A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprovou, na tarde desta terça-feira (15), uma moção em defesa da ciência, educação e autonomia universitária durante a segunda assembleia extraordinária da história da universidade.
Segundo a equipe de segurança da Unicamp, ao menos 8 mil pessoas, incluindo alunos, professores e membros da administração se reuniram no Ciclo Básico do campus de Campinas (SP) para aprovar o documento. A Assembleia foi convocada pelo Conselho Universitário da Unicamp (Consu). O último ato desta proporção aconteceu em 1981, durante a ditadura militar, em repúdio à invasão do campus universitário.
“Neste local, que já serviu de palco para outros movimentos memoráveis da história da Unicamp e do país, ouviremos manifestações hoje de pessoas com convicções e pensamentos distintos unidos em prol do mesmo objetivo”, disse o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, durante o discurso de abertura.
Ele também ressaltou que as universidades são espaços de diversidade, onde grandes questões do mundo são discutidas e que, por isso, ameaças a elas não podem ser toleradas. “É inaceitável que as universidades públicas brasileiras sejam vítimas de pressões de qualquer sorte, financeiras, sociais ou ideológicas, que as impeçam de desempenhar suas atividades de ensino, pesquisa e extensão de forma livre e autônoma. A sociedade brasileira precisa ser alertada para o perigo que tais ataques representam para o futuro do país”, defendeu Knobel.
O reitor deixou claro que o objetivo da assembleia não foi o de fazer ataques a partidos ou esferas governamentais específicas, mas sim reiterar a importância das universidades públicas e alertar para os riscos dos ataques e cortes orçamentários recentes. “Somos uma universidade estadual, então não há cortes do governo do Estado, os repasses estão corretos. Mas certamente nós dependemos muito das bolsas da CAPES, que é do Ministério da Educação, do CNPq, que é do Ministério de Ciência e Tecnologia, e esses cortes anunciados nas bolsas impactam e muito as pesquisas dos nossos estudantes, pesquisas realizadas aqui na Unicamp e em todo o país”, explicou.
“Em que pesem as diferenças que certamente existem entre nós, estamos todos aqui, no coração da Unicamp, para defender um ideal comum: a universidade pública, a educação, a ciência e a tecnologia”, concluiu o reitor.
Representante dos professores eméritos da universidade, Carlos Vogt lembrou a experiência vivida na última assembleia universitária ocorrida na Unicamp, em 1981. Na ocasião, a comunidade resistiu contra as tentativas de intervenção realizadas pelo governo estadual da época. Ele lembrou que o prédio do Ciclo Básico foi pensado como uma ágora da universidade, comparando o local aos espaços das antigas cidades gregas onde se discutiam as questões sociais, objetivo que se concretiza com eventos como a assembleia.
“Esse é um momento em que temos de estar unidos, juntos, é um momento em que as diferenças, a diversidade, as manifestações de objetivos próprios estão orientadas, do ponto de vista da nossa ação, para um objetivo comum, que é resistir a eles, dizer não a eles, colocar a universidade na situação em que ela sempre esteve, de exercício da inteligência, do exercício acadêmico, da produção intelectual, da produção de interesse social, de luta e de bastião fundamental da democracia”, reforçou Carlos Vogt.
Também utilizaram o microfone representantes da graduação, pós-graduação, do sindicato que representa os trabalhadores da Unicamp (STU), da associação dos docentes (Adunicamp), além de integrantes do Conselho Universitário, órgão máximo de deliberação, e de professores eméritos.
“O momento é grave, a gente está enfrentando provavelmente o que são um dos maiores ataque na universidade pública. É o Future-se que vem para acabar com os pilares da universidade pública, é o contingenciamento de verbas para pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)”, disse um estudante, durante a assembleia.
“É um primeiro sinal de que estamos mobilizados para lidar tanto com a CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito – das Universidades quanto com os cortes nas agências de fomento”, defendeu Matheus Albino, representante da Associação de Pós-Graduandos e Graduandas da instituição.
“Desmonte do sistema de C&T é uma decisão burra”, condena SBPC
O professor Ildeu de Castro Moreira, presidente reeleito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), veio agradecer à Unicamp pelo exemplo de realizar um evento importante que pode contribuir para conclamar a comunidade do país inteiro a se mobilizar e se posicionar claramente diante do momento difícil vivido pela universidade pública, pelo sistema de ciência e tecnologia e pela educação como um todo.
“A universidade – e a Unicamp em particular – tem um papel muito importante no debate e articulação com outros setores para superar as dificuldades que estamos enfrentando, também com destruições aceleradas no meio ambiente e em que o poder econômico valoriza apenas um setor, o dos financistas”, destacou.
Ildeu Moreira lembrou que a SBPC possui 144 entidades científicas filiadas de todas as áreas do conhecimento, promovendo ações de resistência contra o desmonte do sistema de C&T, como junto a parlamentares e ministros, informando-os de que o orçamento para o setor em 2020 é catastrófico.
“Tivemos o corte drástico para o CNPq, a Capes teve o orçamento reduzido à metade e a Finep viu 90% dos recursos vindos de setores econômicos congelados. Falam ainda na fusão do CNPq com a Capes, agências fundamentais há décadas e que seriam descontinuadas, é uma decisão burra. Além da atuação contra esse desmonte, devemos pensar também para a frente, em um projeto de país, com empresários, trabalhadores e a universidade que tem essa obrigação social”, ressaltou Ildeu.
Oswaldo Alves, professor do Instituto de Química da Unicamp, participou da assembleia extraordinária representando a Academia Brasileira de Ciências (ABC), da qual é vice-presidente. “Vim falar sobre os problemas no sistema de ciência e tecnologia, indicando possíveis soluções e ações da Academia para reverter algumas situações e trabalhar no sentido de preservar as conquistas ao longo de todos esses anos. Estamos apoiando esse movimento de hoje e é importante que tenhamos vários pelo país inteiro, esclarecendo a população sobre a importância da C&T, de que muitos dos problemas que nos afligem têm solução através de pesquisas feitas nos laboratórios.”
O vice-presidente esclarece que a ABC vem trabalhando dentro deste contexto, mas atuando ao nível do Congresso Nacional, principalmente agora com o lançamento em julho da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação. “A Frente Parlamentar tem nos ajudado a modificar algumas decisões tomadas ultimamente, principalmente em relação às bolsas e na questão candente que é a possibilidade de fusão do CNPq com a Capes – a Academia é absolutamente contrária por acreditar que esses dois órgãos, criados há décadas, têm papeis complementares dentro do sistema de C&T. A Frente nos ajuda, sobretudo, na obtenção de assinaturas para audiências públicas, como a marcada para o dia 17 para tratar de muitos dos assuntos que serão colocados nessa assembleia da Unicamp”.
O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, defendeu o mesmo espaço para assembleias na USP e Unesp, incentivando maior participação dos estudantes na organização da luta para “salvar o país do momento de obscurantismo”: “Precisamos chamar a atenção das pessoas para a importância da universidade e para como ela está sendo atacada, convocando passeadas e falando cada vez mais para o povo”.
A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, mestranda em história na USP, destacou que a UNICAMP é única universidade brasileira com mais alunos de pós-graduandos do que graduandos. “Essa assembleia é um exemplo para todas as universidades, justamente quando a autonomia é novamente atacada. Atacam porque respondemos por 90% da produção científica. Não existe desenvolvimento e soberania sem a universidade. O jeito é ir para as ruas no país inteiro para assegurar a universidade pública”.
Caio Iuje, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), a assembleia da Unicamp é um exemplo para as demais universidades brasileiras: “É importante que todas se mobilizem, é com unidade que vamos voltar para a rua defendendo a educação pública de qualidade. Não vamos perder para um governo que não acredita na educação”.
Mariana Moura, pesquisadora da USP e fundadora do grupo “Cientistas Engajados”, considerou a assembleia da UNICAMP “um evento histórico”. “Funcionários técnicos e administrativos, professores, estudantes de graduação e pós graduandos, vereadores e representantes da Prefeitura, todos juntos em defesa da Universidade Pública e contra o ataque anti-cientificista do governo Bolsonaro. Precisamos estar fortes e unidos para garantir o orçamento da pesquisa deste ano e do ano que vem e resistir contra o fim da CAPES e do CNPq. O projeto já está circulando entre os membros do governo. São oito décadas de pesquisas financiadas pelas agências de fomento federais que estão ameaçadas! É a possibilidade de o Brasil sair da crise através da inovação que está em jogo. Não vamos permitir que esse governo que não acredita na ciência destrua a nossa soberania sobre os nossos recursos”, disse.