Testemunha confessa que mentiu para ajudar EUA a extraditar Assange
A entrevista em que um ex-informante do FBI confessa que mentiu sobre Julian Assange e o WikiLeaks, em pontos chaves para o pedido de extradição apresentado por Washington e que, ao serem desmascarados, tornam ainda mais absurda e frágil a armação contra o jornalista, levou o denunciante e ex-agente Edward Snowden a considerar que se trata do “fim do caso contra Julian Assange”.
Sigurdur Ingi Thordarson, cidadão islandês e ex-voluntário do WikiLeaks que se tornou informante do FBI por US$ 5.000 em 2011, admitiu ao jornal islandês Stundin no sábado (26) que fabricou partes importantes das acusações contra Assange. No pedido de extradição de Washington, ele é citado como ‘Adolescente’ do ‘País 1’ da Otan.
Ao jornal Stundin, Thordarson, agora com 28 anos, detalhou várias partes de seu depoimento, que agora nega, e confessa que Assange nunca o instruiu a realizar qualquer operação de hackeamento.
Com a confissão, torna-se ainda mais indefensável a insistência do presidente Joe Biden em manter o pedido de extradição contra Assange desencadeado por Trump, apesar de toda a repulsa que a medida gera em todos os amantes da verdade e da liberdade de imprensa.
Cujo objetivo é fazer Assange morrer silenciado em uma masmorra nos EUA, condenado a 175 anos por ‘espionagem’ e ‘hackeamento’, e servindo de ‘exemplo’ aos demais denunciantes em potencial no mundo inteiro.
Thordarson desempenhou um papel fundamental na investida do regime Trump para extraditar Assange sob a alegação de que não atuara como ‘jornalista’, mas como ‘hacker, trabalhando com ‘o soldado Manning para quebrar uma senha para roubar documentos confidenciais dos EUA’.
No caso, a alegação sobre o suposto hackeamento na Islândia servia para reforçar esse enredo.
O ‘encaixe do episódio islandês’ era imprescindível, já que Manning se recusara terminantemente a acusar Assange, mesmo novamente presa e pesadamente multada.
Sem a ‘fábula’ do ‘hacker Assange trabalhando com o militar Manning para quebrar senha e roubar documentos’, o pedido de extradição voltava ao pé que levara Obama a recuar do processo, já que como os maiores jornais do mundo publicaram as denúncias obtidas pelo WikiLeaks, inclusive o vídeo Assassinato Colateral’, não haveria como aprisionar Assange sem afrontar a Primeira Emenda.
A fabricação era de que ‘Assange e o Adolescente’ teriam roubado um arquivo sobre um banco quebrado na Islândia, citada na acusação como ‘País da Otan 1’ – para uma insinuação sobre espionagem – e usado hackers.
Conforme o Consortium News, Thordarson chegou a ser levado de avião em 2019 para Washington e também recebeu um acordo de imunidade.
‘Adolescente’, após o WikiLeaks descobrir que ele subtraíra US$ 50.000 em doações, oferecera em agosto de 2011 seus serviços como informante à embaixada dos EUA em Reykjavik. Na época Thordarson estava em contato com o hacker Hector Xavier Monsegur, conhecido como Sabu, que havia sido preso e se tornara um ativo do FBI. Trabalhando com o FBI, Sabu arranjou um hackeamento de várias instituições do governo islandês.
Falsidade desbaratada
Como o jornal islandês registrou, embora um tribunal de Londres tenha se recusado a extraditar Assange para os EUA por motivos humanitários, a sentença fica do lado dos EUA no que tange às alegações baseadas no testemunho agora negado de Thordarson.
Diz, por exemplo, que “Sr. Assange e Adolescente fracassaram em uma tentativa conjunta de descriptografar um arquivo roubado de um banco do ‘país 1 da Otan”, onde se acredita que “país 1 da Otan ” se refere à Islândia, enquanto “Adolescente” se refere ao próprio Thordarson.
