Publicada originalmente em 29/06/2003.

Trecho da Resolução da 9ª Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil, realizado em Brasília, entre os dias 27 e 29 de junho de 2003.

(…)

Um novo ciclo de acumulação estratégica para o PCdoB. O fortalecimento do PCdoB se coloca como condição primordial para tornar vitorioso esse curso político. Na fase de luta que se inaugura abrem-se novas potencialidades para o crescimento e estruturação do PCdoB. O resultado eleitoral demonstrou elevação da consciência política do povo, propiciando ambiente muito mais favorável para isso.

O PCdoB conquistou expressiva vitória, com 9,3 milhões de votos para seus candidatos, cumprindo no essencial os objetivos eleitorais traçados no 10º Congresso. Aumentou seu prestígio e presença na luta política e social. Vive uma experiência inédita nestes 81 anos de existência, participando do governo central, o que coroa todo um período de lutas que vem desde a ditadura, tendo atravessado 18 anos de legalidade. Encara as novas exigências como um impulso renovador para as suas tarefas, funções e feições, um grato desafio para a militância.

Abre-se, portanto, uma mudança de fase, nova etapa na acumulação de forças do Partido, que aponta para a renovação de linhas de trabalho em sua estruturação. Estão em jogo a velocidade e profundidade com que seremos capazes de responder à nova dinâmica política e social no país e de perseguir o reforço do instrumento estratégico para a luta transformadora, que é o Partido Comunista. Sabemos que o Partido atua em determinado ritmo e com as linhas anteriores. Para alterá-las, é preciso construir convicção nas fileiras partidárias e se fazem essenciais ações indutoras por parte das direções, que insiram na dinâmica do partido esses novos desafios.

Tal fortalecimento é uma exigência do papel estratégico que estamos chamados a cumprir. Invoca a questão de um novo processo de acumulação de forças para a construção da hegemonia política e ideológica no movimento transformador, nas condições concretas em que ele se desenvolve na atualidade, sintetizada na orientação política traçada.

Isso exige pôr em relevo o nosso projeto político próprio; coloca-nos a urgência de elevar o trabalho na esfera ideológica; e, por fim, nos exige superar condicionamentos que limitam o crescimento de nossas fileiras militantes. Nas novas condições em que atuamos, portanto, devemos deslindar os elos que articulam, em outro patamar e em novas condições, os componentes políticos, ideológicos e organizativos na estruturação partidária.

A construção partidária e seu projeto político. O centro desse novo impulso de fortalecimento, que preside a construção partidária no novo quadro, é a luta por tornar vitoriosa a orientação política traçada. Ela tem por objetivo o êxito do governo Lula na condução do processo das mudanças de caráter democrático, nacional-desenvolvimentista.

Para isso, essencialmente, precisamos desenvolver maior protagonismo na atuação política e social. O PCdoB, em todos os escalões, precisa agir com mais descortino, fazer com que seu coletivo se aproprie da orientação política e lhe confira dimensão de massa mais ampla.

Além disso, essa orientação precisa assumir caráter propositivo, e influenciar realmente os rumos do governo e do Estado. O Partido é um instrumento de ação política, não um fim em si mesmo. Precisa falar mais largamente para a sociedade e abordar, no movimento real, seu projeto próprio com maior visibilidade, diferenciá-lo política, eleitoral e ideologicamente na sociedade. Está estabelecido, assim, um período de grandes exigências para os comunistas, no sentido de elaboração em todos os campos.

Esse desenvolvimento é indissociável da maior atenção à luta de idéias. A busca de alternativa precisa estar assentada num amplo movimento de idéias avançadas. Decididamente, precisamos colocar a luta de idéias em outro patamar de preocupações e ações.

A sociedade brasileira, para superar o legado neoliberal, vai conhecer intenso debate sobre as saídas e perspectivas. O que está em curso no país motiva reelaborações teóricas de alguma envergadura no que concerne ao projeto para o Brasil.

Vamos necessitar de grande energia para esse esforço, aproximar o PCdoB de parcela significativa dos que pensam estrategicamente o Brasil e os desafios de sua transformação, para polarizar a sociedade e infundir maior confiança nos rumos da luta. Também no que se refere ao desenvolvimento de nosso pensamento tático nas novas condições, exige-se alimentar a elaboração política com esforço teórico, para um maior domínio da realidade concreta. O empenho teórico do Partido e a intensificação da formação teórica dos militantes são um componente indispensável para o fortalecimento de seu papel e força.

