“Soviéticos salvaram a Europa e o mundo da escravização”, diz Putin
O presidente russo Vladimir Putin saudou “a coragem e firmeza dos heróis do Exército Vermelho e dos trabalhadores da frente interna, que não só defenderam a independência e a dignidade de nossa pátria, mas salvaram a Europa e o mundo da escravidão”, em artigo para o semanário alemão Die Zeit por motivo dos 80 anos do traiçoeiro ataque hitlerista à União Soviética e início da Grande Guerra Patriótica no dia 22 de junho de 1941.
Ele enfatizou que é “sagrada a memória dos heróis que lutaram contra o nazismo” e advertiu que “todo o sistema de segurança europeu se degradou significativamente” e sobre a ameaça de nova corrida armamentista na Europa, em meio à expansão para leste da Otan, “essa relíquia da Guerra Fria”.
Putin lembrou com gratidão “nossos aliados na coalizão anti-Hitler, os participantes do movimento de resistência e os antifascistas alemães que trouxeram nossa vitória comum para mais perto”.
Ele destacou ainda que “apesar das tentativas de reescrever as páginas do passado que estão sendo feitas” hoje, a verdade é que os soldados soviéticos vieram à Alemanha “não para se vingar dos alemães, mas com uma nobre e grande missão de libertação”.
Chamando a uma “interação honesta e construtiva”, Putin salientou que “toda a história do pós-guerra da Grande Europa confirma que a prosperidade e a segurança do nosso continente comum só são possíveis através dos esforços conjuntos de todos os países, incluindo a Rússia” – aliás, o maior país da Europa e de inseparável ligação cultural e histórica com o resto do continente.
O presidente russo conclamou os parceiros europeus a debaterem a proposta de Moscou de criação de “um espaço comum de cooperação e segurança do Atlântico ao Pacífico, que englobaria vários formatos de integração, inclusive a União Europeia e a União Econômica da Eurásia”.
Em abril, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, se referiu à proposta como uma “Eurásia de paz, de Lisboa a Jacarta”.
Em Moscou, Putin colocou flores no Túmulo do Soldado Desconhecido e marcou a “dolorosa e trágica data” em que a Grande Guerra Patriótica começou há 80 anos.
“Os bisnetos daqueles que se levantaram em defesa de nossa Pátria nos primeiros minutos após o traiçoeiro ataque nazista de 1941 já cresceram, mas este dia, 22 de junho, continua a evocar indignação e tristeza nos corações de todas as gerações, revivendo a dor pelas vidas mutiladas de milhões de nosso povo, porque as provações que suportaram naqueles anos terríveis ficaram para sempre gravadas em nossa memória”.
“Não era suficiente para o inimigo tomar nossas terras. Veio para destruir nosso povo e transformar os sobreviventes em escravos sem idioma nacional, tradições de seus antepassados ou a própria cultura”.
“Uma resposta a esse mal odioso e feroz foi a unidade espiritual, a solidariedade e o heroísmo em massa do povo soviético. A crença das pessoas no triunfo da justiça e na nossa vitória tinha um poder insondável. Em nome da libertação de nossa pátria, eles resistiram a todas as provações e tribulações, tristeza, sofrimento e morte na linha de frente e na retaguarda, subindo às alturas da coragem e do sacrifício nas chamas das batalhas e durante o trabalho debilitante nas fábricas e plantas. E eles alcançaram uma verdadeira Grande Vitória”.
Vá e veja
Muitas obras literárias e filmes mostraram com maestria a barbárie desencadeada pelos chefes nazistas, cujo plano era exterminar eslavos, tidos como “sub-humanos”, a serem substituídos por colonos “arianos” da “raça superior”. Como apontou Putin, “a história nunca tinha visto um genocídio nessa escala antes”.
“Nosso sangue ainda gela quando lembramos os métodos usados pelos nazistas e seus cúmplices para implementar seus planos mortais e as atrocidades que cometeram contra civis pacíficos – idosos, mulheres e crianças”, ele acrescentou em sua homenagem pela sombria data.
O filme intitulado “Vá e Veja”, dirigido pelo cieneasta russo Elem Klimov, tornou-se um dos mais destacos libelos contra as atrocidades dos invasores nazistas.
No dia 22 de julho de 1941, começava a Operação Barba Ruiva, com 5,5 milhões de soldados alemães e cúmplices, quase 5 mil aviões, 3 mil tanques e 47 mil canhões e morteiros. Era então o exército mais poderoso e experimentado do mundo, para o qual trabalhava o potencial industrial, econômico e militar de quase toda a Europa, e nos primeiros meses os hitleristas conseguiram penetrar em profundidade, mas fracassaram em tomar Moscou.
