Walter Sorrentino: Convergência e concertação da esquerda
O Brasil segue na marcha da insensatez. A obra está à vista de todos, abandonando o passado de conquistas e alienando o futuro, em nome de um presente torpe e sem perspectiva para o país e os trabalhadores.
Por Walter Sorrentino*
As forças governistas, estando relativamente seguras de que Lula não seguirá até o fim da disputa eleitoral, e face à paralisia da reação popular, se dão a dois luxos: mancomunar-se com a Lava Jato e, como forças mercenárias nas guerras modernas, “matar um-a-um” os contendores da esquerda; e de se “dividir” temporariamente para a disputa eleitoral entre vários nomes. Afinal bastaria barrar Bolsonaro – cuja bandeira principal está sob assédio na intervenção no Rio – para o segundo turno ser barbada para um deles.
Daí as pretensões de Temer-Meirelles, Maia e Alckmin disputarem o mesmo lugar de pretenso “reformismo liberal”, o engana-trouxa de pretenso “centro-político”. Com um olho no apoio do mercado, outro no do eleitorado, fazem uma dança de sobrevivência do mais apto sobre quem é mais liberal e mais “reformista”. FHC, sabido, faz malandragem, depois de ter dado com os burros n´água com Huck (que, na verdade, era o mais apto para esse transformismo). Essa é a demonstração mais cabal de que sabem que a agenda em curso no país não ganha eleições livres.
Mas e a esquerda e as forças progressistas? A insensatez não pode alcançá-las e esta é uma questão posta sobre a mesa nesta hora. As derrotas sofridas são terríveis, mesmo tendo reunido forças significativas na resistência. Será preciso agora reformular bandeiras de luta e formas de mobilização que alcancem a maioria social: certamente a luta eleitoral é uma delas, mas não pode ser a única.
As contrarreformas não podem ser levadas a voto enquanto perdure a intervenção federal no Rio, prevista até dezembro deste ano. A depender das condições, as próprias eleições poderão não significar a recomposição do pacto democrático onde as urnas dão reconhecimento aos governantes. Portanto, assegurar eleições livres e Frente Ampla democrática, inclusive com a defesa dos direitos de Lula e de sua candidatura, segue fundamental. Assim como retomar a capacidade para falar a todos os trabalhadores, não apenas aos setores organizados.
Eleições são certamente momento culminante para disputar outra agenda para o país, apresentar ao povo saídas para a crise, retomar o crescimento econômico e emprego, sanear a grave situação social nas áreas da segurança pública, saúde e educação, salvaguardar os interesses do país e do povo para sanear a crise fiscal possibilitando investimentos e, fundamentalmente, salvaguarda da democracia e do Estado democrático de direito.
Entretanto, a disputa eleitoral não dá conta de ocupar todo o espaço de ação dessa ampla frente. Fazem outros movimentos para enfrentar a conjuntura. Primeiro, estabelecer convergências programáticas para os partidos desse campo político, base para a resistência e a crescente retomada da confiança da maioria do povo. Essa convergência já está em curso com a iniciativa das cinco fundações partidárias – PCdoB, PT, PDT, PSB e PSOL – e é uma coisa inédita na esquerda brasileira, por incrível que pareça.
Em segundo lugar, e urgente, é estabelecer um pacto político entre essas forças partidárias e vastos setores progressistas, patrióticos e democráticos, no sentido de consultas permanentes e orgânicas entre elas. Isso solicita o debate franco entre parceiros, onde todos conversam o tempo todo entre si e em conjunto, independentemente de pré-candidaturas próprias de cada força, sem desconsiderá-las.
Malgrado as exigências de cada uma das forças e pré-candidaturas definirem seu lugar político autônomo, é preciso saber trabalhar com a unidade e não amplificar a demarcação política. Lula tem grande papel para isso, ao lado de manter erguida a bandeira e força do PT, indispensável ao país. É o grande intérprete da alma e anseios do povo brasileiro e merece toda a solidariedade humana face às agressões imensas que vem sofrendo no plano pessoal.
Mas a responsabilidade é de todos nós, não pode ser apenas de Lula – seja para definir sozinho o jogo eleitoral, seja para proclamar a necessidade desse pacto político. É nessas horas que a esquerda precisa mostrar unidade e inventividade política.
Convergências programáticas em torno de um novo projeto nacional de desenvolvimento e uma concertação de nossas forças, é o que levará água ao moinho eleitoral para nossas forças. Possibilitam uma relação de emulação entre as pré-candidaturas postas e dão esperanças de fazê-las presentes no segundo turno. O trabalho de Manuela D´Ávila pré-candidata aponta para essa possibilidade.
O Brasil está em situação absolutamente excepcional. O povo está cansado de muitas coisas, entre elas da confusão política reinante no país. O quadro está em agravamento, assim como os dilemas de nossas forças. As respostas precisam, pois, ser excepcionais, de confiança entre parceiros da esquerda, e de generosidade com a nação e o povo brasileiros.
*É médico, vice-presidente nacional do PCdoB. Da coordenação nacional da Frente Brasil Popular. Diretor da União Brasileira de Escritores e preside o Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois.