Governar pelos quadros: o desafio da construção partidária
Publicado originalmente em 28/04/2009
No artigo anterior, tratei da importância de mobilizar a inteligência partidária, entre a qual os quadros mais diretamente atuantes na luta de ideias, para o debate congressual. Isso é parte de um esforço maior, de grande importância no 12º Congresso, que é o tema de uma política de quadros atualizada.
Por Walter Sorrentino*
Esse debate trará uma importante renovação. Na verdade, complementa os esforços das últimas décadas, para tornar consentânea ao presente a forma-partido, especificamente o Partido Comunista como organização política classista dos trabalhadores de luta pelo socialismo.
Cada época ou tempo histórico coloca seus próprios desafios para a organização política dos comunistas. Essencialmente, a forma-partido é moldada pelo pensamento estratégico a serviço do qual se põe. Nesse terreno, como em qualquer outro da vida social, nada é a-histórico. Não só a prática, como também a teoria de partido, carece de desenvolvimento. Esses assuntos já foram bastante tratados entre nós, embora seja de referir ainda a insuficiência com que o tema vem sendo tratado pela esquerda brasileira e da grande luta prática por tornar isso realidade no PCdoB.
É notório que o PCdoB está desenvolvendo seu pensamento programático e estratégico, para o tempo e condições presentes. A luta por um regime de transição ao socialismo, no seio da luta por um projeto nacional de desenvolvimento soberano, com democratização social e política do país, elevando o padrão de vida de todo o povo com avanços civilizacionais, é a marca dos desafios presentes. O partido está a serviço dessa luta, organiza-se para ela. Visa acumular forças mediante a participação na esfera política, do movimento social e das ideias, combinando as bandeiras de luta da afirmação nacional, avanços democráticos e direitos sociais com esse fim.
As formas, funções e feições que assume o partido são moldados pelas exigências dos caminhos para essa luta. Vale dizer: para construir hegemonia das forças sociais e políticas avançadas, no rumo de transformações mais profundas da estrutura econômica, social e política do país. Então, a estrutura mais íntima do partido precisa refletir essas exigências, nos marcos das características das classes sociais do país em suas relações e conflitos, da natureza do sistema político-eleitoral vigente, das tradições enraizadas de nosso povo. Isso difere de aplicar um pretenso receituário fixo, calcado nas experiências do século 20, de outro molde estratégico, em que pese a universalidade dos temas da teoria leninista de partido.
Pois bem, a estrutura mais íntima do partido comunista são seus quadros, sua estrutura de quadros. Isso decorre da natureza da missão histórica para a qual se organiza o partido comunista. Nos quadros devem residir concentradamente as qualidades de compromisso militante alicerçado numa disciplina livre e consciente, uma formação teórica e ideológica que os capacite a discernir de mote próprio os fenômenos na perspectiva do projeto estratégico do partido, qualificação no seu âmbito de atuação social, política, cultural, destacando-se como servidores dos trabalhadores, do povo e da nação.
A questão que se coloca, a partir daí, é como formar a atual e futura geração de quadros dirigentes do partido comunista. Podemos, por acaso, reproduzir a maneira pela qual se formou a atual geração – em meio a tantas vicissitudes da ditadura, da crise do socialismo, da ofensiva neoliberal? Se não, em aspectos essenciais, então como deverá ser formada? A resposta a essa questão é precisamente o debate a ser travado entre os temas do 12º Congresso.
Uma política de quadros atualizada é hoje a chave dos desafios da construção partidária. Falamos de um partido de mais de 230 mil filiados, com cerca de dois mil comitês municipais, uma infinidade de formas de atuação em todos os aspectos da vida política, cultural e social do país. Como assegurar a governança de um partido assim, que não quer se perder no corporativismo estreito, no pragmatismo estéril, no dogmatismo tosco, no voluntarismo primário? A experiência nesse sentido é inequívoca: governa-se o partido por intermédio dos quadros, da estrutura de quadros. Eles são o principal tesouro a cultivar – sua consciência, convicção, motivação e disciplina são os garantidores do caráter revolucionário do PCdoB.