Na nova situação política devemos lutar, em especial, para mergulhar os comunistas nos movimentos sociais, adentrar na dinâmica da realidade profunda da situação dos trabalhadores e do povo, na inteira complexidade da sociedade brasileira. A militância precisa aumentar o protagonismo no movimento social real, construir uma agenda própria e renovada para o movimento de massas, em ligação com sua orientação política, como instrumento decisivo para impulsionar a estruturação partidária. Nossa orientação confere papel essencial à mobilização popular em apoio às mudanças que o país elegeu.

Esses movimentos viverão novos desenvolvimentos, em substituição à prolongada fase de resistência vivida nos anos 90.

Além disso, na atuação do movimento operário e de massas reside um aspecto fundante da natureza e caráter do Partido Comunista. Trata-se, enfim, de um elemento fundamental para a construção de uma hegemonia avançada das forças populares, em primeiro lugar dos trabalhadores — a base social que decide os destinos de nosso projeto político próprio. Somos críticos, e autocríticos, com relação à participação e às energias que empenhamos nessas frentes. Trata-se de esforço que precisa ser levado à esfera do pensamento e direção política. O PCdoB precisa lançar campanhas próprias e fazer mais ação de massas, de todos os tipos e magnitudes, como forma de expressão cotidiana do trabalho da militância e condição de sua visibilidade na sociedade. Deve recuperar essa característica tão marcante de nossa identidade no cotidiano da condição de militantes, resgatar o sentido que isso encerra de elevação da consciência e organização do povo e de pedagogia para o militante comunista.

O mergulho no movimento operário e social é fator indispensável da nova acumulação de forças do Partido, inclusive de seu incremento eleitoral. É a fonte principal de onde emanarão os novos contingentes militantes. Este desafio precisa urgentemente ser desdobrado em proposições e ações concretas que sinalizem as mudanças. Particularmente quanto ao movimento operário, fazem-se necessárias medidas extraordinárias para elaboração de planos e controles concentrados, inter-relacionando as diversas frentes de direção envolvidas. Com o sentido de uma expansão maior do pensamento avançado, socialista, emancipacionista, no movimento de massas avulta a necessidade do fortalecimento do trabalho junto à Corrente Sindical Classista (CSC), União da Juventude Socialista (UJS), e União Brasileira de Mulheres (UBM), e a frente de luta contra o racismo. Além disso, é necessária uma elaboração mais coletiva da nossa linha de atuação de massas na UNE, Ubes, CUT e Conam.

A presença dos comunistas em cargos e funções de governo significa uma nova dimensão de possibilidades na esfera política. Além do governo central, participamos de governos em mais de uma dezena de Estados e capitais, e de centenas de municípios. Essa participação alcança a mesma magnitude de cargos eletivos que o PCdoB detém. Nossa ação tem, nessa esfera, importante instrumento para a acumulação de forças. Entretanto, a presença em governos, por ser recente, não tem tido a mesma atenção da direção e não é sistematizada. Diferentemente de mandatos eletivos, que reforçam a voz independente dos comunistas, participações em governos são mandatadas pelos chefes de Executivos, o que faz com que os quadros que assumem essas funções tenham autonomia apenas relativa.

Por isso, tais participações precisam se acompanhar de um claro esforço político para não comprometer a identidade e independência partidária; e de íntima ligação entre essa participação e os nossos objetivos políticos. Trata-se, então, de formular projetos bem definidos para nortear essa participação em cada situação concreta, sujeitando-a ao controle político do Partido; particularmente, encontrar uma justa combinação e equilíbrio entre a atuação institucional e a luta social. Será necessário inovar na definição do trabalho de direção, constituindo secretaria própria para esse fim, a partir da direção nacional.

São esses, portanto, os impulsionadores da nova fase: maior protagonismo na luta política; mais intensa atuação na luta de idéias; mergulho nos movimentos sociais; e participação institucional. As potencialidades de nosso desenvolvimento estarão intimamente vinculadas aos rumos do governo Lula, e ao papel que cumpriremos — dentro e fora do governo — para seu êxito. Nossa orientação política precisa construir espaços próprios do Partido, ter marcas distintivas, perseguir seu fortalecimento, conferir-lhe base social mais ampla, impulsionar seu crescimento eleitoral.

Trata-se da independência política e ideológica dos comunistas, indispensável nas condições de participante do governo. Isto nos exige conferir maior visibilidade ao projeto dos comunistas, pois a afirmação partidária se dá em meio a ambiente de forte disputa, nos marcos de uma convivência prolongada com uma organização de tendência social-democrata, hegemônica política, cultural e socialmente entre os trabalhadores.

