"Nem a Grande Depressão, nem a Grande Recessão, causaram um recuo tão acentuado", assinalou a CNBC

Sob o impacto do epicentro da pandemia ter se deslocado para os EUA, o PIB norte-americano desabou 9,5% no trimestre de abril-junho em relação ao primeiro trimestre, de acordo com o Bureau de Análise Econômica (BEA), uma contração sem precedentes. No primeiro trimestre, a queda havia sido de 0,3%.

O anúncio do tamanho do recuo se deu em meio à crescente percepção de que a ansiada recuperação em “V”, isto é rápida retomada após uma queda, está cada dia mais improvável, diante do quadro de descontrole da disseminação da pandemia na Flórida, Texas, Califórnia e Arizona, que atrasa planos de reabertura, quando simplesmente não os reverte.

Melhor dizendo, retomada rápida o suficiente para ajudar na reeleição de Trump, que anda muito necessitado, como mostram as pesquisas de voto, e até voltou a recomendar a cloroquina.

“Nem a Grande Depressão, nem a Grande Recessão, nem nenhuma das mais de três dezenas de quedas econômicas nos últimos dois séculos causaram um recuo tão acentuado em tão curto período de tempo”, assinalou a CNBC.

A derrubada do segundo trimestre se deveu à interrupção das atividades não-essenciais – de bares a fábricas -, demissões em massa, contração do consumo pelas pessoas na quarentena, parada geral nos investimentos e congelamento do comércio internacional, na tentativa de controlar a disseminação da Covid-19, num quadro em que, em Nova York, corpos se empilhavam em caminhões frigoríficos na porta de hospitais improvisados como necrotérios.

Só não ficou pior por causa da aprovação, pelo Congresso, de medidas emergenciais como o adicional federal de US$ 600 semanais no seguro-desemprego que é pago pelos Estados, o envio de um cheque de US$ 1.200 para cada adulto e mais US$ 500 para cada criança, e programas de apoio às empresas, particularmente para que não demitissem. Bem como a moratória nos despejos e nas execuções de hipotecas federais.

O descontrole em curso da pandemia coloca em questão a recuperação da economia. “Os americanos não estão se comportando bem em termos de distanciamento social, a taxa de infecção é inaceitavelmente alta e isso significa que o crescimento econômico não pode ganhar força”, afirmou à Reuters o professor de finanças e economia da Universidade Loyola Marymount, em Los Angeles, Sung Won Sohn.

“As perspectivas não são muito boas”, acrescentou Sung, embora sem se deter sobre a parte da inépcia e obscurantismo de Trump para que as coisas ficassem assim.

Há 19 semanas, os novos pedidos de seguro-desemprego vêm se mantendo acima de 1.000.000, sendo que em algumas semanas chegou à casa dos 6.000.000. Desde o início da crise 54 milhões pediram o seguro-desemprego.

O Bureau do Censo dos EUA estimou que mais da metade dos norte-americanos vive em lares que viram a renda cortada desde a pandemia.

Pesquisa do Censo também revelou que a insegurança alimentar na semana passada atingiu seu nível mais alto desde maio. Quase 30 milhões de norte-americanos relataram que não tiveram o suficiente para comer em algum momento na semana encerrada em 21 de julho.

Sem que o Congresso dos EUA tenha chegado a qualquer acordo para a fase seguinte da imprescindível ajuda diante da dimensão da crise, na sexta-feira encerrou-se o adicional federal semanal do seguro-desemprego de US$ 600. A proposta democrata é de um plano de US$ 3 trilhões, enquanto Trump e os republicanos só admitem US$ 1 trilhão.

Também findou a moratória das hipotecas federais e, em vários Estados, a proteção contra despejos de inquilinos. Entidades denunciam que, sem a renovação dessas proteções, milhões vão para o olho da rua em breve.

No máximo, os republicanos admitem um novo cheque de US$ 1.200 para cada adulto, e querem que o adicional do seguro-desemprego seja cortado para um terço, US$ 200. Também não querem liberar dinheiro para os Estados e municípios que têm sustentado o grosso do combate ao coronavírus, com as receitas minguando.

