Por Lígia Maria Ávila Chiarelli (Biloca)*

Esse texto se propõe a dar continuidade ao debate, iniciado durante a 3ª Conferência Nacional do PCdoB sobre a Emancipação das Mulheres[1], referente ao item Política de quadros em consonância com um período de resistência.

Organismos internacionais de defesa de direitos das mulheres vêm destacando o efeito devastador da pandemia sobre as mulheres. Os primeiros resultados da propagação do vírus se fizeram sentir nas perdas humanas e nas sequelas provenientes da doença, afetando tanto homens como mulheres. Mas, para além do impacto da pandemia sobre a população em geral, no Brasil, ocorreu uma mistura de diversos ingredientes que potencializaram essa devastação. Como evidenciado no documento nacional, o Brasil contabiliza 45% dos lares chefiados por mulheres, sendo 40% da força de trabalho ativa. Por um lado, as mulheres já sofriam as consequências da Reforma Trabalhista (Lei 13.467) e medidas antissindicais, que atuavam no sentido de enfraquecer sua resistência, desde 2017. Somado a isso, o governo atual abandonou políticas públicas para mulheres, suspendeu recursos orçamentários e deixou de repassá-los aos Estados e Municípios. Na vigência do governo negacionista, essa ausência do Estado, criminosa, resultou na falta de políticas públicas que mitigassem os efeitos da pandemia sobre as mulheres.

A ex-diretora executiva da ONU-Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, evidencia que nenhuma pandemia é neutra em termos de gênero, esclarecendo que as mulheres experimentaram o impacto de forma desproporcional[2]. A sul africana destaca a falta de acesso digital e o avanço da situação de pobreza extrema entre as mulheres[3]. Também se refere a perda de empregos, principalmente em profissões tipicamente femininas e a violência que se abateu pelo confinamento em função do distanciamento social e aumento da intolerância dos homens no âmbito doméstico. No Brasil, a situação não foi diferente, sendo que o descaso e o negacionismo influenciaram no aumento do desemprego e violência, agravados pela precarização das condições de trabalho já mencionada e o acúmulo de tarefas e responsabilidades assumidas em função das diversas medidas impostas pela pandemia.

Essa violência, no entanto, assumiu contornos mais sutis, pois, diferente do passado, em que as mulheres vivenciavam a dupla e até tripla jornada de trabalho (tarefas domésticas, cuidado dos filhos – ou de idosos – e trabalho remunerado), em turnos distintos, não sobrando tempo para o lazer e a participação política, com a pandemia, esse quadro se agravou exponencialmente. Hoje, essas jornadas se fundiram, ocorrendo muitas vezes dentro do mesmo espaço/ao mesmo tempo, gerando dores, stress, depressão e colocando a mulher na condição de sentir como se sempre estivesse devendo algo, para alguém (quem, minhas camaradas, ainda não passou por isso?).

Como é possível atender os filhotes ao mesmo tempo em que participa de uma importante reunião on line? Como acolher os adolescentes, entediados também, pensando na limpeza dos produtos que chegaram do mercado? Como reorganizar o funcionamento da casa, pensando no cuidado de um paciente com covid? Como manter a saúde mental, quando tudo ao redor parece ruir?

Na verdade, a pandemia inaugurou um conjunto de novas tarefas de cuidado que passaram natural e silenciosamente, a ser contabilizadas como responsabilidade das mulheres. As palavras grifadas acima, se referem a manutenção estereotipada dos papeis de gênero, que cobram da mulher a fachada de dona de casa exemplar, eficiente e sorridente, mãe dedicada, funcionária modelo, que deve se orgulhar em desempenhar multitarefas.