A nova tática precisa se desdobrar também em um projeto eleitoral para 2004 e 2006. O Partido tem sido demarcadamente uma força independente do ponto de vista político e ideológico. Forças mais clarividentes enxergam nele uma orientação de cunho mais avançado e um rico pensamento tático. Isto é um grande trunfo de nossa trajetória. Entretanto, a força estruturada dos comunistas condiciona a tática eleitoral e, nesse âmbito, depende muito das coligações. A diferenciação e visibilidade do PCdoB têm na tática eleitoral um fator saliente. Aos olhos de grande parte da população, o Partido é co-participante do consórcio eleitoral petista, reduzindo sua visibilidade política.

É necessário partir para um projeto eleitoral ampliado, incluindo candidaturas próprias do PCdoB aos executivos e legislativos municipais, e permitindo maior divulgação do próprio Partido. Eleições municipais são momento propício para lançar as bases dessa extensão, ao mesmo tempo em que devem ser vistas como um momento de consolidação do governo Lula e de seu projeto mudancista. Deve-se articular isso com o esforço para formular uma proposição concernente à reforma política, capaz de derrogar as cláusulas de barreira já estabelecidas.

Novas exigências na esfera ideológica para a estruturação partidária. O desenvolvimento partidário reclama maior atenção ao nosso trabalho de educação ideológica. O 10º Congresso afirmou que a base de nossa construção ideológica é a convicção revolucionária, aliada a uma política transformadora e à íntima ligação com o movimento real dos trabalhadores. Centrou o combate ao espontaneísmo quanto à sua construção.

Entretanto, nas condições de intensiva institucionalização da atividade política, crescem as pressões burocratizantes, tendentes ao rebaixamento estratégico do papel do Partido e ao comprometimento de sua independência. Precisamos reforçar nas fileiras comunistas o debate do projeto político do Partido e intensificar o cultivo de valores, traduzido em normas e atitudes de compromisso militante.

O enfraquecimento de órgãos de direção, o abarrotamento da pauta de trabalho com um sem número de questões do cotidiano de executivos e parlamentos, o desatamento da pressão dos anseios e carreiras expõem-nos à possibilidade de cooptação e à diminuição dos vínculos com a ação de massas. A baixa organicidade do trabalho militante na base, e até mesmo nos comitês, e o descompromisso com a sustentação material enfraquecem nossa luta. São fatores que precisam ser enfrentados com firmeza visando preservar o caráter revolucionário e classista do Partido.

Organizações revolucionárias marxistas não estiveram — e nem estão — imunes à burocratização; institucionalização; acomodação; conciliação de classes; e reprodução de preconceitos de raça e sexo. Seria pueril considerá-las à margem dos desenvolvimentos políticos concretos, tanto quanto desconsiderar as pressões reais — estas sim objetivamente inevitáveis — que se verificam nesse rumo, principalmente quando se intensifica a institucionalização do processo político.

Os comunistas precisam aprofundar os laços com o movimento real, em suas diversas variantes de causas, de formas de luta e organização. O Partido é o portador de um projeto político com o qual vai disputar corações e mentes desse amplo contingente social. Para isso, a construção partidária se assenta em seu projeto político, mas também em valores, a partir do próprio critério de militância, fator distintivo de um Partido transformador.

Os comunistas devem intensificar o cultivo da disciplina consciente, da crítica e autocrítica dos métodos e estilos de atuação entre as massas. Não aceitamos conviver com diferentes correntes no interior de nossas fileiras, nem com a formação de estruturas de poder internas à margem dos órgãos eletivos, a sobreposição de interesses de lideranças ao coletivo porque são questões que enfraquecem o projeto e a unidade partidária. Isso é, aliás, parte de nossa identidade, que buscamos valorizar politicamente no diálogo com a sociedade.

A esfera ideológica abarca, ainda, o próprio tema partido e sua indispensabilidade como polêmica central e aguda no atual debate teórico, ideológico e prático do movimento social. Há uma retomada da consciência crítica, patenteada em múltiplos movimentos, e uma infinidade de manifestações, formas de luta e organização, da qual o Fórum Social Mundial é a expressão mais visível.

Nele, a consigna de que “Um Outro Mundo é Possível” se opõe à globalização neoliberal e imperialista, e crescentemente se constrói uma consciência anticapitalista, dando margem a nova disposição de atuação por parte de amplos contingentes sociais em todo o mundo. Isso demonstra um espírito de luta, uma nova onda militante de variados matizes, formas e conteúdos. Nele, avulta a rejeição ao atual estado de coisas, sem, todavia, ter produzido uma estratégia de ação clara e unitária para a superação do capitalismo.