Na entrevista ao Stundin, Thordarson agora afirma que o arquivo em questão não pode ser considerado “roubado”, já que foi distribuído e vazado por denunciantes de dentro de um banco islandês falido, com muitas pessoas online tentando decifrá-lo na época. Isso porque supostamente continha informações sobre empréstimos inadimplentes concedidos pelo Landsbanki, cuja bancarrota em 2008 (e dos demais bancos islandeses) levou o país a uma grande crise econômica e política.
Thordarson também forneceu à publicação logs de bate-papo de seu tempo como voluntário no WikiLeaks em 2010 e 2011, mostrando seus pedidos frequentes para que hackers ataquem ou obtenham informações de entidades e sites islandeses. Mas, de acordo com o jornal Stundin, nenhum dos registros mostra que Thordarson foi convidado a fazer isso por alguém de dentro do WikiLeaks.
O que eles mostram, segundo o jornal, são as constantes tentativas do então voluntário da organização para inflar sua posição, descrevendo-se como chefe de gabinete ou chefe de comunicação.
Em 2012, o WikiLeaks entrou com uma ação criminal contra Thordarson por estelionato e fraude financeira. Mais tarde, ele foi condenado por ambos na Islândia.
Stundin também cita Ogmundur Jonasson, então ministro do Interior da Islândia, que disse que as autoridades dos EUA estavam se esforçando para pegar Assange: “Eles estavam tentando usar coisas aqui [na Islândia] e usar pessoas em nosso país para tecer uma teia, uma teia de aranha que pegaria Julian Assange”.
Em 2010, com a publicação dos arquivos norte-americanos sobre as guerras contra o Iraque e contra o Afeganistão, e da intervenção do Departamento de Estado no mundo inteiro, Assange se tornara o jornalista mais aclamado do mundo – além de granjear o ódio do império. A então secretária de Estado Hillary Clinton chegou a propor o uso de um drone para silenciá-lo.
Coroando a denúncia, havia o ‘Assassinato Colateral’, o vídeo, tirado por um helicóptero de ataque Apache, em que este, sob orientação do comando central da operação, metralha e massacra em Bagdá dois jornalistas da agência de notícias Reuters e outros civis que estavam próximos, além de um cidadão, que estava levando as crianças para a escola e parou para socorrer as vítimas.
De acordo com a jurisprudência de Nuremberg, um crime de guerra.
Na ‘ordem mundial sob as regras’, o mundo unilateral sob o tacão de Washington, ao invés dos criminosos de guerra – e mandantes – serem levados a julgamento, foram os denunciantes que foram submetidos à mais covarde perseguição, como vários relatores de Direitos Humanos da ONU, o mais recente deles, Nils Melzer, apontaram.
Assange repetia, décadas depois, a façanha de Daniel Ellsberg, que expôs o fracasso – e podridão – da Guerra do Vietnã com seus ‘Documentos do Pentágono’, mas com um desfecho diferente, nesses tempos de ‘Guerra ao Terror’, prisões negras da CIA, Guantánamo, invasões, corrupção e ingerência e porta entreaberta ao retorno do fascismo.
Após uma feroz campanha de assassinato de reputação sob falsa imputação de ‘ataque sexual’, de que foram cúmplices EUA, Suécia e Grã Bretanha, forçando Assange a pedir asilo na embaixada do Equador, ele acabou arrancado de lá após conluio do novo governo de Quito com Trump e vem sendo mantido preso há mais de dois anos na ‘Guantánamo britânica’, a prisão de segurança máxima de Belmarsh.
Em fevereiro, o governo Biden entrou com uma apelação contra a sentença britânica, com a meta de extraditar Assange. Nos EUA, vem crescendo o clamor para que Biden opte, pelo menos nessa questão, pelo desacoplamento da política de Trump.
No início de junho, o Relator Especial da ONU sobre Tortura pediu ao governo do Reino Unido que libertasse Assange, condenando seu encarceramento como “um dos maiores escândalos judiciais da história”.