Surto de influenza provoca lotação de hospitais em cidades brasileiras
O Brasil corre o risco de começar o ano de 2022 com duas epidemias simultâneas, a de Covid-19 e a de gripe (influenza A), alertam especialistas. A epidemia de gripe que assola o Rio de Janeiro já se alastra por outros centros urbanos como São Paulo, São Luís e Salvador, como revelou o último Boletim InfoGripe da Fiocruz, da última quinta-feira (9).
Alguns fatores podem explicar o cenário de disseminação da gripe. Infectologistas apontam como causas do alastramento da doença o relaxamento das medidas restritivas contra o novo coronavírus (que também reduziram a circulação de outros vírus respiratórios, como o da gripe), a baixa cobertura vacinal contra a influenza e o grande número de pessoas vulneráveis ao vírus.
De acordo com o levantamento, houve um número maior de casos positivos para testes de Influenza do que para Covid-19 nos locais em questão. Os dados levam em consideração o período entre os dias 28 de novembro e 4 de dezembro. A pesquisa também apontou crescimento de casos da síndrome entre todas as faixas etárias abaixo de 60 anos em todo território nacional.
Segundo o boletim, de 2020 até a mais nova edição publicada, foram reportados 1.703.956 casos, sendo que quase 995 mil são referentes ao ano epidemiológico de 2021.
Destes, 70,3% apresentaram resultado laboratorial positivo para algum vírus respiratório. Do número, 96,4% dos diagnósticos eram coronavírus.
Em São Paulo, por exemplo, a infectologista e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Nancy Bellei, explicou a cidade já conta com um número de casos por Influenza A maior do que o esperado, o que caracteriza uma situação epidêmica, durante uma entrevista à rádio CBN.
Bellei é coordenadora do núcleo de testagem para Covid-19 e Influenza A no Hospital São Paulo e conta que desde novembro tem crescido o número de pacientes contaminados pelo vírus da gripe. ‘Tem semanas que a gente não tem nenhum paciente internado com Covid-19 e da semana passada para essa, por exemplo, nós tivemos 15 pacientes hospitalizados com Influenza A H3N2’, afirma.
A infectologista explicou também as causas do surto da gripe no Rio de Janeiro e que, agora, aparenta ganhar forma em São Paulo: ‘no momento que você tem um relativo controle da Covid-19 é que as pessoas começam a ter também maior mobilidade, redução do uso de máscaras e esses vírus voltam a circular’.
Ainda, São Paulo, São Luís, Salvador, entre outros locais demonstram uma tendência aos aumentos de casos para a gripe.
Especialistas explicam que, ao longo de 2020, o Sars-CoV-2 dominou o cenário. Praticamente, não foram registrados casos de gripe durante o ano. A partir do segundo semestre de 2021, no entanto, com o avanço da vacinação contra a covid, outros vírus respiratórios começaram a reaparecer. Foi o que ocorreu com o sincicial, o bocavírus e, o influenza no mês passado.
No Rio, o vírus da gripe se espalhou rapidamente. Nas últimas três semanas foram registrados 23 mil casos na cidade, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Normalmente, a gripe aparece entre os meses de abril e julho, na passagem do outono para o inverno. Na época mais fria do ano, as pessoas tendem a ficar mais próximas umas das outras e em ambientes fechados. Essas atitudes facilitam a transmissão dos vírus respiratórios. Uma epidemia de gripe às vésperas do início do verão é totalmente atípica.
“O Sars-CoV-2 deslocou a sazonalidade de todos os vírus respiratórios, um fenômeno muito intrigante, então ninguém foi exposto”, afirmou o infectologista Márcio Nehab, do Instituto Fernandes Figueira e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Além disso, de 2015 para cá tivemos uma queda muito significativa dos níveis de cobertura vacinal, o que foi ainda mais agravado com a pandemia”.
Pesquisadores acreditam que o H3N2 (vírus da gripe) em circulação no Brasil veio do Hemisfério Norte, que está perto do inverno. Ao chegar, encontrou baixa cobertura vacinal e o relaxamento das medidas de prevenção. Com maior controle da Covid-19 nos últimos meses, houve queda no uso de máscaras e aumento de circulação de pessoas e aglomerações. Tudo isso facilitou a disseminação da gripe, com características epidêmicas.
Outro fator que favoreceu o avanço da gripe foi o baixo índice de imunização atingido pela campanha de vacinação deste ano.
Segundo o Ministério da Saúde, menos de 80% do público-alvo (crianças, idosos e grávidas) tomou a vacina. O ideal seria que superasse 90%. No Rio, a situação foi pior. O indicador ficou abaixo de 60% dos vacináveis. Como na Covid-19, a vacinação antigripal é crucial para prevenir casos graves e complicações que levam a internações.
“Não adianta esperar a epidemia chegar ao seu estado para só então reforçar a campanha de vacinação contra a gripe e os cuidados necessários”, afirmou Gomes, se referindo ao restante do País. “Ainda mais nesse período do ano em que temos muitas aglomerações em centros comerciais, mercados públicos e festas.”
Embora a gripe seja menos agressiva que a Covid-19, ela é considerada uma doença grave, relacionada a uma alta taxa de hospitalizações e mortes. Os casos graves de covid, que chegam aos hospitais, têm uma mortalidade de 25%, contra 12% e 15% nos casos graves de influenza. Segundo a OMS, cerca de 650 mil pessoas morrem por ano no mundo vítimas de complicações relacionadas ao vírus da gripe.
“A gripe é menos letal do que a Covid-19, felizmente, mas está longe de ter uma mortalidade baixa”, frisou Gomes. “É importante mantermos o trabalho de conscientização, sobretudo com as festas de fim de ano, para evitar um cenário de entrarmos o novo ano com duas epidemias simultâneas.”