Foto: Agência Câmara

A União dos Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), divulgou nota nesta quarta-feira (30), em que repudia a ameaça de violência sofrida pela deputada federal (PCdoB-RS), Daiana Santos que recebeu mensagem por e-mail com críticas a sua orientação sexual – já que a deputada é lésbica. Segundo os criminosos, por ser “sapatão” e “aberração” deveria sofrer um “estupro corretivo”.

Na semana passada, Daiana Santos prestou queixa na delegacia contra mais essa ameaça sofrida contra ela. Na ocasião, a deputada contou que fez questão de registrar o Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Descriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou Com Deficiência (Decrin), em Brasília. “Porque esse tipo de ameaça precisa ser investigada e esses covardes responsabilizados. Essa tentativa de intimidação demonstra mais uma vez a necessidade do Estado brasileiro proteger as nossas vidas, no país que mais mata LGBTIs no mundo. Por aqui, seguimos com mais vontade ainda de lutar pela nossa comunidade”, escreveu.

Para a Unegro, no Estado Democrático de Direito, práticas como essa devem ser repudiadas por toda a sociedade e não apenas pelos grupos diretamente atingidos, pois, a evocação de estupro corretivo constitui-se rompimento do pacto civilizatório e, fundamentalmente, constitui-se em flagrante perseguição a uma parlamentar de esquerda, negando-lhe o direito à existência”, ressalta a nota.

A entidade aponta ainda que o mandato da deputada é representativo e vem “propondo mudanças não apenas para sua comunidade de pertencimento, mas a toda a Nação brasileira”, destaca o texto.

Não é a primeira vez que a parlamentar recebe ameaças. Em 20 de janeiro de 2022, enquanto vereadora do PCdoB de Porto Alegre, Daiana Santos denunciou, pelas redes sociais que voltou a sofrer ameaças de morte de caráter racista, lesbofóbico e machista, através de um e-mail do mesmo autor de ofensas desferidas anteriormente.

No início de dezembro de 2021, Daiana e outra vereadora negra de Porto Alegre, Karen Santos (PSol), foram ameaçadas por e-mail e, juntamente com os demais vereadores da bancada negra — formada ainda por Bruna Rodrigues (PCdoB), Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSol) — denunciaram o caso na delegacia de crimes cibernéticos de Porto Alegre. Na ocasião, Daiana pediu “uma investigação ampla para encontrar os responsáveis por esse crime de ódio, esses ataques absurdos carregados de ódio não podem ficar impunes”.

Confira a íntegra da nota da UNEGRO abaixo:

Nota de Apoio à deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS)

A UNEGRO (União dos Negros e Negras pela Igualdade) vem repudiar e denunciar a violenta ameaça de “estupro corretivo” que a deputada federal Daiana Santos, representante do PCdoB gaúcho, vem sofrendo juntamente com parlamentares de vários estados da federação, a exemplo de Pernambuco, Rio de Janeiro  e  Minas  Gerais.  Não  há  nenhuma  dúvida  no  que  diz  respeito  à  gravidade da ameaça, uma vez que enseja um crime bárbaro perpetrado contra corpos e gêneros dissidentes,  com  incidência  direta  sobre  a  população  LGBTQIAPN+.  Não  há nenhuma dúvida de que esse tipo de ameaça criminosa é uma forma covarde de reação à presença de pessoas subalternizadas nos espaços de poder e em diversos fóruns de expressão pública.

Tal reação ganhou escala com a assunção e consolidação de uma “guerra civil” em que o neofascismo pretende suprimir as formas-de-vida que não obedeçam ao padrão branco-macho-conservador-cristão-evangélico-heteronormativo-neoliberal. Não podemos esquecer a institucionalidade regressiva que devassou a civilidade brasileira nos quatros anos de desgoverno Bolsonaro, sancionando discursos e práticas dessa natureza:   “a  minoria  vai  ter  que  se  curvar  à  maioria”,  bradou  a  família  Bolsonaro,  no discurso da eleição de 2018.

Embora sabemos que, por ser covarde, esse tipo de ameaça muitas das vezes acaba  se  dissipando  nas  malhas  do  digital,  é  preciso  prestar  atenção  aos  seus desdobramentos, é preciso avistar o propósito violento nela contida, pois um enunciado discursivo desse feitio acaba autorizando práticas criminosas no tecido social, na vida como ela é. Não podemos esquecer que é pela enunciação que se dá o primeiro passo para o ultraje, o silenciamento, a violência (física, moral e simbólica), a eliminação das/es/os indesejadas/es/os. Disso dão testemunho massacres recentes e antigos de nossa história: judeus foram designados como vermes parasitas pelo nazismo, pessoas negras são chamadas de macacas, mulheres, frequentemente de galinhas, gays, viados, –  qualificativos  que  nos  tiram  da  comunidade  humana. Aprendemos  com  a  filosofia política e as ciências da linguagem que:  “o que nos faz humanos é a que nós humanos não é dado o direito de tudo dizer”, porque tudo dizer equivale a tudo fazer.

No Estado Democrático de Direito práticas como essa devem ser repudiadas por toda a sociedade e não apenas pelos grupos diretamente atingidos, pois a evocação de estupro corretivo constitui-se em flagrante rompimento do pacto civilizatório e, fundamentalmente, constitui-se em flagrante perseguição a uma parlamentar de esquerda, negando-lhe o direito à existência.

A deputada federal Daiana Santos é uma mulher negra lésbica que vem, com tais marcadores, propondo mudanças não apenas para sua comunidade de pertencimento, mas  a  toda  a  Nação  brasileira.  O  seu  assento  na  Câmara  Federal  representa  uma conquista e um avanço. Nós, da UNEGRO, nos solidarizamos a ela e não aceitaremos, sob hipótese nenhuma, que seja alvo de práticas regressivas que atentam contra a sua integridade  e, acima de tudo, contra os ideais de emancipação do nosso país. Exigimos que tal crime seja apurado e os criminosos punidos.

A  você,  deputada  Daiana  Santos,  e  a  todas  as  parlamentares,  nosso  apoio  e compromisso de sempre!

UNEGRO (União de Negros e Negras pela Igualdade)

Agosto de 2023