Em verdade, a essência da política de construção e organização do partido comunista reside na política de quadros. Esse é o aspecto central de que deverão se ocupar as secretarias de organização e, desde já, serão implementadas nacionalmente medidas renovadas aproveitando o esforço do congresso, o que será discutido no Encontro Nacional de maio próximo.
Política tem focos, tem objetivos. No caso da política de quadros, uma dimensão inescapável é formar a futura geração dirigente do partido para os próximos dez ou quinze anos. Outro aspecto, que tem a ver com o centro da atual linha de estruturação, é formar em vasta medida quadros intermediários que assegurem a ligação dos militantes entre si, entre eles e o povo, e entre as bases partidárias e os órgãos dirigentes – os quadros intermediários são o elo essencial para isso. Também é de se considerar – tendo em vista o tema do artigo anterior – avançar sobremaneira na organização da intervenção partidária na luta de ideias, para o que é necessário ter o foco em articular os esforços de todos os quadros e, particularmente, os mais diretamente atuantes na luta de ideias, o que traz exigências específicas e diferenciadas. E finalmente, tratar de normatizar de forma mais definida o papel dos quadros que atuam na vida institucional, nos marcos do Estado vigente.
O signo geral a perseguir é o de permanente renovação na estrutura de quadros, como metabolismo essencial refletindo a vida social, política e cultural e a expansão partidária; a sua crescente qualificação; a sua maior representatividade social; a especialização nos diversos âmbitos do saber e do labor partidário. Busca-se que sejam pessoas bem formadas na vida pessoal e profissional, influentes na sociedade e, consequentemente, na vida interna do partido. Para isso – o que é muito importante – precisamos de uma visão alargada dos quadros. Eles não são apenas os das instâncias dirigentes de partido, mas uma infinidade deles atuantes nas mais diversas condições no labor e na estrutura partidária. O Estatuto vigente fez um promissor avanço nessa direção, ao definir a condição de quadro partidário num processo em fluxo constante.
Será necessário maior estímulo à renovação dos quadros – isso foi muito avançado no último congresso, particularmente para jovens, trabalhadores e mulheres – bem como introduzir a importante questão da alternância das funções dirigentes no partido. Trata-se de conferir maior afluência ao processo de construção dos órgãos partidários, condição essencial para dar vazão ao grande número de novos quadros que vêm ao partido. Sem isso, o crescimento do partido poderá ser subjetivamente travado, por concepções que não estejam à altura do atual ritmo de expansão.
Percebe-se então como esse debate pode ser mobilizador e motivador da militância. É preciso tratar com rigor e carinho da construção partidária, e a política de quadros é a essência disso. Enfim, é condição mesmo das feições modernas, avançadas e de princípio que deve nortear um partido comunista voltado para o presente, mas que não renega seu passado. É preciso, portanto cuidar de conhecer sistematicamente os quadros, formá-los teórica e ideologicamente, promovê-los em responsabilidades e alocá-los em funções à altura de seus atributos, avaliá-los e controlar seus desempenhos de forma participativa, leal e institucionalizada. Pode-se compreender que, se o partido assim age com seus quadros, induz também a que eles adotem atitudes de compromisso com o partido e o projeto político, esforcem-se em auto-organizar-se e zelem pelos valores do partido e pela construção partidária em todos os terrenos.
Sendo assim, poder-se-á iniciar desde já com projetos implementadores da política de quadros. Introduzir aprimoramentos no processo de avaliação e construção das direções no 12º Congresso, como a auto-avaliação, o recolhimento de candidaturas indicativas aos órgãos eletivos, o tratamento judicioso dos quadros da juventude, trabalhadores e, particularmente, mulheres, que precisam ser promovidos a funções partidárias em maior escala. Por isso, a construção das futuras direções é um processo que começa desde já. Ligado à construção do projeto 2010 – e em íntima ligação com isso, pois que as direções a serem eleitas dirigirão a disputa de 2010 – a direção nacional já tratará, bilateralmente com cada direção estadual, a perspectiva para esse processo.
* Walter Sorrentino, médico, é secretário nacional de organização do PCdoB