O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quinta-feira (28), por oito votos a um, que o crime de injúria racial se equipara ao racismo e, por isso, é imprescritível. Com isso a punibilidade não pode ser extinta e o crime pode ser julgado a qualquer tempo, independentemente da data de quando foi cometido.

O único ministro a votar contra a definição foi Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro.

Com esse entendimento, o Supremo confirma a jurisprudência da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O julgamento começou em dezembro de 2020 e foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. A análise do habeas corpus 1542.48 voltou à pauta do plenário na quinta-feira.

Os ministros seguiram o entendimento do ministro Edson Fachin, que negou o habeas corpus de Luzia Maria da Silva. Ele defendeu que o crime de injúria racial é uma espécie de racismo. De acordo com a legislação brasileira, são imprescritíveis apenas os crimes de racismo e de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Na visão de Fachin, o crime de injúria racial emprega elementos associados à raça, cor, etnia, religião ou origem para se ofender ou insultar alguém. Nesses casos, há ataque à honra ou à imagem alheia, com violação de direitos, como os da personalidade, que estão ligados à dignidade da pessoa humana.

“A injúria racial consuma os objetivos concretos da circulação de estereótipos e estigmas raciais ao alcançar destinatário específico, o indivíduo racializado, o que não seria possível sem seu pertencimento a um grupo social também demarcado pela raça. Aqui se afasta o argumento de que o racismo se dirige contra grupo social enquanto que a injúria afeta o indivíduo singularmente. A distinção é uma operação impossível, apenas se concebe um sujeito como vítima da injúria racial se ele se amoldar aos estereótipos e estigmas forjados contra o grupo ao qual pertence”, afirmou no voto.

Dessa forma, para o relator, a injúria é uma forma de ocorrência do racismo e significa exteriorizar uma concepção “odiosa e antagônica” mostrando que é possível “subjugar, diminuir, menosprezar alguém em razão de seu fenótipo, de sua descendência, de sua etnia”. Fachin considerou possível enquadrar a conduta tanto no conceito de racismo já empregado pelo STF quanto nas definições internacionais.

“A atribuição de valor negativo ao indivíduo, em razão de sua raça, cria as condições ideológicas e culturais para a instituição e manutenção da subordinação, tão necessária para o bloqueio de acessos que edificam o racismo estrutural. Também ampliam o fardo desse manifesto atraso civilizatório e tornam ainda mais difícil a já hercúlea tarefa de cicatrizar as feridas abertas pela escravidão para que se construa um país de fato à altura do projeto constitucional nesse aspecto”, complementou.

Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luiz Fux acompanharam Fachin.

“Existe um sentimento de inferiorização que as pessoas racistas querem impor às suas vítimas e não podemos permitir que se aplique prescrição em um caso que demonstra que o agressor pretendeu inferiorizar a sua vítima, ofendendo-a em virtude de ser negra. Isso é gênero racismo, espécie injúria racial, consequentemente imprescritível”, disse Moraes durante o voto.

A única divergência foi do ministro Nunes Marques, que tinha votado ainda em dezembro de 2020, data do início do julgamento. Em seu entendimento, o racismo e a injúria racial são condutas diferentes e que a imprescritibilidade da injúria racial só pode ser implementada pelo Poder Legislativo. Assim, para Nunes Marques a prescrição não pode ser interpretada de forma extensiva.

O ministro Gilmar Mendes não estava presente na sessão e, portanto, não votou.

A empresária Luzia Maria da Silva foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) por ter ofendido uma frentista de um posto de combustíveis, chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”. A prática foi enquadrada como crime de injúria qualificada pelo preconceito – artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal.

A defesa de Luzia recorreu ao STJ. Durante a tramitação do recurso especial, ela pediu a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva, pois já haviam transcorrido mais de quatro anos sem que houvesse o trânsito em julgado da condenação. O recurso foi negado pela 6ª Turma do STJ, que asseverou que o crime de injúria racial é imprescritível e inafiançável. O mesmo pedido foi apresentado ao Supremo.

A defesa de Luzia defende que a conduta de ofender alguém, mesmo em relação à cor da pele, não é crime de racismo. Sustenta, ainda, que Luzia tinha mais de 70 anos na época da sentença e, portanto, teria direito à redução do prazo prescricional pela metade de acordo com o Código Penal.