O gesto foi bastante simbólico para o desanuviamento na península coreana depois do impasse na cúpula de Hanói

Uma cena histórica, 32 horas depois de um tuíte inesperado: neste domingo (30) o líder norte-coreano Kim Jong Un e o presidente norte-americano Donald Trump se cumprimentaram na zona desmilitarizada da Coreia e, acompanhado por Kim, Trump se tornou o primeiro presidente norte-americano em exercício a cruzar a linha demarcatória e pisar em solo do norte.  Ainda que simbólico, trata-se de um recuo em relação à intransigência dos EUA na cúpula de Hanói, que gerou um impasse.

Em visita à Coreia do Sul, depois da cúpula do G20 de Osaka, Trump viajou de helicóptero para Panmunjon com o presidente Moon Jae-in. Ao visitar um mirante estratégico do lado sul, Trump comentou com os repórteres: “depois da nossa primeira cúpula, todo o perigo desapareceu […] Tudo está funcionando”. O convite para o encontro partiu de Trump, que ainda em Osaka, ao invés dos costumeiros tuítes quebra-canela, surpreendeu com a amável sugestão.

Apesar de toda a surpresa, o gesto de Trump não surge no vazio. A Coreia Popular acaba de acolher entusiasticamente ao presidente chinês Xi Jinping e houve uma troca de cartas amáveis entre Trump e Kim. Troca de mensagens destinada a amenizar o impasse de Hanói e retomar o processo em consonância com aos princípios da declaração de Cingapura.

Os líderes coreanos Kim e Moon se dirigem com Trump à reunião no lado Sul após a simbólica visita à RPDC (KCNA via Reuters)

Além disso, a recente visita do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe e convite de Tóquio para visita do presidente Xi sinalizou alguma abertura aos grandes esforços de Pequim para trazer o Japão e a Coreia do Seul para um tratado de livre comércio.

De Washington, pelos democratas, veio a tentativa de desclassificar a importância do fato, dizendo se tratar só de “teatro eleitoral”, com Trump “afagando um ditador”. Sob esse ponto de vista, no momento os norte-coreanos não têm o menor interesse em que alguém substitua Trump na Casa Branca, para fazer com Pyongyang o que este fez com o Irã.

“UMA GRANDE HONRA”

Kim veio sozinho, cruzou a linha demarcatória, trocou efusivo aperto de mão com Trump e abraçou Moon. Trump saudou o líder norte-coreano, chamando-o de “meu amigo”. No relato do jornal sul-coreano Hankyoreh, Kim respondeu dizendo que “não esperava estar encontrando com sua Excelência aqui”.

Em gesto bastante simbólico para o desanuviamento na península coreana depois do impasse na cúpula de Hanói, Trump atravessou a linha divisória para o norte, o que fez com todo cuidado, colocando primeiro o pé direito. O que disse ser “uma grande honra”. Observação respondida por Kim, tratando-o como o “primeiro presidente dos EUA a visitar nossa terra”.

Os dois percorreram dezesseis degraus para o norte, tiraram uma foto comemorativa e retornaram para o lado sul. “Acho que (a passagem pela linha divisória) é a expressão da sua determinação de superar o passado hostil e estabelecer um novo futuro”, afirmou Kim ao presidente norte-americano.

A agência britânica Reuters descreveu “o pouco planejamento que havia sido dado ao encontro às pressas”, e se referiu “à cena caótica dos repórteres e do serviço secreto esbarrando uns nos outros”.

O presidente sul-coreano Moon assinalou que se tratava de um “dia histórico, não só para as Coreias do Norte e do Sul, mas para o mundo inteiro”. Kim agradeceu a Moon e a Trump “por esse momento”. O encontro entre os três é sem precedentes.

Trump, então, em frente das câmeras, classificou sua relação com o presidente Kim de “excelente” e se disse “orgulhoso” de ter cruzado a linha de demarcação. Ele também fez questão de posar para fotos junto com Kim e Moon.

Depois eles se dirigiram à Casa da Liberdade no sul, onde o que Trump anunciara como “uma curta reunião de dois minutos” se tornou em uma conversa de 53 minutos entre os dois. Kim disse depois que a decisão de aceitar o convite fora tomada porque se considerou que poderia ter “um efeito positivo em nossas ações no futuro”.

Ainda na descrição do Hankyoreh, “os rostos dos três líderes ao deixarem a Casa da Liberdade às 4 h 51 da tarde estavam radiantes”. Logo em seguida, Kim se despediu dos dois e retornou ao norte.

Mais tarde, Trump voltou ao caráter sem precedentes do encontro presenciado na última fronteira da Guerra Fria. “Nesse mundo perigoso em que vivemos” – afirmou – “realizar um ótimo encontro com as duas Coreias tem um grande significado para muitas pessoas”. Ele acrescentou que, olhando para trás, o quadro da situação coreana “está bom, não ótimo”,

“DIA HISTÓRICO QUE NINGUÉM ESPERAVA”

O presidente Moon homenageou a “abordagem ousada e engenhosa” do aperto de mão deste domingo e saudou os avanços “na desnuclearização e no processo de paz permanente”, questões às quais tem dedicado grande empenho. Para Trump, tratou-se de “um momento histórico e um dia histórico que ninguém esperava”, acrescentando que estava comprometido em fazer “um acordo muito abrangente”, ao mesmo tempo em que não mostrou pressa em levantar as sanções, como pede Pyongyang. Trump relatou aos repórteres ter “agradecido a Kim”, a quem disse que se “não tivesse respondido à minha proposta, teria havido consequências muito negativas para mim na mídia”.

O presidente norte-americano disse ainda ter “convidado Kim a visitar a Casa Branca” no momento apropriado e anunciou a retomada dos trabalhos práticos para avançar as conversações sobre desnuclearização e sobre um acordo abrangente, e para uma terceira cúpula. O presidente norte-americano também se referiu à contenção mantida pela Coreia do Norte, que “não lançou mísseis balísticos de longo alcance e não os testou; mais importante, não testou armas nucleares”.

O impasse em Hanói se deveu à tentativa dos setores mais tóxicos do governo Trump de sabotar as negociações com a Coreia e impor um “desarmamento nuclear à moda líbia” – a expressão é do conselheiro de segurança nacional John Bolton – e à negativa de encaminhar a abordagem passo a passo definida na cúpula de Cingapura, seja no aspecto do alívio parcial das sanções que atingem mais a população civil, seja quanto à assinatura de um tratado formal de paz da guerra que ocorreu de 1950 a 1953.