Ministro do STF não pode ser “terrivelmente” evangélico ou neoliberal
Por Lílian Monks Duarte de Vargas*
É na Constituição que se estabelecem os limites políticos do STF em uma configuração que se pretende equilibrada e harmônica entre os três poderes da República. Ao contrário do Executivo e do Legislativo, que se legitimam pelo voto popular, a legitimidade do Judiciário advém diretamente da norma constitucional, algo que suscita o debate sobre um “déficit de legitimação” que, tendencialmente, o levaria a um protagonismo ativista que ameaçaria invadir a esfera de competência dos outros poderes.
Situada a questão em termos tão vagos, propícios a todo tipo de argumentação oportunista, pouco se esclarece a respeito do devido papel do Judiciário no desenho institucional do Estado brasileiro. Pois, por sua própria origem e natureza, o Judiciário embasa sua legitimidade democrática no campo da “representação argumentativa” (Robert Alexy), o que faz com que a busca por um discurso coerente e que busque convencer a sociedade do acerto de suas decisões seja, antes de tudo, um dever do Judiciário. Ademais, a afirmação do Judiciário como poder é imprescindível para a equilíbrio das instituições republicanas, ainda mais quando se pensa no crucial papel contramajoritário que a ele se reserva em qualquer democracia.
Assim, parece inevitável que a existência de conflitos de competência entre o Judiciário e os demais poderes não deveria surpreender, já que faz parte do próprio jogo político-institucional inerente aos Estados democráticos.
Mas, a questão torna-se extremamente atual e grave a partir de decisões altamente controvertidas do Supremo Tribunal Federal em que, aparentemente, parece não deixar espaço para os demais poderes, deixando de praticar uma autocontenção que poderia esperar de um poder que se pretende se legitimar como a “última palavra” no jogo democrático.
Se assim é na Constituição que se fundamenta a legitimidade da atuação do Poder Judiciário, quais as balizas para um ativismo, até certo ponto inevitável e característico de uma sociedade de massas que, cada vez, acorre ao Judiciário em busca da efetivação de seus direitos?
A melhor resposta parece ser a do ex-Ministro do STF Carlos Ayres Britto para quem “se os Três Poderes se contiverem, harmonia virá naturalmente”. Essa contenção nada mais será do que o apego ao texto constitucional na busca de uma resposta adequada, no mais forte sentido de uma “resistência hermenêutica” (Lenio Streck) que se afaste da discricionariedade/arbitrariedade das decisões judiciais.
Por esta linha argumentativa, não parece razoável uma decisão do STF que praticamente desconheça a existência da norma constitucional, como no conhecido caso em que a Constituição determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” foi arbitrariamente interpretado em sentido exatamente oposto à literalidade do texto legal.
Em outro caso, em processos trabalhistas, razões de decidir que importam conceitos do direito econômico americano alheios e incompatíveis com o valor social do trabalho, fundamento da República brasileira, são trazidos por ministros do STF (especialmente os Ministros Barroso e Fux) sem demonstração de pejo ou justificações argumentativas.
Ante a aparente falta absoluta de “constrangimento epistemológico” do STF parece necessário que se questione: sendo os ministros do STF os “guardiões da Constituição”, quem a defenderá quando a ameaça vem dos próprios guardiões?
Talvez uma saída para este beco institucional possa ser uma PEC apresentada em 2009 pelo então deputado federal Flávio Dino (PEC 342/09), pela qual os Ministros do STF teriam mandato de onze anos, sendo vedada a recondução ou o exercício de novo mandato.
O mandato dos ministros do Supremo Tribunal Federal será de 11 anos, sendo vedada a recondução ou o exercício de novo mandato.
*Base dos Advogados – Porto Alegre-RS.