Procurador-geral da República Augusto Aras

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu, através de nota, que eventuais atos ilícitos “cometidos por autoridades da cúpula dos poderes da República durante a pandemia – e que gerem responsabilidade – devem ser julgados pelo Legislativo”.

Ou seja, o procurador, ao invés de se ater à sua função de investigar e acusar os crimes contra o interesse público, resolveu agir para acobertá-los. A assessoria da PGR informou que o texto é uma resposta às crescentes cobranças por uma atuação do órgão no impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

“A Constituição Federal, para preservar o Estado democrático de Direito e a ordem jurídica que o sustenta, obsta mudanças em seu texto em momentos de grave instabilidade social. A considerar a expectativa de agravamento da crise sanitária nos próximos dias, mesmo com uma vacinação contemporânea, é tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional”, diz trecho do ofício, intitulado “PGR cumpre com seus deveres constitucionais em meio à pandemia”.

Aras também fez um estranho alerta: “o estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”. Sem ser perguntado, ele informa que, “segundo o artigo 136 da Constituição, o Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar o estado de defesa para preservar ou restabelecer prontamente, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.

Ao invés de dar prosseguimento célere às denúncias envolvendo o comportamento criminoso do presidente na pandemia – além dos atos envolvendo sua família e amigos [um deles foi preso com dinheiro escondido na cueca] -, Augusto Aras, desconversa com a intenção de seguir acobertando esses crimes. “Diz ainda a Constituição”, prossegue ele, “que, decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta”.

STF

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reagiram imediatamente nesta quarta-feira (20) contra a fala do procurador – que foi indicado por Bolsonaro, apesar de não ter sido indicado pela lista tríplice do Ministério Público. O ministro Marco Aurélio Mello, decano do STF, afirmou “não ver com bons olhos” a fala de Aras.

“Onde há fumaça há fogo. Crise de saúde, crise econômica, crise social e agora crise, aparentemente, política. Não vejo com bons olhos esse movimento de quem precisa ser visto como fiscal maior da lei. Receio pelo Estado de Direito”, alertou Mello.

“Volto à palestra que fiz no encerramento de Curso de Verão na Universidade de Coimbrã, em julho de 2017. Disse que, ante a possível eleição, como Presidente da República, do então Deputado Federal Jair Bolsonaro, temia, esse foi o vocábulo, pelo Brasil. Premonição? Certamente não”, acrescentou o ministro.

PROCURADORES

Subprocuradores também condenaram o documento produzido pela equipe de Augusto Aras. “Consideramos (…) que a defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um ‘estado de defesa’ e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente”, afirmam os subprocuradores, em documento publicado pela revista Veja.

Num dos trechos, os subprocuradores fazem um histórico da pandemia no Brasil desde março de 2020 até agora, assinalando que houve “debilidade da coordenação nacional” para o enfrentamento da Covid-19, além de “comportamento incomum de autoridades”.

Citam o fato de o governo ter defendido tratamentos preventivos sem comprovação científica, criticado os esforços de desenvolvimento de vacinas e divulgado informações duvidosas sobre a sua eficácia, “de modo a comprometer o programa de adesão de imunização da população”.

Segundo os subprocuradores, Aras “parece não considerar um período [à PGR] para a perseguição penal de crimes comuns e de responsabilidade da competência do Supremo Tribunal Federal”.

“A possibilidade de configuração de crimes de responsabilidade, eventualmente praticado por agente político de qualquer esfera, também não afasta a hipótese de caracterização de crime comum, da competência dos tribunais”, defendem.

“Tivemos a demora ou omissão na aquisição de vacinas e de insumos para sua fabricação, circunstância que coloca o Brasil em situação de inequívoco atraso na vacinação de sua população”, destacam, classificando a atuação do governo como “controvertida”.

A recente declaração do presidente Jair Bolsonaro, que atribuiu às Forças Armadas “o papel incabível” de decidir sobre a prevalência ou não da democracia no país, é um alerta para crime de responsabilidade, alertam os subprocuradores, cobrando uma nova postura de Aras.

“O Ministério Público Federal e, em particular, o PGR, precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a sua carga – independentemente de ‘investigação epidemiológica e sanitário ‘na esfera do próprio órgão cuja eficácia ora está em xeque”, prosseguem os subprocuradores.

“A defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um ‘estado de defesa’ e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ou vigente”, completam o alerta.

ANPR

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também criticou o fato de Aras ter sugerido que o presidente Jair Bolsonaro pode decretar estado de defesa e afirmado que um PGR não tem competência para apurar crimes de responsabilidade.

“Qualquer alusão, não há estágio atual da democracia brasileira, a estado de exceção, inclusive atendimento na própria Constituição, se mostra absolutamente desarrazoada e contrária à missão constitucional que foi incumbida precipuamente à instituição e a todos os seus membros”, diz a ANPR.

De acordo com a associação, sim, é prerrogativa do PGR investigar crimes cometidos por autoridades com foro especial mediante “conduta ativa ou omissiva” – e, se for o caso, processar os acusados. “Não se pode abdicar também dessa missão ou mesmo transferi-la a outras instituições.”

“Nesse sentido, não há por que confundir a prerrogativa da investigação criminal, plenamente assegurada pelo Supremo Tribunal Federal ao Ministério Público, com o também importantíssimo papel político que possui o Congresso Nacional no julgamento de autoridades públicas por crimes de responsabilidade.”

Em nota divulgada nesta quarta-feira (20), a entidade pressiona o procurador-geral a “apurar a responsabilidade por ações e omissões que nos levaram a esse estado de

coisas”, em uma referência à situação crítica da pandemia no país e do atraso do Brasil quanto à vacinação da população.

GOLPISMO

Para o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, a intenção por trás da mensagem da PGR ainda não está clara. “Deixou de ser Procuradoria-Geral da República e passou ao triste papel de advogada de defesa do presidente da República e insinua até o descumprimento da Constituição, sabe lá com que objetivo”, afirmou Lupi em entrevista à Carta Capital. Como dizia o saudoso Leonel Brizola, ele “está costeando a alambrado” do golpismo.

O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) afirmou que a Procuradoria-Geral da República reconhece que a crise deve se agravar e, “em vez de denunciar a responsabilidade do presidente e do governo Bolsonaro, insinua ‘muda no texto’ de caráter duvidoso”.

“Cheira a apoio a medidas estranhas ao processo democrático e preocupação. Coloca para o Congresso a necessidade de agir rápido e aprovar o impeachment. Crimes não faltam e já são 61 pedidos [de impeachment contra Bolsonaro] ”, declara Correia.