STF proíbe denúncias contra vacinas pelo “Disque 100”
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, determinou que o governo federal deixe de utilizar o serviço Disque 100 como meio de denúncia para constrangimentos realizados contra pessoas que não se vacinaram contra a Covid-19, e passe a utilizar o serviço apenas para as suas funções institucionais.
A decisão de Lewandowski foi concedida em respostas a uma ação levantada pelo partido Rede Sustentabilidade questionando a utilização do canal de denúncias para receber queixas de pessoas contrárias à vacina da Covid-19. O Disque 100 é uma ferramenta de denúncias criada pela União para amparar vítimas de violência doméstica e familiar.
O ministro também determinou que o governo altere duas notas técnicas — uma do Ministério da Saúde e outra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que desestimulam a vacinação infantil. As notas das pastas do governo ressaltam a não obrigatoriedade da vacina.
Em seguida, Damares Alves iniciou uma campanha para orientar a população não vacinada a utilizar o serviço. A Rede entrou então com um pedido no Supremo para que as notas fossem revogadas, alegando que tal medida era uma política de desestímulo à vacinação por parte do governo federal.
“O abuso precisa ser, infelizmente e uma vez mais, contido, notadamente com a prolação de decisão judicial para que o governo ajuste suas condutas àqueles preceitos mais fundamentais da Constituição: direito à saúde, direito à vida, princípio da maior proteção às crianças e aos adolescentes”, argumentou a Rede.
Para o partido, “a posição do governo durante o enfrentamento da pandemia, e mais especificamente na vacinação de crianças, afronta princípios da Constituição Federal, a Lei aprovada pelo Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal”.
Lewandowski acatou o pedido da Rede. “As referidas Notas Técnicas, ao disseminarem informações matizadas pela dubiedade e ambivalência, no concernente à compulsoriedade da imunização, prestam um desserviço ao esforço de imunização empreendido pela autoridades sanitárias dos distintos níveis político-administrativos da Federação”, declarou na decisão.
O ministro aponta ainda que o conteúdo das notas técnicas está em desacordo com o que já era entendido pelo STF, que considera constitucional “a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares imposta àqueles que se negam, sem justificativa médica ou científica, a tomar o imunizante ou a comprovar que não estão infectadas”.
Na decisão individual, Lewandowski destacou que crianças e adolescentes têm direitos e que cabe ao STF preservá-los.
“Crianças e adolescentes são, portanto, sujeitos de direitos, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e destinatários do postulado constitucional da ‘prioridade absoluta’. A esta Corte, evidentemente, cabe preservar essa diretriz, garantindo a proteção integral dos menores segundo o seu melhor interesse, em especial de sua vida e saúde, de forma a evitar que contraiam ou que transmitam a outras crianças […] a temível Covid-19 “, escreveu.
O ministro também salientou a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no sentido de que a vacinação desta faixa da população é obrigatória.
“Especificamente no que tange ao tema da vacinação infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) é textual ao prever a obrigatoriedade da ‘vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades’, estabelecendo penas pecuniárias àqueles que, dolosa ou culposamente, descumprirem ‘os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda” dos menores'”, escreveu o ministro.
Respaldo científico
Lewandowski frisou ainda que, havendo base técnica e científica, o governo federal é obrigado a disponibilizar vacinas, incentivar a imunização em massa e evitar agir para desestimular a vacinação contra a doença.
“Havendo respaldo técnico e científico – como se viu acima – , e tendo em conta que a vacinação da população é hoje o principal instrumento de controle da pandemia, levando, comprovadamente, a uma significativa redução das infecções e óbitos, penso que cabe ao Governo Federal, além de disponibilizar os imunizantes e incentivar a vacinação em massa, evitar a adoção de atos, sem embasamento técnico-científico ou destoantes do ordenamento jurídico nacional, que tenham o condão de desestimular a vacinação de adultos e crianças contra a Covid-19, sobretudo porque o Brasil ainda apresenta uma situação epidemiológica distante do que poderia ser considerada confortável, inclusive em razão do surgimento de novas variantes do vírus”, escreveu o ministro.
O ministro também fez críticas às notas técnicas dos ministérios. Lewandowski disse que os documentos transmitem “mensagem equívoca” quanto à obrigatoriedade da vacinação “em meio a uma das maiores crises sanitárias da história do País” e “acaba por desinformar a população, desestimulando-a de submeter-se à vacinação contra a Covid-19”.
“As referidas Notas Técnicas, ao disseminarem informações matizadas pela dubiedade e ambivalência, no concernente à compulsoriedade da imunização, prestam um desserviço ao esforço de imunização empreendido pela autoridades sanitárias dos distintos níveis político-administrativos da Federação, contribuindo para a manutenção do ainda baixo índice de comparecimento de crianças e adolescentes aos locais de vacinação, cujo reflexo é o incremento do número de internações de menores em unidades de terapia intensiva – UTIs em 61% em São Paulo”, escreveu o ministro.