Destaca-se nesta questão a relação entre partido e movimentos sociais. As questões postas neste debate são a necessidade da luta pelo poder político, da conquista da força do Estado para impulsionar as mudanças necessárias; a centralidade do proletariado na luta anticapitalista; a possibilidade e a necessidade de superação do capitalismo.

O “movimento dos movimentos”, como estratégia, assenta-se na negação da centralidade e exigência de um partido político para a transformação social anticapitalista. Esses movimentos têm caráter setorial, parcializado, causas específicas. Ademais, a pregação em torno desses movimentos muitas vezes camufla a real intenção de erigir o próprio movimento em organização política, com normas e projetos próprios.

Esse embate nos confronta com o terceirismo — nem capitalismo, nem socialismo — no plano ideológico, e o possibilismo — reformar o capitalismo —, no plano político, marcantes ainda no cenário da luta social protagonizada pelos movimentos. Eles não alcançam cumprir o papel essencial da política: a disputa do poder de Estado que pode impulsionar nova forma de organização social. Contribuem, assim, para rebaixar o papel estratégico de um partido revolucionário e o próprio papel da política, como forma mais elevada da consciência social na formação de novos contingentes militantes.

É nesse quadro que se repõe a contenda da centralidade da questão partido, como instrumento articulador das exigências da luta anticapitalista, partido de vanguarda do proletariado, centro estratégico definidor da luta pelo poder político de Estado, indispensável ao processo transformador. Combatemos a crítica aos partidos revolucionários marxistas e a tendência por substituí-los pelos movimentos sociais. Estando em retomada a consciência crítica, mais que nunca se necessita de um instrumento político como o PCdoB, insubstituível para a luta por um projeto global de transformação social, que supere o sistema capitalista.

Não devemos retroceder aos primórdios da luta de classes, se já generalizamos a experiência histórica e erigimos uma teoria do partido revolucionário, que está em desenvolvimento permanente. Um partido de vanguarda do proletariado, marxista e transformador, de ação de massas, dotado de unidade de ação construída democraticamente, alimentado pela consciência, estruturado sobre os critérios de militância.

Partido para alcançar o poder político e empreender a transformação social no rumo do socialismo. Um novo impulso na vida do PCdoB demanda participar dessa confrontação enriquecedora de idéias e práticas, reafirmando o primado da exigência e centralidade de um Partido Comunista, marxista e leninista, de vanguarda, moderno. Isso nos exige, ao mesmo tempo, a compreensão dialética desses fatores, confrontando-os com a realidade contemporânea e as práticas e formas de consciência sociais.

No debate ideológico, o combate realizado aos partidos marxistas e leninistas se assenta, essencialmente, no estigma que se constituiu sobre essa concepção: organizações centralizadas burocraticamente, que sobrepõem a consciência ao movimento espontâneo, instrumentalizando os movimentos sociais e que põem a questão do poder de Estado como primária e anterior à práxis da transformação social.

Práticas deformadas da experiência socialista do século 20 e a constante propaganda anticomunista forneceram base para esse estigma. É indispensável, ao lado da reafirmação do primado do partido de tipo leninista, atualizar tais concepções, para superar limitações quanto à abordagem da realidade social de hoje, à ampliação do nosso diálogo com a sociedade e à interação com os movimentos sociais. Essencialmente, impõe-se o contínuo desenvolvimento do leninismo, rejeitando qualquer leitura mecanicista e reducionista de seu conteúdo, descondicionando os conceitos teóricos da experiência particular de determinados períodos históricos. Trata-se, então, de reafirmar de maneira atualizada essa concepção e refutar os estigmas.

É da compreensão dialética do leninismo que o movimento espontâneo é fonte indispensável da luta e alimentação da causa transformadora. O espontâneo é um momento primário do consciente; espontâneo e consciente se articulam necessariamente. O movimento espontâneo contra a exploração do capital só se desenvolve, e se afirma, articuladamente com um projeto político transformador viável — que exige a mediação consciente, vale dizer, da ciência social crítica.

Essa ciência é o marxismo — desenvolvida por Lênin —, notadamente quanto à teoria do partido revolucionário. O consciente não se sobrepõe mecanicamente ao espontâneo na prática da luta social — deve fundir-se com ele para dar-lhe qualidade nova. Um não nega o outro; filosoficamente, o consciente é a negação da negação do espontâneo, superação dialética.

Por isso, exigem-se mediações adequadas do partido revolucionário, visando construir sua hegemonia. Daí o papel pedagógico dos comunistas no seio dos movimentos, e dos movimentos para a experiência do militante comunista. Daí as exigências de profunda ligação com o movimento real e de um projeto político transformador viável. Os temas partidos e movimentos se imbricam dialeticamente; contradições entre eles existem, sem serem antagônicas. Ocorre unidade e luta na relação entre o Partido e as diversas formas de movimentos sociais da atualidade.

Burocratização acontece quando é negada essa dialética, a organização passa a ser um fim em si mesma, e se desliga do movimento real, das autoproclamadas aspirações e anseios da massa de trabalhadores e do povo, cumprindo um papel de vanguarda. O Partido é o portador de um projeto revolucionário; aspira infundir consciência ao movimento real dos trabalhadores e das massas, construir a hegemonia dos trabalhadores no processo transformador, conquistar o poder político de Estado para erigir um novo regime social.

O Partido defende a autonomia dos movimentos sociais, busca desenvolver seu caráter unitário em torno dos interesses fundamentais dos trabalhadores e do povo, esforça-se por politizá-lo no rumo da luta transformadora. Os comunistas, que desenvolvem a consciência da luta, buscam alimentar-se da prática desses movimentos e visam infundir-lhes, com mediações adequadas, o seu projeto transformador. É uma relação dialética de duas mãos, pedagógica e organizativa, prolongada e perseverante, principalmente nestes tempos de defensiva estratégica e de retomada da luta.

O objetivo essencial é elevar o grau de consciência e organização do povo e fortalecer as convicções militantes; vingar e fortalecer a luta pelo projeto transformador do Partido e sua maior estruturação orgânica. Isso é o que corresponde à experiência brasileira, na qual movimentos sociais contribuíram com a luta política, possuem raízes na sociedade e acumularam uma vasta relação com os partidos progressistas. Cabe ao nosso Partido impulsionar essa experiência, debater a ligação entre as bandeiras específicas desses movimentos e as questões da luta transformadora, costurando uma aliança com o objetivo de ampliar as lutas sociais e elevar o nível de consciência popular.

Ao lado disso, tem centralidade também neste debate a questão dos chamados sujeitos históricos fundamentais da transformação. Várias correntes negam abertamente o papel do proletariado, com base na fragmentação e na precarização reais criadas pela reestruturação produtiva capitalista e a ofensiva do pensamento único neoliberal. Temos afirmado que segue sendo central o papel histórico potencial do proletariado. É nele que reside, enquanto classe, a possibilidade histórica da transformação social rumo a um novo regime, socialista.

Entretanto, em meio a uma sociedade fragmentada e anômica, novas contradições emergem na vida social. Consciência transformadora se desenvolve em outros sujeitos participantes de causas variadas, expressa em movimentos de distintos matizes e formas. Isso não é negação do partido e do papel do proletariado; mas exige deles sensibilidades e mediações novas, para não se desligar do movimento real e para buscar repor a centralidade dos trabalhadores como base social essencial à vitória da causa transformadora. Exige, particularmente, um projeto político que reflita as aspirações e anseios dos trabalhadores, que o assuma como seu, em aliança com amplas massas populares, com a juventude e a intelectualidade avançadas. É a luta tenaz pela construção de uma hegemonia que possibilite retomar a onda transformadora.

O fortalecimento orgânico do PCdoB. O crescimento das fileiras do PCdoB deve ser levado a um patamar superior. A batalha pela legalização foi travada de modo muito prolongado, ao longo de quase dez anos, para se afirmar integralmente. Agora, nossas respostas precisam ser mais efetivas e rápidas. O Partido tem de ser massivo em sua força orgânica, com uma militância ampla, numerosa, extensa. Isto é o que atende às características de nossa sociedade, aos caminhos da luta transformadora e ao papel que precisa ser desempenhado por ele na atualidade. É parte da batalha pela construção da hegemonia. Propõe-nos novo estirão de crescimento partidário. As condições políticas do país permitem projetar esse salto.

O crescimento realizado nos últimos anos chegou a um teto provisório e há um claro movimento de entra-e-sai no contingente partidário. Falta organicidade às bases e a numerosos comitês intermediários e é muito reduzida nossa estrutura material e financeira. Ainda são insuficientes nossos esforços práticos relativos à construção do Partido na classe operária e entre os demais trabalhadores. São fenômenos que expressam a atual maturação de nossa corrente de pensamento e ação na sociedade brasileira. A hora é de ousadia para abrir nossas portas, aumentar o número de militantes, conquistar amplos contingentes de ativistas, fazer crescer a força dos comunistas no Brasil, sem perder de vista o papel do Partido enquanto vanguarda do proletariado, superar práticas estagnadas nesse terreno, estruturar mais larga e profundamente as organizações partidárias, conferir-lhes funcionamento mais permanente, principalmente nos grandes municípios do país.

