Por Inamara Mélo*

A afirmação da perspectiva revolucionária e do socialismo com feição brasileira deve marcar o centenário de lutas do PCdoB pela construção soberana do Brasil, com um programa generoso para o país. Isso implica em dar destaque à questão ambiental, pois não restam dúvidas quanto à importância desse tema para um projeto nacional de desenvolvimento e que a crise sistêmica do capitalismo guarda em si as dimensões social, ambiental e econômica que precisam ser enfrentadas.

Devemos apontar a possibilidade de o país vir a ser uma grande potência sustentável. Possuímos uma biodiversidade como nenhum outro, a maior reserva de água doce do planeta, terras férteis, matriz energética invejável, imensas reservas minerais e dimensão continental. Mas há que se defender uma agricultura que preserve as áreas de floresta, a biodiversidade, o modo de vida de populações tradicionais e povos indígenas. A produção de alimentos não precisa estar em contraposição à preservação da Amazônia. Ao contrário, o desmatamento da Amazônia é que coloca em risco a produção de alimentos e diversos setores da economia, pois tem impacto em outras regiões do país. São várias as notícias de que o desmatamento na Amazônia e a mudança climática agravam a crise hídrica, afetam hidrelétricas e encarecem a energia. Isso porque a Amazônia exerce um papel importante em fluxos de umidade que levam chuvas para o Centro-Oeste e Sudeste, num fenômeno chamado de rios voadores da Amazônia.

Precisamos de zoneamentos agroecológicos para que a conservação de espécies seja efetiva. Deve-se atenção à Mata Atlântica, considerada uma das áreas mais ricas em biodiversidade do mundo, mas que tem 90% de sua extensão original destruídos, o que faz desse bioma brasileiro o mais ameaçado. Da área original de 1,3 milhão km3, espalhados por 17 estados, restam apenas 12%.  A Mata Atlântica tem cerca de 20.000 espécies vegetais (35% das espécies existentes no Brasil), incluindo espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Essa riqueza é maior que a de alguns continentes. A América do Norte inteira conta com 17 mil espécies vegetais, e Europa, com 12,5 mil. Esse é um dos motivos que torna a Mata Atlântica prioritária para a biodiversidade mundial.

Ao lado da premissa de um socialismo em que a geração contemporânea não sacrifique o bem-estar das gerações futuras, devemos afirmar que é possível, mas apenas no socialismo, construir uma economia que maximize os ativos ambientais, reduza a emissão dos gases de efeito estufa, os riscos ambientais e a escassez ecológica, ao mesmo tempo em que promova igualdade social e bem-estar da humanidade,

Afinal, é na agenda da sustentabilidade que reside potencial para a inclusão social e para a geração de renda e empregos, em contraposição à atual política econômica, baseada nos princípios de liberalização, minimização do Estado e inserção subalterna da economia brasileira como exportadora de matérias-primas no cenário internacional.

O Partido deve propor o redirecionamento de políticas setoriais, com ênfase nas energias renováveis e no redimensionamento de projetos hidrelétricos para empreendimentos de menor impacto socioambiental, e tratar de investimentos públicos para a reconstrução da infraestrutura urbana a partir de soluções sustentáveis para moradia e serviços como transporte público, mobilidade, saneamento e disposição de resíduos.

Nas teses de nosso 15º Congresso, pontuaria ainda, entre as questões a serem escritas no programa do PCdoB, o compromisso explícito de produzir uma reação aos perigos climáticos, seja para diminuir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) na velocidade e alcance necessários, seja para adaptar os sistemas naturais ou humanos. É tarefa dos comunistas atuarem no enfrentamento à mudança do clima, apropriando-se de conhecimento para a inovação e boas práticas.

A mitigação foca na diminuição da emissão de gases do efeito estufa, em especial CO2, num debate que dialoga fortemente com as políticas urbanas. As cidades já reúnem mais da metade da população mundial e, até 2050, a expectativa é que mais de 7 bilhões de pessoas viverão nos centros urbanos, o que deve representar 69% da população mundial. No Brasil, 80% da população vivem nas cidades.

Há que tratar de um novo modelo de produção e consumo. Os países desenvolvidos não falam mais de uma economia de baixo carbono, mas de carbono neutro, na perspectiva de manter o aumento de temperatura em até 1,5°. Precisamos chegar a 2050 com zero de emissão de carbono. Para isso, será necessário dar um verdadeiro cavalo de pau na forma de vivermos e estarmos no mundo. Iniciativas defendidas pelo partido comunista em outros países, como em Portugal, propõem leis para proibir a obsolescência programada do sistema de produção capitalista, com vistas a tornar os produtos mais duráveis, reduzindo a utilização de recursos naturais.

Outra questão é a redução das vulnerabilidades socioambientais como caminho para o enfrentamento aos efeitos climáticos, com a promoção de medidas de adaptação. O que isso significa?  Diminuir a exposição das cidades aos eventos climáticos extremos e ter mais rigor no uso do solo. Isso exige novas práticas de urbanização das áreas suscetíveis à inundação, ênfase nas políticas habitacionais e controle do valor do solo nas áreas adequadas à ocupação, com atenção para a função social da propriedade, que deve ser subordinada aos interesses coletivos. Pontuo que o monopólio da propriedade representa um grande desafio para a gestão das cidades brasileiras. Mesmo em países capitalistas, é o Estado que detém o direito de definir os usos da terra, que não pode ser tratada como mercadoria.

A ação climática não é algo que possa ser deixado para depois. Para conter o aquecimento global, a ONU diz que é preciso assegurar 45% de fontes renováveis (a média global atual não passa de 13%) e reflorestar 12 milhões de hectares. A tarefa tanto é espinhosa quanto urgente. E é responsabilidade de todos – governos, partidos e organizações da sociedade – fomentar o debate sobre a agenda do clima e dos ODS- Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no cotidiano das pessoas. Isso é falar de futuro e de reformas para democratizar o Estado brasileiro.

 

*Jornalista. Vice-presidente municipal do PCdoB Recife e Secretária Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado de PE.