Já estava então em curso a Grande Guerra Patriótica, convocada por Stalin em seu célebre discurso do dia 3 de julho. Ao contrário da passividade vista em países da Europa Ocidental que caíram diante da tática da blitzkrieg ou da mera chantagem, uma feroz resistência ao invasor se levantou em cada centímetro de chão soviético. Na retaguarda, milhares de fábricas foram evacuadas para além dos Urais, para manter o Exército Vermelho suprido de meios de combate e para atender as necessidades dos civis. Em 1943, as taxas de produção militar da Alemanha e de seus aliados já haviam sido excedidas.
Guerra de extermínio
Do lado nazista, uma guerra de extermínio contra os soviéticos, com inúmeros casos documentados de civis trancados dentro de igrejas e incinerados, execuções sumárias e tortura. Hitler afirmou: “devemos exterminar à população; isso faz parte da nossa missão de proteger a população alemã. Eu tenho direito a suprimir milhões de pessoas de raça inferior, que se multiplicam como vermes”.
No 7 de novembro daquele ano, as tropas soviéticas marcharam do desfile da vitória da Revolução para barrar a ofensiva a Moscou. Leningrado não se dobrou à fome nos 900 dias de cerco. Stalingrado se transformou no símbolo, para os povos do mundo, da resistência e, depois, da virada sobre a besta fera nazista.
Em 1944, com o território soviético libertado, o Exército Vermelho marchou para libertar Varsóvia, Belgrado, Viena e tomar Berlim. No caminho, libertou os campos de extermínio de Auschwitz e fez o mundo saber do Holocausto.
O preço pago pelos soviéticos na guerra que lhes foi imposta pelos nazistas foi de quase 27 milhões de soviéticos perderam a vida nas frentes, nas prisões alemãs, morreram de fome e bombardeios, morreram em guetos e nos campos de extermínio nazistas, relatou Putin. A União Soviética perdeu um em cada sete de seus cidadãos, o Reino Unido perdeu um em cada 127 e os EUA perderam um em cada 320 habitantes.
Em seu discurso sobre os 75 anos da vitória sobre Hitler, no ano passado, Putin se dedicou a rebater parte do revisionismo que impera em certos círculos ocidentais nos dias atuais, com a “reabilitação” de antigos colaboradores do nazismo e tentativas de culpar a União Soviética pela Segunda Guerra, quando se sabia que foram as condições leoninas ditadas pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial e a humilhação nacional que contribuíram para gerar as condições para que o ovo da serpente nazista germinasse.
Ao que se somou depois a indisfarçada tentativa de empurrar Hitler para cima da União Soviética, via política de apaziguamento, que resultou na anexação da Áustria e na ocupação da Tchecoslováquia em 1938, abandonada à própria sorte por ingleses e franceses.
Quando ficou patente que não haveria o tratado de segurança mútua com ingleses e franceses, restou à URSS, então ameaçada de uma guerra em duas frentes – no leste, contra os japoneses -, ganhar tempo com o pacto de não-agressão, quebrado por Hitler no dia 22 de junho de 1941.
A previsão de Stalin de 1931 de que a União Soviética tinha dez anos de sobrevida com a superação do atraso diante dos países imperialistas se confirmara.
Não repetir o passado
Em seu artigo no Die Zeit, Putin advertiu quanto à repetição dos conflitos e erros do passado e convocou ao “objetivo comum e indiscutível” de “garantir a segurança no continente sem linhas divisórias, um espaço comum para uma cooperação equitativa e um desenvolvimento inclusivo para a prosperidade da Europa e do mundo como um todo”.
Contrariamente a essa concepção, desde 1999 seguiram-se mais cinco “ondas” de expansão da OTAN, frisou Putin. “Quatorze novos países, incluindo algumas repúblicas da ex-União Soviética, aderiram à organização, efetivamente destruindo as esperanças de um continente sem linhas divisórias”.
Ele destacou que muitos países foram submetidos a “uma escolha artificial de estar com o Ocidente coletivo ou com a Rússia. Na verdade, foi um ultimato”.
“A tragédia ucraniana de 2014 é um exemplo das consequências a que esta política agressiva conduziu. A UE apoiou ativamente o golpe armado inconstitucional na Ucrânia. Foi aqui que tudo começou. Por que foi necessário fazer isso? O presidente em exercício, Viktor Yanukovych, já havia aceitado todas as demandas da oposição. Por que os EUA organizaram o golpe e os países da Europa Ocidental o apoiaram de coração fraco, provocando uma divisão dentro da Ucrânia e a retirada da Crimeia?”.
Relembrando o papel do início da cooperação econômica russo-alemã na década de 1970, que se desdobra hoje no Nord Stream 2, Putin reiterou que “a Rússia é a favor do restabelecimento de uma parceria abrangente com o resto da Europa”. Entre os tópicos de interesse mútuo, ele incluiu “segurança e estabilidade estratégica, saúde e educação, digitalização, energia, cultura, ciência e tecnologia e a resolução de questões climáticas e ambientais”.