O objetivo é aumentar o volume de nossa força militante. O PCdoB pode atrair numeroso contingente de pensadores e ativistas, que nele enxergam o portador de um rico pensamento sobre o Brasil e a transição ao socialismo, combinação ausente em qualquer outra formação política do país. Pode atrair também os que despertam para a luta social e política, encorajados pelo novo ciclo aberto no país. Muitos outros o buscarão como legenda honrada para ingressar na vida pública. Podemos polarizar parcela significativa das forças avançadas do país e atrair aderentes em estratos da intelectualidade, dos militares, dos trabalhadores do mundo da ciência, tecnologia e cultura, interessados em abrir caminho a um novo Brasil.

Isso se dará em meio a forte competição, principalmente com o PT, que aparece aos olhos da sociedade como partido da esquerda e que busca acentuar sua marca ligada aos trabalhadores. Situa-se aí uma disputa estratégica, de mais ou menos larga duração, que nos exige permanentemente um esforço ativo de vincar marca classista. Os eixos fundamentais do crescimento estabelecidos no 10º Congresso permanecem válidos: esforço prioritário junto aos trabalhadores, à juventude e à intelectualidade avançada, nos grandes centros do país, a partir dos maiores municípios em cada Estado.

As demandas políticas e ideológicas exigem superar gargalos organizativos. Aqui também se faz necessário retomar reflexões de fundo. Quanto mais se impõe uma indagação de um caminho próprio para a transformação social em nosso país, tanto mais deve maturar a resposta sobre a adequação do Partido e as formas organizativas que assume. Nossa experiência será original, sem cópia de modelos. Nós a vimos perseguindo desde o 8º Congresso, na análise crítica da experiência de construção do socialismo no século XX e nos ensinamentos dela extraídos, recusando os modelos únicos e fixos de socialismo e de organização. Afirmamos o caminho de construir um PC marxista-leninista, de princípios, e moderno.

Organizativamente, ele precisa se estruturar como um PC de massas. Isso nos exige dar mais passos e desobstruir caminhos. Subjetivamente, o Partido precisa se imaginar maior, descondicionar pensamentos que entravam a noção de uma organização política mais ampla e estruturada. Adequações organizativas são necessárias para atender essa necessidade.

Precisamos diversificar o perfil e o caráter da militância comunista. Estabelecer um diálogo mais aberto entre o Partido e a sociedade atual e suas relações de conflito. Vincar mais fortemente a corrente comunista no cenário político, social e cultural do país. Militância não deve ser supressão de inclinações e potencialidades pessoais. O militante é um cidadão, ou cidadã, com sua vida pessoal, familiar, profissional, acadêmica, subjetiva; seu papel social é enriquecedor da militância política. Ser militante é, mais precisamente, infundir os valores e o projeto do Partido à vida e luta sociais nas quais se atua, em quaisquer graus e níveis.

Visamos manter o valor central da opção militante: o compromisso de estar de acordo com o Programa e Estatutos, de cumprir as decisões tomadas coletiva e democraticamente, pertencer a uma das organizações partidárias e contribuir com a sustentação do Partido. Devemos debater como incorporar efetivamente cada militante nas decisões dos rumos coletivos, com os distintos níveis de envolvimento individual, e adequarmo-nos a esse mosaico militante, segundo o nosso projeto em cada situação concreta.

Em correlação a isso, devemos diversificar o perfil e o caráter de nossas Organizações de Base, de modo a refletir mais proximamente a complexidade da sociedade, suas relações de conflito social e as potencialidades da ação de cada militante. O 10º Congresso sistematiza algumas dessas características. Em nosso país continental, são muito variadas as experiências sociais. Infere-se que as organizações do Partido devem refletir pela base essas diversidades e exigências. São, ao lado do perfil e caráter da militância, matérias a serem estudadas e levadas ao 11º Congresso, com as eventuais adaptações estatutárias e regimentais que reclamem.

Ponto central da estruturação orgânica partidária, ainda na atual fase, é a consolidação de órgãos dirigentes, principalmente nos grandes municípios e Estados, no sentido de colocar o Partido à altura dos desafios do momento. Será fruto de uma nova acumulação de forças militantes, mas exigirá também romper com práticas limitadas características de outros tempos e outras exigências. O essencial é compreender que direções capazes e respeitadas são uma construção do coletivo e demonstração de consciência política avançada quanto ao caráter de nossa luta.

Exige-nos concepções, métodos e estilos adequados à extensão dos papéis, funções e feições de que o Partido precisa desenvolver. Direções partidárias devem ser colegiadas. Neste sentido, também as comissões auxiliares têm importante papel a cumprir, seja no reforço de nossos quadros, seja na elaboração e encaminhamento de nossa política. Nas condições atuais, é falsa a dicotomia entre dirigentes e lideranças públicas.

