Luciana Santos

Mais uma vez, o Congresso Nacional se concentra na análise de propostas que visam mudanças no sistema político. Na comissão especial que trata da reforma política, relatórios parciais do deputado Vicente Cândido (PT-SP) começaram a ser votados. Paralelamente, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 282/16), que piora a realidade ao concentrar a representação parlamentar em apenas 11 partidos.

O problema hoje é que não se consegue garantir uma reforma que efetivamente melhore a política. O foco da discussão acaba sendo norteado pelo interesse das grandes legendas. Essa é avaliação da presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE).

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

PCdoB na Câmara – Por que a reforma política voltou à pauta da Câmara?
Luciana Santos – O que tem motivado a retomada do debate é uma decisão que o Supremo tomou de acabar com o financiamento empresarial de campanhas. Infelizmente, não foi esta Casa que decidiu isso. O PCdoB sempre lutou por isso por acreditar que o financiamento empresarial é uma das grandes matrizes da corrupção no país. E sempre fomos derrotados por setores mais conservadores. Outra motivação para voltar a tratar desse tema é o sentimento da antipolítica presente na população. Há uma crise de representatividade no Congresso por causa de um sistema eleitoral muito ruim, que não ajuda. Hoje não reflete no Legislativo a pluralidade e todos os segmentos da sociedade, como trabalhadores e mulheres. O que prevalece é o poder econômico nas eleições, trazendo gigantescas distorções na representatividade.

PCdoB na Câmara – Qual a sua avaliação sobre a reforma política que hoje avança no Congresso?
Luciana –
A reforma política é uma necessidade estruturante para a democracia brasileira, mas a que está sendo debatida no Congresso acentua os principais defeitos da crise de representatividade. O deputado Vicente Cândido (PT-SP) elencou propostas que estão em tramitação há anos na Câmara. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) colocou na pauta exclusiva de votação uma proposta de emenda à Constituição do Senado que ė um grande retrocesso (PEC 282/16). Um dos problemas é reforçar a primazia dos grandes partidos, pivôs de grandes crises políticas no Brasil.

PCdoB na Câmara – Por que a PEC vinda do Senado piora o sistema político?
Luciana –
A PEC impõe cláusula de barreira com percentual relativamente alto, impedindo a livre representação, a diversidade, a oxigenação e o novo na política. Acaba ainda com a coligações. Essas proposições aprovadas no Senado estabelecem uma contradição com a própria Comissão especial da Reforma política (que está votando relatórios parciais sobre a matéria). São dois caminhos e um acaba se sobrepondo ao outro.

PCdoB na Câmara – Como será a estratégia do partido para barrar esse retrocesso?
Luciana –
Estamos fazendo uma grande resistência à proposta do Senado e priorizando o debate na comissão especial para que possamos garantir um financiamento público de campanha para substituir o fim do empresarial. O objetivo é que possamos estabelecer um sistema eleitoral mais democrático. Temos de efetivamente diminuir a influência do poderio econômico e aumentar a importância do debate de ideias e do programa dos partidos.

PCdoB na Câmara – Quem está interessado em impor cláusula de barreira?
Luciana –
Há mais de uma década esta Casa aprovou a cláusula, mas o Supremo Tribunal Federal derrotou por considerar o direito do partido existir uma cláusula pétrea da Constituição. Com a cláusula, querem criar duas categorias de parlamentar, um de primeira e outro de segunda, sem prerrogativas. Regimentalmente, a Câmara já regula espaços com base na proporcionalidade. O Brasil precisa de mais representatividade, não de menos. A briga é entre os grandes e pequenos partidos, que precisam ser mais conhecidos pela população. A queda de braço de uns é para retroceder, piorar a falta de representatividade, prejudicial à democracia.

