Com a inflação descontrolada no país, o prato de arroz com feijão – base da alimentação das famílias brasileiras – registra até agosto o período mais longo de altas nos preços dos últimos oito anos. De acordo com estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base no Índice Geral de Preços (IGP) – ou seja, os valores do varejo – são 16 meses (desde abril de 2020) consecutivos sem que a inflação dos produtos dê tréguas e apareça abaixo de dois dígitos no período acumulado.

Pelo IGP, a alta média acumulada até agosto nos preços do arroz e feijão é de 23,48%. Em algumas capitais, a variação de preços chega ao absurdo de 31,57% (Porto Alegre) e 29,32% (Brasília). Nesse mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV registrou aumento acumulado de 11,71% no preço dos alimentos em geral em 12 meses.

Segundo André Braz, economista responsável pelo estudo encomendado pelo Valor Econômico, a sequência de 16 meses com taxas acima de dois dígitos na inflação no varejo do arroz e feijão (período que vai de abril de 2020 e agosto de 2021) é “preocupante”, pois afasta os produtos de forma contínua da mesa das famílias, em especial das mais pobres que já sofrem com o achatamento das rendas e do desemprego.

De acordo com Braz, a fatia dos mais pobres destinada à compra de arroz e de feijão entre os mais pobres é o dobro dos mais ricos. “São produtos de primeira necessidade entre os mais pobres”, destaca.

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha no começo deste mês aponta que 36% dos brasileiros declararam ter reduzido o consumo de feijão durante a pandemia por conta dos altos preços. No caso do arroz, 34% declararam ter cortado o consumo.

Além do arroz com feijão, o preço do gás de cozinha torna a realidade dos mais pobres ainda mais dramática: no varejo, a alta acumulada do botijão de 12 kg é de 29,02% em 12 meses. Aos consumidores, o preço médio era de R$ 93,47 até agosto – maior patamar já identificado pela tabela da ANP (Agência Nacional do Petróleo). Sendo que em alguns locais o valor do botijão custa até R$ 130.

O corte ou redução do consumo de arroz e feijão entre os mais pobres por conta da escalada de preços é motivo de preocupação em relação aos indicadores de fome e insegurança alimentar e nutricional.

“Quando eu trabalhava no Consea, eu lembro dos especialistas em nutrição falando que a combinação de arroz e feijão no prato do brasileiro dá conta de cerca de 70% das necessidades nutricionais diárias”, ressaltou Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). “À medida que o acesso a esses produtos vai se tornando cada vez mais difícil, para população de baixa renda, o impacto nutricional no quadro alimentar dessas pessoas é muito sério”, afirma.