As lideranças partidárias não devem se sobrepor às direções, mas sim integrá-las, com iguais direitos e deveres entre todos. As funções e papéis dos dirigentes executivos precisam ser valorizados e adquirirem dimensão pública, tendo apoio de trabalho auxiliar, como é verificado na atividade parlamentar. É necessário fortalecer e respeitar a institucionalidade, aprimorando a democracia e a unidade da vida partidária. O centro de gravidade do trabalho de direção precisa ser levado aos plenos dos comitês e suas respectivas comissões políticas.

O trabalho das secretarias é indispensável, mas deve integrar, e não se sobrepor, ao processo de direção. Vamos instituir alternância formal nos cargos de direção, para superar práticas atrasadas de dirigentes quase vitalícios. Deve ser combatida a tendência a um papel excessivamente centralizador de um, ou poucos, dirigentes, na condição de “provedor geral”, que acaba conduzindo a um trabalho estreito, enfraquecido, acomodado, conciliador ou burocratizado.

São sobrevivências de noções estreitas de núcleos dirigentes, próprias de outro tempo, que muitas vezes estiolam a atividade. Ao mesmo tempo, não se pode admitir o outro extremo, que é a direção omissa, não cumprindo o seu papel, sendo necessária uma atenção especial aos critérios partidários quando da renovação das direções e promoção de quadros. Devemos revigorar a vida interna partidária, zelando pelo funcionamento desde a base, sobretudo entre os trabalhadores, construindo uma dinâmica institucionalizada, pondo os rumos do Partido efetivamente nas mãos do coletivo.

A política de quadros precisa ser atualizada, em sintonia com essas exigências. Quadros não são apenas os que atuam em tempo integral em atividades dirigentes. O Partido precisa de todos os quadros formados no seu pensamento, quer estejam à frente de atividades dirigentes executivas, quer estejam na ação parlamentar ou de governo, na vida científica, técnica ou profissional ou com outros condicionamentos. Particularmente nesta fase, ele precisa de uma infinidade de quadros técnicos, assessores, consultores. Por sua vez, tais quadros precisam encontrar as formas de integrar-se mais ao projeto partidário, para cumprir o papel de intelectuais orgânicos.

Exige-se largueza de visão de parte a parte para considerar o aporte que podem trazer. Assim, deve-se superar o falso antagonismo entre as exigências e a disposição, ou disponibilidade, dos quadros. Haverá quadros profissionalizados em tempo parcial, em tempo determinado, quadros semiprofissionalizados e quadros não profissionalizados, também indispensáveis. Isso exige a mediação de projetos políticos concretos — para cada caso — numa orquestração de esforços por alcançar o objetivo dos comunistas em cada situação, dinamicamente definida. Tais quadros precisam ser trazidos à esfera dos comitês dirigentes, visando intensificar essa relação dialética.

De outra parte, os quadros dedicados integralmente ao trabalho partidário, os funcionários revolucionários, seguem sendo indispensáveis. Mas eles também precisam ter condições para renovar sua formação, atuar mais intensamente nos seus papéis sociais. A política de profissionalização precisa ser reequacionada, de modo a conferir horizontes mais estáveis — material e politicamente —, à atividade desses quadros e, também, a produzir definição mais demarcada de condições de tempo e projeto nessas situações, possibilitando alternância na atribuição desses papéis de profissionais.

A situação reclama desenvolver as bases de sustentação material do Partido. O sistema de contribuição militante deve assumir um caráter marcadamente político: vincular direitos militantes ao cumprimento do dever de sua contribuição ao Partido. Essa é uma batalha prolongada, pedagógica e ideológica, feita por etapas, essencialmente política: convocar a militância a definir e realizar o projeto partidário. Não se vencerá essa batalha sem persistência das instâncias dirigentes, e sem reforçar a organicidade pela base.

É um dos maiores fatores de atraso na vida partidária, que expressa o grau de maturidade de nossa corrente de pensamento e ação, e que condiciona o desenvolvimento de nosso papel no cenário político. Ao lado disso, é também de ordem política o desafio de pôr a questão da sustentação material em primeiro plano de nossas atividades dirigentes.

Sustentação material é fruto de nossa ação política, das amplas bases sociais mobilizadas por nossa orientação na presente luta que travamos. Precisa ser alvo de esforços especializados, concentrados e cotidianos, buscando viabilizar projetos do Partido, realisticamente definidos. Essa é uma das principais deficiências de nossas atividades dirigentes e da atividade de nossas lideranças. Expressa uma visão idealizada e espontaneísta da luta em que estamos envolvidos. É possível e necessário equacionar o problema material de nossa atividade sem abrir mão de nossos princípios e valores. É preciso debater em todas as instâncias partidárias a questão das finanças.