Algumas fontes noticiaram a contração como “32,9%”, mas aí se trata somente do truque dos órgãos estatísticos dos EUA de “anualizar”, isto é, multiplicar por 4 o que aconteceu num determinado trimestre, dando a impressão de que não é um crescimento tão raquítico, comparado, por exemplo, com a China. Mas quando vai no vermelho, aí também multiplica por quatro, e dá esse número pavoroso.

Na véspera da divulgação do pior número sobre o PIB já visto, na reunião do Federal Reserve, o BC norte-americano, o presidente Jerome Powell classificou a contração de “a mais severa em nosso tempo de vida”. O Fed manteve os juros perto de zero – juro real negativo – e voltou a prometer fazer “tudo” para proteger a economia, isto é, os bancos e cartéis.

No olho do furacão em março, quando de novo o sistema financeiro dos EUA esteve prestes a quebrar, agora por causa dos fundos de hedge que operam com Títulos do Tesouro norte-americano, o Fed imprimiu eletronicamente US$ 3 trilhões e passou a comprar diretamente todo tipo de papel podre disponível, não apenas Títulos do Tesouro e hipotecas.

A situação foi comparada à da quebra, em 1998, do fundo especulativo LCTM, só que em escala muito maior, como revelaram o New York Times e o Financial Times. Chegou um momento em que ninguém conseguia vender um Título do Tesouro, parou tudo – uma situação apontada como pior do que 2008.

Temeu-se até mesmo o fracasso de leilões de Títulos do Tesouro norte-americano, por falta de quem quisesse comprar os Treasuries.

Os fundos de hedge haviam feito apostas altamente alavancadas de que o rendimento dos Títulos do Tesouro subiria, mas a pandemia jogou contra, eles começaram a ter grandes perdas, com os bancos exigindo maiores garantias, forçando mais vendas e agravando a crise.

O problema dos fundos de hedge vinha se arrastando desde setembro, quando o Fed voltara ao quantitative easing socorrendo o chamado ‘mercado repo’ – overnight – cuja taxa chegara a inacreditáveis 10%.

Como registrou o Financial Times, “é difícil exagerar a importância do mercado de cerca de US $ 20 trilhões para a dívida do governo dos EUA ou o alarme que sua crescente disfunção causou em março”.

“O mercado de Títulos do Tesouro é o maior, mais profundo e mais essencial mercado de títulos do planeta, um alicerce do sistema financeiro global e a referência de preço de quase toda segurança no mundo”, sublinhou o FT. Observação que traduz muito apropriadamente o que esteve em jogo nos idos de março.

Na reunião do Fed do dia 29, Powell prometeu manter a compra ilimitada de papel podre. A concessão do socorro às famílias e às empresas que não demitissem em boa medida foi a contrapartida para o socorro dos fundos de hedge.

Graças ao descomunal resgate, que também ressuscitou Wall Street, como efeito colateral os bilionários aumentaram sua riqueza em quase meio trilhão de dólares, enquanto tudo mais desabava em volta. O que explicita o descolamento entre a economia real, a produção, e a economia de cassino.

O tremor sísmico no que o Financial Times chama de “o mais essencial mercado de títulos do planeta e alicerce do sistema financeiro global” explica o alerta, feito pelo Goldman Sachs, banco que nomeia e demite Secretários do Tesouro, de que o dólar como moeda de reserva internacional subiu no telhado, o que vem se expressando na alta recorde do ouro, para US$ 1.900 a onça.

O Goldman assinalou as “preocupações reais sobre a longevidade do dólar como moeda de reserva”, em função da “degradação” que vem sofrendo.

“Ouro é a divisa de último recurso, particularmente em um ambiente como o atual onde os governos estão degradando suas moedas fiduciárias e empurrando taxas de juros para recordes de baixa de todos os tempos”, registrou o banco, cujo executivo-chefe dizia fazer “o trabalho de Deus”.