Quando teve início no começo de agosto, o Censo do IBGE trouxe consigo a missão de compreender melhor como é o nosso povo. E ao colocar uma lupa sobre esse rico universo, um dos elementos que será contabilizado é o número de dialetos e idiomas indígenas falados em nosso território. Ao todo, estima-se que sejam faladas no Brasil mais de 300 diferentes línguas entre as quais estão as de origem indígena — cerca de 274 —, afrobrasileiras (como o Iorubá) e outras provenientes de comunidades imigrantes como japoneses, italianos e bolivianos por exemplo.

Tal quantidade de idiomas indígenas foi apontada pelo Censo de 2010, mas estima-se que esse número possa chegar a 350. Para viabilizar esse trabalho, há poucos dias o IBGE fez um dia de mobilização do Censo Indígena e, com base num levantamento prévio que ajudará no recolhimento das informações, foram identificadas 632 terras indígenas, 5.494 agrupamentos indígenas e 977 outras localidades indígenas, em 827 municípios brasileiros.

Segundo a Unesco, há 190 línguas no Brasil que correm o risco de desaparecer, o que torna o mapeamento uma ferramenta ainda mais importante. Para estimular o cuidado com esse elemento tão fundamental de identidade dos povos, a instituição declarou que o período entre 2022 e 2032 será a Década Internacional das Línguas Indígenas, com o objetivo de apoiar esses povos “em seus esforços para preservar seus conhecimentos e desfrutar de seus direitos”. Segundo a Unesco, embora representem apenas 5% da população mundial, os povos indígenas falam a maioria das 7 mil línguas que existem no mundo .

Uma das formas de cuidar deste patrimônio no Brasil foi instituída em 2010, com o Inventário Nacional de Diversidade Linguística (INDL), gerido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que luta para se manter diante de todo o desmonte promovido pelo governo Bolsonaro. Recentemente, o Iphan anunciou a proposta de inclusão de mais seis línguas no INDL e seu reconhecimento como “Referência Cultural Brasileira”, entre as quais três indígenas (Sakurabiat, Wari’, Salamãi e Kwazá) e o Iorubá.

Pesquisa e mapeamento

Mas, há também muitos estudiosos e pesquisadores que vêm se dedicando ao tema, especialmente nas universidades públicas, e que têm cumprido um papel estratégico na preservação das culturas que fazem parte da nação brasileira. A Universidade Federal do Pará (UFPA), por exemplo, identificou 34 idiomas no estudo “As línguas indígenas no Pará em 2021: fraturas do contemporâneo”, que resultou, inclusive, num mapa interativo com as línguas do estado.

“Para chegar a estes resultados, realizamos uma pesquisa que contou sobretudo com a participação de alunos indígenas das universidades públicas do estado do Pará. Em suas pesquisas, eles produziram, com seus próprios aparelhos de telefones celulares, uma série de vídeos com o objetivo de mostrar os usos sociais de suas línguas na atualidade. A comunicação com alguns deles, em função das dificuldades com o acesso à Internet, aconteceu principalmente por grupos de WhatsApp. Para orientar as pesquisas, produzimos uma série de tutoriais em formato escrito e em audiovisual”, explicou a professora Ivânia Neves, coordenadora do projeto.

Esse tipo de mapeamento contribui diretamente para o enfrentamento de uma série de adversidades que acabam levando ao fim das línguas. Luciana Storto, professora do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e autora do livro “Línguas indígenas: tradição, universais e diversidade” apontou que muitas vezes o uso de um idioma indígena também se reduz porque os falantes “abandonam suas línguas com base na crença errônea de que para falar bem a língua portuguesa eles precisam deixar de falar suas línguas nativas”.

Ao jornal O Globo, Ananda Machado, especialista em diversidade linguística da UFRR, lembrou: “Outro dia ouvi de uma jovem Macuxi: ‘Estou estudando minha língua para eu ser mais Macuxi’. Diversidade é riqueza. Cada uma dessas línguas descreve um mundo diferente, tem suas lógicas, representa formas únicas de existir”.