturas, revelando deficiências em direitos humanos”.

“Apenas dez países administraram 75% de todas as vacinas para debelar a Covid-19. Enquanto isso, mais de 130 países não receberam uma única dose”, sublinhou mais uma vez.

“A equidade no acesso à vacina é, em última instância, uma questão de direitos humanos. Um nacionalismo exclusivista em termos de vacinas o nega. As vacinas devem ser um bem público global e acessível para todos”, defendeu.

“Estamos assistindo a um círculo vicioso de violações. As vidas de centenas de milhões de famílias foram viradas de cabeça para baixo – com perda de empregos, dívidas crescentes e queda acentuada na renda”, foi adiante Guterres. “A doença tem causado um impacto desproporcional nas mulheres, minorias, pessoas com deficiência, idosos, refugiados, migrantes e povos indígenas”, identificou.

A pobreza extrema está aumentando pela primeira vez em décadas”, manifestou.

“Devemos também intensificar a luta contra o neonazismo ressurgente, o supremacismo branco e o terrorismo de motivação racial e étnica”, alertou. “O perigo desses movimentos movidos pelo ódio está crescendo a cada dia. Vamos chamá-los como eles são: movimentos neonazistas e mais do que ameaças de terrorismo doméstico. Eles estão se tornando uma ameaça transnacional”, frisou, lançando um alerta contra o fortalecimento de movimentos extremistas, muitos dos quais contam com o apoio de governos.

A alta comissária da ONU, Michelle Bachelet, somou-se a esse chamamento em defesa dos Direitos Humanos. “A pandemia arrancou a máscara das realidades da discriminação; profundas desigualdades; e subfinanciamento crônico de serviços e direitos essenciais, todos ignorados em grande parte por muitos formuladores de políticas. Demonstrou-se o quanto a negligência dos direitos humanos põe em perigo as sociedades”, afirmou.

“O aumento global da pobreza extrema, acelerando as desigualdades; os retrocessos nos direitos das mulheres e na igualdade; na educação e nas oportunidades para crianças e jovens; e na Agenda de Desenvolvimento Sustentável são choques que podem abalar os fundamentos das sociedades”, disse.