Ao final de um ano atribulado, marcado por imensos retrocessos no país e continuadas derrotas das forças democráticas e progressistas, a Segunda Conferência Nacional da Frente Brasil Popular (FBP) é acontecimento auspicioso. Seu êxito corresponderá ao avanço das lutas pela concretização das profundas aspirações do povo brasileiro por democracia, justiça, progresso social e soberania nacional.

Por José Reinaldo Carvalho *

A conferência da FBP poderá mesmo alcançar repercussão entre as forças progressistas no plano internacional, num quadro em que se forma nova configuração política, em meio ao aprofundamento da crise sistêmica do capitalismo, à exacerbação de conflitos e à ofensiva do imperialismo contra os povos.

Esta ofensiva põe objetivamente na ordem do dia a necessidade de fortalecer a luta política no âmbito internacional e vincar ainda mais o caráter solidário, internacionalista e anti-imperialista das forças políticas e sociais progressistas brasileiras, apoiando as iniciativas em defesa da paz mundial, da integração

soberana da América Latina, da autodeterminação das nações, do desenvolvimento soberano com justiça social, do direito internacional, da democratização das relações internacionais. Cada vez mais é necessário compreender que a causa nacional é parte indissociável da luta anti-imperialista. A FBP pode jogar papel importante nessa direção.

O Brasil vive uma conjuntura marcada pelo golpe de Estado antidemocrático e antinacional de 2016.

O golpe instituiu não apenas um novo governo com prazo em outubro de 2018, quando estão marcadas as eleições gerais para a Presidência da República, Congresso Nacional, governos e assembleias estaduais. Rigorosamente, o golpe de 2016 estabeleceu um novo regime político, que, como todo regime reacionário, consoante as intenções e objetivos das forças que o criaram, vem com a pretensão de permanecer.

O regime tem acentuado caráter de classe e antinacional. Implementa afanosamente uma agenda restritiva aos direitos do povo e à soberania do país.

Está em curso uma contrarreforma política e econômica, pela qual se promove a regressão antidemocrática do Estado brasileiro; a liquidação de conquistas sociais; a venda do país; a abertura total ao capital financeiro internacional; as negociatas para abrir o solo amazônico aos apetites das grandes mineradoras internacionais, o que atenta não só contra a soberania nacional como contra o equilíbrio ambiental; o retorno às privatizações; a submissão aos ditames do capital monopolista, com o qual assumiu o compromisso de promover a derrogação de leis que hoje asseguram os direitos sociais e trabalhistas; o retrocesso civilizacional, realizando os ditames de grupos obscurantistas, promovendo ataques a conquistas no âmbito da convivência social, dos direitos civis e dos direitos humanos.

Assim, estão em liquidação uma a uma as conquistas alcançadas pelos governos liderados pelos ex-presidentes Lula e Dilma. O regime golpista elimina os direitos do povo, mutila a democracia, arremete contra os movimentos sociais, ensaia a modelagem de um sistema político elitista e excludente, aliena a soberania nacional, revoga consagrados princípios da política externa, transforma o país num anão diplomático em face das potências imperialistas, um

algoz dos países que lutam por sua autodeterminação, e pratica uma política econômica ruinosa para a maioria da população. Condena a nação ao deprimente papel de economia subalterna e colonizada pelo capital monopolista e financeiro internacional.

O regime golpista busca realizar o acerto de contas com as forças que antes ocupavam o centro da vida política. Ataca com inaudita agressividade o presidente Lula tentando condená-lo judicialmente e afastá-lo da disputa eleitoral de 2018, arremete contra o movimento sindical e busca golpear o conjunto das forças de esquerda. Estas não podem nem devem subestimar a gravidade da ofensiva, que é uma clara indicação das dimensões dos novos desafios.

No momento em que ocorreu, o golpe obteve o consenso do conjunto da burguesia monopolista-financeira, da grande indústria e das grandes redes de comércio, dos latifundiários, dos meios de comunicação, dos setores abastados, enfim, do conjunto das classes dominantes brasileiras reacionárias. Todas as organizações patronais publicaram declarações formais e solenes a favor da

destituição da presidenta Dilma. Não se pode deixar sem registro tampouco que no momento do golpe mancomunaram-se todos os partidos da direita, da centro-direita, do centro e até de setores que se autoproclamam de centro-esquerda.

Transcorrido já mais de um ano desde o golpe, diversos fatores desencadearam graves contradições no seio das classes dominantes e suas representações políticas: a desmoralização do governo Temer, a generalização das denúncias de corrupção envolvendo os grandes partidos golpistas e suas lideranças, a exacerbação de poderes do Ministério Público e do Judiciário, o aprofundamento da crise econômica, o pleno esgotamento das instituições políticas. Os fatos atuais revelam acerba luta entre os bandos golpistas, estando em curso vários golpes dentro do golpe, em que cada uma das facções das classes dominantes incrustadas nos poderes de Estado pretende impor-se às demais, sempre em detrimento dos interesses do povo brasileiro, dos trabalhadores e da soberania nacional. Tais divisões se manifestam mais intensamente entre as pré-candidaturas dos partidos de direita e centro-direita à Presidência da República.

As forças do campo democrático e popular não devem nutrir qualquer ilusão quanto a essas facções, mas mobilizar o povo, unir-se e construir a frente ampla dos setores democráticos, populares, progressistas e patrióticos.

No quadro atual, emerge para o lugar primordial na ação das forças de esquerda a luta política de massas, a organização política popular, o fortalecimento político das organizações dos movimentos populares e sindicais, a consolidação da Frente Brasil Popular.

A tarefa prioritária é a construção da unidade das esquerdas e dos movimentos populares, a convergência programática e de ações entre partidos políticos e movimentos sociais, de que a Frente Brasil Popular (FBP) é um dos mais importantes núcleos. A perspectiva da esquerda deve ser a de constituir uma frente ampla, como instrumento para a resistência e a luta, para unir todas as forças suscetíveis de ser unidas na defesa da democracia, dos direitos do povo, do progresso social e da soberania nacional, em torno de um programa comum que aponte a perspectiva de acumular forças para realizar mudanças estruturais.

O Brasil necessita da união do povo, de uma frente progressista que construa a hegemonia do campo democrático-popular e anti-imperialista. Esta deve evitar qualquer tipo de adaptação à ordem neoliberal e conservadora. O pressuposto é a oposição sem tréguas ao regime da aliança golpista e suas bases de sustentação política.

Vivemos uma correlação de forças ainda desfavorável, mas há motivos de confiança no futuro. O povo está descontente, a Frente Brasil Popular prossegue no caminho da busca e construção da unidade e da convergência entre diferentes correntes de opinião, partidos políticos e organizações sociais. Mesmo que por caminhos tortuosos, desperta a consciência democrática e a capacidade de luta de milhões de brasileiros que aspiram à democracia, à justiça social e à soberania nacional, aos direitos humanos, à boa governança, à vida culta e a elevados padrões civilizacionais.

As forças do movimento democrático e popular têm uma energia acumulada cujo desenvolvimento terá uma dinâmica própria até se transformar na força motriz da realização das transformações de fundo

inadiáveis, que o Brasil está a exigir. A Frente Brasil Popular está chamada a desempenhar um papel destacado nessa caminhada.

São falsos os chamados para evitar a polarização do país. Mais polarização, mais luta de massas, mais nitidez programática é de que precisamos. A frente será tanto mais ampla quanto for de luta e constituir-se como um polo no enfrentamento imediato e em perspectiva às forças neoliberais e conservadoras.

* José Reinaldo Carvalho é jornalista, pós-graduado em Política e Relações Internacionais. É secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB.