Publicado originalmente em 03/12/2007

Esta coluna propõe um debate. Trata-se de antigo tema, que agora precisa ser revisitado em função da escala alcançada pelo PCdoB. Relaciona-se aos desafios da estruturação partidária em sua dimensão orgânica ao nível das bases. Espera-se que o artigo possa motivar contribuições e debates, críticas e sugestões, a serem enviadas ao endereço eletrônico [email protected].


Por Walter Sorrentino*


Liames com a militância são essenciais

O PCdoB vem elaborando um pensamento estratégico, partindo da constatação de que se vive uma singularidade marcante: a de um tempo de resistência e acumulação estratégica de forças, buscando abrir caminho a mudanças mais profundas na vida do país articulando a luta política com forte dimensão eleitoral-institucional, com a luta social e a luta de idéias.

A construção de uma organização política transformadora nessas condições tem também uma dimensão orgânica singular: como constituir de ampla extensão de fileiras
militantes, apoiado em sólida estrutura de quadros, unidas em torno de uma única orientação e um único centro dirigente. Ou, de outro modo, como educar e temperar essa estrutura para a luta política, que se constitui num desafio organizativo de monta.

O debate parte disso para propor uma idéia central sobre um dos aspectos da estruturação de partido: mais vida partidária, valorizar a militância, imprimir maior espírito militante à vida partidária, ninguém sem tarefas no partido. 

Ela se baseia em novo olhar sobre a realidade partidária com o impulso de crescimento em curso. O PCdoB floresce, se abriu à sociedade, amplia suas  relações políticas, sociais e culturais. Tudo que se formulou nos últimos anos estará sujeito a um teste prático, no sentido de um partido firme e ao mesmo tempo amplo quanto à suas fileiras militantes.

No nível alcançado pelo PCdoB – em termos de influência política, crescente aspiração eleitoral, presença institucional, complexidade do pensamento e ação política e inserção na luta social e de idéias – e tendo chegado a cerca de 90 mil militantes e cerca de 210 mil filiados, há uma coisa que, sendo antiga, requer nova centralidade, pois há outro nível de exigências e possibilidades. É a de que o partido, em seu nível de estruturação e organicidade, ainda é muito pouco amoldado. Na verdade, o gradiente de estruturação e organização decai quando se passa das instâncias dirigentes (CC, Comitês Estaduais, Comitês de Capitais, comitês auxiliares) aos níveis subseqüentes, sendo que ao nível das bases a vida partidária é pouco
sistemática. 

Este é o tema que nos confronta: dotar o partido de maior organicidade em seu caráter militante. Se um fator distintivo do PCdoB no cenário dos partidos políticos do país é – e deve ser de fato – sua vida partidária militante e unificada, ele precisa ser equacionado em novas formas e com maior conseqüência. É o nó central  a desatar para alcançar maior nível de vida partidária regular, sobretudo ao nível da ação militante em todos os poros da luta política, social e de idéias.

Há no PCdoB uma militância em movimento. Esse movimento está sujeito a uma certa dialética: a cada dois anos conferências, nos anos intercalados eleições (mas que também têm as convenções eleitorais). Em cada um desses processos toda a militância é ativada, mas provavelmente com forte flutuação de quem entra no processo a cada ano.

Nos interstícios desses processos, há uma militância mais definida em movimento, com tarefas na vida partidária e na luta política e social (congressos da UNE, UJS, UBES, CONAM, UBM, UNEGRO, CSC-CUT, associações de base de todo tipo, participação em conferências e eleição de conselhos dos temas sociais, a ação dos mandatos parlamentares, e muitas outras formas de trabalho militante). É provável que nesses processos o contingente militante sistemático decaia.

Essa é a realidade da luta em que atua o Partido, na qual não se pode desconhecer as enormes carências sociais de nosso povo, a difícil labuta da vida por parte dos militantes. Mas é nessa realidade que o PCdoB vem alcançando êxitos, se fortalecendo. Portanto, há uma boa resultante desse movimento militante, sem o qual não se teria chegado a este nível de acúmulo.

Mas nem por isso se pode abdicar de buscar conferir ao Partido um caráter mais amoldado, ampliar a esfera mais sistemática de militância, dar-lhe maior agilidade e consistência, com meios permanentes de atuação, para dar conta da nova escala organizativa alcançada pelo PCdoB. Ou seja, estabelecer pontes entre o movimento militante e um caráter mais orgânico do trabalho militante.

Trata-se então de potenciar os liames da vida partidária: mais liames para os militantes se articularem entre si, liames entre as organizações militantes e as direções partidárias, liames entre o partido e o povo. O Estatuto partidário aprovado no 11º Congresso deu enorme impulso à imaginação para constituir esses liames de forma dinâmica e flexível.

Nos últimos anos se centrou a ação, corretamente, na questão dos liames entre organizações militantes e direções. É o esforço por consolidar direções intermediárias, sobretudo dos comitês municipais. Isso ainda está em curso, e aponta para um sistema de direção mais diversificado e participativo (veja os artigos Aprimorar o sistema de direção; Comitês estaduais: consolidação, coesão, renovação e Comitês municipais – elos decisivos ). Isso é indispensável para articular o trabalho na base. Está em curso uma medida muito importante para isso que é a elaboração de uma política de quadros atualizada, para dar ensejo a um
incremento de cultura político-organizativa, capaz forjar concepções mais
solidamente na estrutura partidária.

Neste ano de 2007 centrou-se a ação política na questão de tornar o partido mais conhecido de todo o povo e trabalhadores, por meio de candidaturas majoritárias e da nova central classista e democrática. Novos mecanismos se estabelecem com empenho de energias no setor de comunicação pela internet, imprensa escrita, rádio e almejando a TV, e no setor de formação política, com os cursos da Escola Nacional do PCdoB, de modo a reforçar os liames entre a militância e o povo.

Mas é preciso, ao mesmo tempo, pôr foco na questão dos liames para articular o trabalho dos militantes entre si, o que ainda está subestimado. Ou seja, conferir caráter mais orgânico e sistemático ao trabalho pela base. Esse é o lócus mais permanente e formativo da militância. É organizando o trabalho militante na base que se alcança maior participação da elaboração coletiva, ação política planejada, se forja a experiência e se cultiva o espírito partidista dos e das militantes. Esse é o elo que mais resta desenvolver para dar conseqüência ao discurso de mais vida partidária coletiva e regular, onde ninguém esteja sem tarefas definidas, de modo a reforçar o
sentimento e orgulho dos militantes de pertencimento ao partido.

É importante que isso não seja visto a partir de uma visão idealizada ou modelada, mas partir da realidade concreta que caracteriza a militância e as necessariamente variadas formas de organizações partidárias. O Estatuto partidário em seu artigo 34 apontou para formas flexíveis de organização militante pela base, constituindo-as em função do que melhor faculte a participação ativa deles na elaboração e ação política do Partido, tendo em vista enriquecer a atividade própria do (a) militante no âmbito da vida política, social e cultural, sem prejuízo de firmar prioridades de atuação e de organizá-los(as) principalmente a partir de suas relações de trabalho, dada importância de alcançar maior nível de representação dos trabalhadores.

Portanto, se está bem apetrechado em termos de institucionalidade e linhas. Mas as abordagens podem ser desenvolvidas. Neste ano implementou-se um elemento central de estratégia de ação para maior organicidade pela base: os cursos de capacitação para formar uma larga estrutura de quadros intermediários, precisamente os elos que ligam as direções às bases. Isso certamente terá impacto se for compreendida com esse fim. E o impacto será ainda maior se for seguido de outra compreensão e atitude: valorizar os  quadros de base, aqueles que dão vida ao trabalho regular das organizações partidárias pela base. É questão de firmá-los por mais tempo naquele trabalho determinado, alimentá-los politicamente a partir das direções. Igualmente o papel renovado do jornal A Classe Operária tem importante papel nesse rumo.

Parecem importantes também outras três medidas no apoio a esse esforço. Uma pode ser a massificação (à escala de dezenas de milhares) do Curso Básico em Vídeo, para os novos aderentes e estruturados a partir de bases organizadas. Outra é a de que se requerem mais campanhas publicitárias em torno do partido propriamente dito, de seu caráter militante, com slogans capazes de dialogar para dentro e para fora do partido com marcas distintivas do PCdoB. A terceira, é a questão de fazer o Partido desenvolver mais campanhas próprias regulares entre o povo, nacionais ou localizadas, pequenas ou grandes, ligando a sua imagem a esses conteúdos e levando a militância para o povo fora de épocas eleitorais – importantes não só na ligação com o povo como também para dotar toda a militância de tarefas no Partido.

Mas sempre restará o enfrentamento frontal de concepções, ou seja, que importância atribuir à organicidade militante. Repita-se: agora em nova escala de possibilidades e exigências e nunca referido com base em qualquer modelo ideal, mas sim em resposta concreta às exigências da situação brasileira e da construção de um partido cujo projeto político tem um caráter transformador e classista.

Uma coisa parece certa: é preciso mais zelo com a vida partidária e sua militância. Porque, ao fim e ao cabo, valorizar a militância, imprimir maior espírito militante à vida partidária é um tesouro. É possível que não se trate necessariamente de formular novas questões, mas sobretudo de desenvolver novas estratégias na implementação desse esforço, à luz de uma realidade mais avançada do PCdoB e de uma concepção e prática de partido atualizadas. E nisso talvez seja necessário um maior espírito crítico com respeito às defasagens no terreno organizativo, particularmente por parte dos secretários de organização de todos os níveis. Mas isso já é o próprio debate.

*Walter Sorrentino, médico, é secretário nacional de Organização do PCdoB