Após a reunião, o ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, registrou o fracasso de Washington

O embaixador do Irã junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Kazem Gharib Abadi, afirmou que seu país quer manter o acordo nuclear “se todas as partes cumprirem suas obrigações”. A declaração foi feita ao semanário alemão Die Zeit após a reunião de emergência do conselho de governadores do órgão, em Viena, na quarta-feira (10), que discutiu o impasse.

“O que estamos fazendo tem apenas um objetivo: queremos preservar o tratado nuclear”, disse o enviado do Irã. Ele acrescentou que “tudo pode ser revertido em uma única hora – se todos os nossos parceiros no tratado cumprirem suas obrigações da mesma forma”

A reunião foi realizada a pedido dos EUA, sob o pretexto das violações do acordo por Teerã, o que foi considerado pelo presidente Hassan Rouhani como “uma triste ironia”, já que foi Trump quem primeiro se retirou – e unilateralmente -, impôs sanções e ameaça todos que o cumprem.

Após a reunião, o ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, registrou o fracasso de Washington e destacou que os EUA não estão em condição de levantar questões sobre o cumprimento do acordo. Já o Irã honrou o acordo inteiramente “por 15 relatórios da AIEA” e suas ações “são legais sob o artigo 36 do acordo”.

Na semana passada, após ser brutalmente submetido durante um ano às sanções extraterritoriais do regime Trump, que rasgou o acordo negociado e assinado pelo antecessor Barack Obama, e diante da inação da Europa, o Irã se viu forçado a anunciar medidas para que os demais signatários se comprometam de fato, e não apenas por declarações pomposas, com o acordo.

Advertiu, ainda, que, enquanto isso não ocorrer, a cada 60 dias tomará uma nova ação. Ou seja, até que sejam restaurados pelas demais partes os benefícios econômicos para o povo iraniano, previstos expressamente no acordo.

O que significa especialmente manter o comércio com o Irã e as importações de petróleo iraniano, de que o país depende para comprar tudo que precisa e ainda não produz, de maquinário a produtos químicos e certos tipos de remédios.

O acordo, de 2015, foi assinado pelos cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança – EUA, Grã Bretanha, França, Rússia e China -, mais a Alemanha, com o Irã, depois de três anos de conversações, e consagrado por resolução do Conselho de Segurança. Dez anos antes, o atual conselheiro de segurança John Bolton, então embaixador de W. Bush na ONU, sabotou e impediu que um acordo fosse fechado, e agora busca manter Trump dentro do mesmo delírio.

As medidas iranianas são uma consequência de, em maio último, Trump ter encerrado as isenções que permitiam que os oito principais importadores de petróleo iraniano continuassem adquirindo o produto sem serem sancionados também, colocando a implementação total do “zero de petróleo iraniano” na ordem do dia e ameaçando com guerra.

Em suma, Trump decidiu matar de fome o povo iraniano, para ver se fica mais fácil a CIA promover outro golpe, ou se o Irã se rende.

Não faz sentido o Irã ser o único que cumpre tudo o que está no papel, enquanto as demais partes – a três potências europeias – se omitem diante das sanções de Trump. China e Rússia mantém suas relações com o Irã e o apoio ao país.

A primeira medida de retaliação, a ultrapassagem do limite de urânio levemente enriquecido de 300 quilos, sequer viola as normas rotineiras do sistema de Não-Proliferação, que estabelece apenas que haja notificação à AIEA. Na segunda-feira, o Irã ultrapassou o limite de enriquecimento de urânio de 3,67% para 4,5% – ainda muito, muito aquém dos 90% para uma arma nuclear.

Do ponto de vista dos interesses do povo iraniano, o acordo de 2015 consistiu em que, em troca do fim das sanções, Teerã aceitou as mais rígidas restrições ao programa nuclear de um país já impostas, mais do que é exigido como regra comum na Não-Proliferação.

INAÇÃO

Então, até semana passada, só o Irã é que cumpria tudo religiosamente. Na prática os três signatários europeus, França, Grã Bretanha e Alemanha, cessaram de fazer sua parte, já que suas empresas se retiraram do Irã e foi interrompida a compra de petróleo iraniano, para não chocar com o “zero de exportação de petróleo” de Trump.

Sob a política de máxima pressão de Trump , as sanções dos EUA atingem qualquer entidade – país, banco ou empresa – que negocie com o Irã e o país não pode usar o sistema internacional de pagamentos Swift.

O anunciado mecanismo Instex, que supostamente daria suporte às empresas europeias para evitarem o dólar e as sanções extraterritoriais, praticamente não saiu do papel e está limitado a algumas transações humanitárias.

Nas últimas semanas, também aumentaram as provocações contra o Irã, como os incidentes contra petroleiros no Golfo Pérsico, as ameaças de guerra de Trump e as incursões sobre espaço aéreo iraniano, uma das quais resultou na derrubada de um drone do Pentágono. Episódio em que Trump piscou primeiro.

Washington teve ainda a petulância de incluir o aiatolá Ali Khamenei, máxima autoridade estatal e religiosa do Irã, em uma de suas listas negras. A Grã Bretanha sequestrou um superpetroleiro iraniano diante de Gibraltar, atendendo a pedido norte-americano.

A China responsabilizou “a pressão máxima exercida pelos EUA sobre o Irã” pela escalada, assinalando que Washington não apenas se retirou unilateralmente do acordo, mas também criou “mais e mais obstáculos para que o Irã e outros implementassem o acordo, por meio de sanções unilaterais e jurisdição de braços longos”. Apenas “a implementação efetiva do acordo” debelará a crise, apontou Pequim.

As sanções incapacitantes de Washington também têm sido repudiadas pela Rússia, que vem aconselhando o Irã a fazer o possível para se manter dentro do acordo.

Um enviado do presidente Macron se reuniu em Teerã com o governo Rouhani por dois dias e há a expectativa de uma reunião dos signatários do acordo, para buscar caminhos para a superação do impasse. Até agora, ninguém invocou a convocação do mecanismo de dirimição de divergências previsto no acordo.

A má fé dos que criticam o Irã por defender seus direitos dentro do acordo os leva a escamotear que até mesmo a decisão de ultrapassar o limite estabelecido de urânio levemente enriquecido se deveu a que Trump baniu com nova sanção as exportações iranianas de urânio e água pesada de baixo rendimento para fora do país, o que era feito desde 2015. Ao exportar o excedente, o Irã se mantinha dentro do limite; sem ter como exportar, a ultrapassagem foi mera consequência da sanção de Trump. O acordo reduziu em 2015 o estoque de urânio do Irã de 10.000 quilos para 300.