PCdoB na Câmara – Existe um movimento para acabar com o PCdoB seja por meio desta reforma política ou de denúncias infundadas?
Luciana –
Esses ataques fazem parte de um objetivo de implodir o sistema político. Já houve isso em outros momentos da história brasileira para interromper um projeto democrático e popular, como nos governos Getúlio Várias e João Goulart. É um método antigo usado pelas forças conservadoras do país. Na atualidade, tem se usado de muita seletividade para combater a corrupção no país. Há uma clara seletividade na Operação Lava Jato. Para o PCdoB, tem de ser feito o combate da corrupção, mas não aceitamos o uso político. Estamos muito tranquilos. O PCdoB nunca teve nenhuma atitude ilícita neste processo. Vamos nos defender, porque sabemos que é uma disputa eminentemente política. Querem nos atingir pelo papel relevante que jogamos. Quantitativamente, somos um partido pequeno, mas temos um papel político muito grande, de influenciar rumos e de participar das grandes decisões do país. Isso incomoda muita gente. Não vamos nos intimidar. Em 95 anos, já nos impuseram até mesmo a clandestinidade. Sobrevivemos, porque lutamos.

PCdoB na Câmara – Com quem o partido está dialogando?
Luciana –
Nós nos apoiamos muito nos partidos programáticos, que têm ideias para o país. Temos discutido muito isso com PT, PSOL, Rede e outras legendas menores que precisam ter o direito de existir para garantirmos a expressão democrática da diversidade que existe no país. Estamos fazendo esse debate para que se mantenham os partidos com ideias para o Brasil.

PCdoB na Câmara – Quais as dificuldades que vocês estão encontrando?
Luciana
– Há a resistência dos partidos que ou preferem manter o status quo, o sistema eleitoral injusto, ou piorar a representação na Casa.

PCdoB na Câmara – Há quem diga que pode não haver 2018 e ocorrer golpe militar no país. É exagero ou pode acontecer isso mesmo?
Luciana –
Não acredito que isso esteja na ordem do dia como perspectiva. Já tivemos uma experiência muito negativa de autoritarismo no país. O que há é uma crise política com contornos de crise institucional que precisa ser enfrentada. Precisamos de uma saída pela política. Há um desequilíbrio do sistema de poder no país com um protagonismo muito grande dos órgãos de controle do sistema de poder no país que desequilibra. O Judiciário, os órgãos de controle e com poder de investigação que querem ter papel político acima do equilíbrio conquistado, desde os tempos da República. Precisamos restabelecer isso. Se permanecermos neste caminho, poderemos restabelecer o autoritarismo. Quando você nega a política, as soluções sempre são extremamente autoritárias e de fascismo até. A nossa grande luta é defender a democracia e fazer valer uma agenda voltada para a retomada do crescimento dos direitos sociais, do emprego. Estamos nos mobilizando dia e noite em torno desses objetivos.

PCdoB na Câmara – Qual é a melhor saída política hoje?  O que dá para colocar no lugar do golpista Temer?
Luciana –
Temos de fortalecer a vontade popular. Não há nada que substitua a soberania do voto. Precisamos buscar alternativas, como a antecipação de eleições. Não sabemos exatamente a saída jurídica, mas qualquer saída política tem de passar por um certo pacto de partidos comprometidos com a agenda do país. É insuportável este projeto de desnacionalização, de desmonte do Estado brasileiro e de retirada de direitos. Temos de estancar isso. Em pouco mais de um ano, tivemos acréscimo de 2 milhões de desempregados. Ameaças à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Querem modificar mais de 100 artigos. São medidas avassaladoras que contrariam a vontade popular. Só é possível porque não passou pelo crivo das urnas.

PCdoB na Câmara – Qual é a proposta concreta do partido para a reforma política?
Luciana –
Queremos um fundo eleitoral público para garantir o enfrentamento da influência do poder econômico. Precisamos de um sistema eleitoral que respeite a vontade popular. Alianças e coligações são importantes, ajudam na construção política, pode haver união em torno de uma mesma plataforma de país. O financiamento público e o respeito à proporcionalidade do voto. Temos de barrar a agenda do desmonte. Isso só se faz com ampla mobilização de rua, atuando em todas as frentes de luta. Precisamos de reação.

PCdoB na Câmara – É possível aprovar uma reforma política democrática?
Luciana –
Toda equação que se tem de reforma política tem muitos defeitos e interesses contrariados. Não é à toa que até hoje não conseguimos fazer uma reforma política democrática, ampla, que enfrente a crise de representatividade do Congresso. Hoje temos a representação refletida nos grandes partidos que não têm interesse em mudar o status quo das regras que levaram a essa representação injusta. Não é simples. Negociações se dão muito no terreno de resistência, de reduzir danos. Essa tem sido nossa tônica nas construções políticas.