Por Paulo Roberto P. Rivera*

 

Em nosso documento Diretrizes Para Uma Plataforma Emergencial De Reconstrução Nacional, o item 21 tem como título “superar o modelo econômico dependente rentístico”. Aqui cabe uma breve reflexão a respeito de se identificar se o termo dependência realmente define o modelo econômico adotado pelo Brasil, ou qualquer outro país.

O uso do termo no contexto econômico, nos remete a considerar uma economia dependente quando esta não pode prescindir de capitais externos para crescer e desenvolver-se.  Ainda que se considere isso correto, é preciso considerar que, por outro lado, os donos destes capitais estrangeiros, para seguir sua saga de expansão e valorização do capital, dependem que nações como o Brasil abram suas economias para que alcancem seu objetivo. Portanto, estamos diante de uma conta de soma zero, demonstrando que não é uma relação de dependência que explica a interação entre as nações atualmente.

Adentramos à terceira década do séc. XXI em um mundo absolutamente globalizado, como consequência inevitável da tendência do capital a se expandir, se globalizar e abarcar todos os lugares do planeta. Diante das inúmeras inter-relações que esta realidade impõe às nações, o termo dependência se revela insuficiente, pois, ao fim e ao cabo, todos dependem de todos. Mas esta complexa realidade objetiva também significa que não há como uma nação fechar-se política e economicamente. O capital estrangeiro pode ser um importante, e em certas circunstâncias até mesmo um ator crucial, no processo de desenvolvimento econômico e tecnológico de uma nação. O que importa é como se dá a inserção internacional da nação: se de forma submissa politicamente e subordinada economicamente, ou de forma soberana, tanto politicamente quanto economicamente.

Todo Estado que preserva sua soberania para emitir a moeda de curso forçado em seu território, sempre possuirá um leque de opções para impulsionar o crescimento econômico. O capital estrangeiro pode atuar como ator de destaque em projetos de longo prazo, mas é falsa a premissa de que, somente através desse, os países em desenvolvimento podem pensar em crescimento continuado.

O Brasil e a China, inseridos neste contexto como faces opostas de uma mesma moeda, nos oferecem ricos subsídios para chegarmos até a essência da questão. Até 1980, eram economias equivalentes. A relação desses dois países com o capital externo não pode ser explicada pela dependência ou não dependência, pois como já vimos, todos dependem de todos. O que explica dois destinos tão distintos é a opção por se relacionar ou de forma subordinada ou de forma soberana em relação ao capital externo. O Brasil fez uma opção política por liberalizar integralmente a entrada de capital externo, sem nenhum plano estratégico, e com isso, subordina-se integralmente aos interesses deste capital, estabelecendo uma relação perde-ganha. Já a China, recebe este mesmo capital, porém sob condições determinadas pelo Estado chinês, levando em conta o interesse do capital mas mantendo o integral controle sobre o ingresso e canalizando para os projetos pré-existentes, ou seja, de forma soberana e não subordinada, sem prejuízo de uma relação ganha-ganha.

Eis portanto a disjuntiva principal através da qual devem ser caracterizadas as economias: economia subordinada ou economia soberana, e não dependente ou não dependente. E esta realidade é o reflexo da disjuntiva principal do séc. XXI: unipolaridade x multipolaridade. A submissão é imposta e aceita via coerção pelo império unipolar norte-americano. Ao passo que a multipolaridade liderada pela China tem como pressuposto uma relação de ganhos recíprocos e respeito à soberania das nações. A questão é: quem se submete e se subordina e quem mantém a soberania, e não quem depende de quem.

Continuando na análise do título do item 21 de nosso documento, podemos também examinar se o termo “modelo rentístico” é realmente o mais indicado para traduzir o que queremos dizer. Obviamente, isso nos remete à renda, ou a obtenção desta. Marx demonstrou que a obtenção de renda é inseparável do sistema capitalista: “…o capital rende, anualmente, lucro para o capitalista; o solo, renda fundiária para o proprietário da terra; e a força de trabalho – sob condições normais e enquanto se mantém como força de trabalho empregável –, salário para o trabalhador…portanto, três fontes de seus rendimentos específicos: o lucro, a renda fundiária e o salário” (O Capital, Livro III, cap. 48 – A Forma Trinitária).

Considerando que nosso Plano Emergencial situa-se no âmbito do capitalismo brasileiro atualmente, o entrave a ser superado precisa ser melhor definido no documento. O que precisa ser superado é um modelo econômico que privilegia os interesses dos detentores (nacionais e estrangeiros) de capital fictício, que é a base econômica do neoliberalismo.

Todo o arcabouço neoliberal em que está estruturada a economia brasileira, inviabiliza o eixo estruturante da Plataforma Emergencial de Reconstrução Nacional. A opção por subordinar a economia nacional aos interesses do capital fictício deprime a produção, inviabilizando o desenvolvimento; restringe o controle do Estado sobre a economia impedindo o investimento público; e o desemprego, o achatamento dos salários e o endividamento das famílias neutralizam o potencial do nosso mercado interno. Assim, o inimigo a ser combatido aqui são os que se beneficiam da reprodução fictícia de capital.

Por fim, o item 21 encerra afirmando que “…será empreendida a transição de uma economia financeirizada para uma economia produtiva”. Aqui também podemos ser mais precisos. As finanças, o sistema financeiro em geral, constituem parte fundante do sistema capitalista. O núcleo central do sistema financeiro é o crédito, e como já foi demonstrado por Marx: “…enquanto o modo capitalista de produção continuar a existir perdurará também, como uma de suas formas, o capital portador de juros, que de fato constitui a base de seu sistema de crédito”. O que determina o caráter da economia é o destino do crédito. Quando ele é direcionado à especulação, temos uma economia que privilegia o capital fictício; quando direciona à economia real, temos uma economia produtiva. Essa é a transição que o Brasil necessita.

 

*Membro da direção municipal do PCdoB em Porto Alegre-RS.