O quadro descrito, portanto, identifica o efeito devastador da pandemia sobre as mulheres, evidenciando que elas experimentaram consequências de forma desproporcional. Particularmente, no Brasil, além dessas condições, tivemos um tratamento desastroso da epidemia, com retrocessos na vida democrática e em nossa soberania. Ao mesmo tempo, vão se alastrando as manifestações governamentais fortalecendo a propagação do papel conservador e a “vocação natural” das mulheres para serem esposas e mães, que, não por acaso, contribuem para naturalizar as tarefas de atenção à família, reforçando o papel das mulheres como cuidadoras.

Portanto, essa nova situação não permite tratar a política de quadros para as mulheres da mesma forma que antes da pandemia. Não basta pensarmos numa política para o tempo de resistência, essa política se desenvolve em um momento particular, em que as mulheres sofrem esse efeito devastador, desproporcional, desastroso e em que se cobra delas, novas tarefas de cuidado extenuantes. As mulheres estão cansadas.  Nossas militantes não são diferentes, estão sobrecarregadas, abraçam o mundo e nem sempre conseguem dar conta de suas tarefas.

O Partido do tamanho de suas ideias avançadas e generosas com o povo, precisa atualizar sua política de quadros para as mulheres considerando esses novos tempos, principalmente porque as condições de vida decorrentes da pandemia, estão longe de ser superadas. Muitas das práticas no período pandêmico serão incorporadas vida das trabalhadoras, sem que se resolva os problemas de acúmulo de tarefas.

Precisamos sim, conhecer e localizar nossas mulheres na estrutura partidária e traçar um plano de avaliar o potencial de militância[4]. Mas precisamos refletir se não estamos exigindo de nossas militantes o que a sociedade nos impõe: sermos multitarefas e estarmos presentes em todas as frentes. A formação de nossas mulheres deve contribuir para que possamos selecionar quais as tarefas politicamente mais importantes, evitando de ficarmos mobilizadas pelas pautas definidas por outras forças do movimento feminista. Situar os quadros em seus melhores papéis, além de definir prioridades no enfrentamento desses desafios[5], para mim significa que é preciso discutir quais as tarefas prioritárias de nossas militantes, concentrando naquelas que, no momento, contribuem para levar a frente o projeto de frente ampla para derrotar a extrema-direita e a construção de nosso projeto eleitoral de 2022. Nesse momento, em que se organiza o Congresso da UBM, se percebe cada vez mais que as mulheres querem efetivamente participar. Cabe ao nosso partido, se debruçar para conhecer melhor essa realidade e entender esse momento, viabilizando as condições de militância para as mulheres continuarem a contribuir para transformação social.

[1] O evento, realizado em março de 2021, reuniu exitosamente 650 militantes e apoiadores virtualmente, envolvendo mais de 3 mil pessoas. Além do debate acerca do feminismo popular, sobre a visão emancipacionista e a luta pela igualdade no contexto da crise atual, gerada pelo Bolsonarismo e a pandemia, o documento abordou a política de quadros para as mulheres do PCdoB.

[2] http://www.mulheres.ba.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=3063.

[3] https://www.onumulheres.org.br/noticias/declaracao-de-phumzile-mlambo-ngcuka-diretora-executiva-da-onu-mulheres-no-dia-internacional-das-mulheres-de-2021/

[4] 3ª Conferência Nacional do PCdoB sobre a Emancipação das Mulheres do PCdoB.  Mais democracia, mais mulheres na política.  X – POLÍTICA DE QUADROS PARA AS MULHERES DO PCDOB E UMA ATENÇÃO ESPECIAL, DESCENTRALIZADA, À FORMAÇÃO. Disponível em https://pcdob.org.br/documentos/resolucao-da-3a-cnem-mais-democracia-mais-mulher-na-politica/

[5]   Projeto de Resolução ao 15º Congresso do Partido Comunista do Brasil. Disponível em https://pcdob.org.br/documentos/projeto-de-resolucao-ao-15o-congresso-do-partido-comunista-do-brasil/

 

*Secretária na Direção Municipal do PCdoB em Pelotas/RS. Membro da coordenação da União Brasileira de Mulheres (UBM), em Pelotas e da Direção Estadual da UBM/RS.