Na esfera da comunicação, devemos promover a mais ampla democratização das informações partidárias, bem como a divulgação, para milhões, das idéias e bandeiras de nosso projeto. O caminho é fortalecer um sistema nacional de comunicação que tem seu instrumento mais dinâmico no Portal do PCdoB; porém, requer também o relançamento d’A Classe Operária, órgão central do PCdoB, com um projeto jornalístico de vanguarda, formador de consciências, orientador do Partido e das massas, com os recursos, periodicidade — num primeiro momento passando de mensal para quinzenal — e um sistema de distribuição compatível com este caráter.

Compreende também a combinação de iniciativas regionais de agitação e propaganda e as cadeias nacionais e estaduais de rádio e TV, aí incluindo campanha nacional de filiação e campanhas publicitárias; o fortalecimento da revista teórica Princípios; e a utilização de outros instrumentos ligados a nosso trabalho parlamentar, institucional, de massas e outros. O Partido, amparado em pesquisas sobre a sua imagem, precisa falar mais com a sociedade.

O PCdoB tomará iniciativas no sentido de desenvolver práticas comuns e criar espaços de debate político e ideológico, num espírito de unidade e camaradagem, com os integrantes do PC Brasileiro. A divisão em duas legendas na década de 60 do século passado é fato que pertence à história do movimento comunista brasileiro. As razões que a motivaram radicam nas irrepetíveis circunstâncias que condicionaram o movimento comunista mundial e a vida interna do Partido Comunista no Brasil na segunda metade do século passado. Estamos convencidos de que esses entendimentos e essa aproximação conduzirão ao fortalecimento do movimento revolucionário em nosso país.

Os planos de estruturação partidária são a tática atual para abordar a questão do fortalecimento do Partido. Tais planos tinham duas dimensões: 1) superar as defasagens verificadas nas esferas ideológica e organizativa; e 2) superar o espontaneísmo na sua construção, erigindo o planejamento como mote.

Na prática, são cinco anos de esforços. Permanece, com força, a dimensão “plano” e enfraqueceu-se a dimensão “superação das defasagens”. Isso confere às discussões sobre o PEP um caráter administrativista e até burocrático, distanciado de seu papel essencial. Para a etapa imediata, em curso, a centralidade está no papel político e crescimento militante do PCdoB, sobretudo entre os trabalhadores e o povo, consolidando comitês nos maiores municípios, mais uma vez colocando o vetor político no centro de sua aplicação.

Devemos retomar e acelerar os planos formulados no IV PEP em cada Estado. Entretanto, em razão das novas condições, cabe à direção nacional impulsionar a nova potencialidade que se abre para o seu desenvolvimento.

É na sua capacidade realizadora que reside o principal do novo estirão a perseguir na atividade partidária. Neste sentido, são objetivos imediatos: estruturar a Escola Nacional; lançar o papel do Instituto Maurício Grabois (IMG) como instrumento da luta de idéias; dar novo impulso ao Portal e relançar A Classe Operária quinzenal; organizar campanha pela sede própria nacional; realizar pesquisa nacional sobre o Partido; instituir novo sistema nacional informatizado que permita o recadastramento geral da militância; e modernizar o gerenciamento partidário, instituindo técnicas de planejamento estratégico.

O centro da atual etapa, cumprindo o final do IV PEP, é a realização exitosa desta Conferência Nacional, envolvendo o conjunto da militância na definição dos rumos do Partido. No curso de seus debates, devemos dar um balanço crítico nos desempenhos desses planos ao longo dos últimos 5 anos, e decidir as bases, oportunidade e formas que pode assumir um novo Plano, a ser formulado no âmbito das Conferências Ordinárias Estaduais deste ano.

O PCdoB chegou ao seu 81º ano de existência, e 41º de reorganização tendo alcançado vitória expressiva na consecução dos objetivos traçados em seu último Congresso. Nesta fase, o Partido precisa ser ainda mais ativo na luta política e teórica, bem como na luta social. Quer, por isso, se defrontar com a necessidade de ser um partido mais forte e estruturado, com uma musculatura mais desenvolvida, que se expressa numa militância mais numerosa, bases mais extensas, comitês mais estruturados pelo país adentro. São os desafios da atual etapa. Precisamos estar à altura de vencê-los.

Trecho da Resolução da 9ª Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil, realizado em Brasília, entre os dias 27 e 29 de junho de 2003.