Antonio Costa, dirigente do PS promete “não governar sozinho”, mesmo com ampla maioria

O Partido Socialista (PS), do primeiro-ministro Antonio Costa, conquistou maioria absoluta na Assembleia da República nas eleições de domingo (30) em Portugal, conseguindo 41,68% dos votos, seguido por 27,80% da direita (PSD), num pleito em que as pesquisas de opinião erroneamente asseveravam haver um “empate técnico”.

O PS aumentou sua bancada parlamentar de 108 para 117 deputados, enquanto o PSD viu a sua encolher de 79 para 71.

A outra força da direita tradicional portuguesa, o CDS, que participou com o PSD dos governos da troika, de uma bancada de 5 que tinha, não elegeu ninguém – o que ocorreu pela primeira vez desde a democratização de Portugal. Teve 1,61% dos votos.

O governo Costa também foi beneficiado pelo sucesso no combate à pandemia em Portugal. Analistas apontaram ainda que o PS logrou capitalizar os avanços alcançados na defesa, reposição e conquistas de direitos, que essencialmente resultaram da pressão exercida pelos comunistas e outros setores de esquerda para fazer o governo de Costa se distanciar da herança maldita da Troika (FMI, BC da Europa e Comissão Europeia).

Diante do que as pesquisas sinalizavam, acabou prevalecendo o voto útil, depois de quatro anos de governo da ‘geringonça’ – a convergência entre o PS e as duas principais forças mais à esquerda, os comunistas e os bloquistas, coalizão encerrada com a divergência em outubro do ano passado sobre o orçamento para 2022.

Mecanismo que permitiu, em 2019, ao PS, apesar de minoritário nas eleições de 2019, conseguir se constituir governo graças aos votos do Bloco de Esquerda e do PCP, suplantando a direita conformada pelo PSD/CDS.

O que possibilitou atenuar os efeitos mais deletérios dos anos de arrocho da Troika.

Há que considerar, também, que a campanha do PS conseguiu de certa forma responsabilizar as forças políticas mais à esquerda pela dissolução do parlamento, feita por iniciativa do presidente Marcelo, a seguir à recusa [“chumbamento”, no termo usado em Portugal] à proposta de orçamento para 2022, e, portanto, pelo fim da ‘geringonça’.

O mais afetado foi o Bloco de Esquerda, cuja bancada encolheu de 19 para 5, o que corresponde a uma votação reduzida de 9,52% para 4,46%.

A votação dos comunistas caiu de 6.33% para 4,36%, e a bancada caiu pela metade. O PEV, que sempre concorreu coligado com o PCP, não elegeu nenhum deputado.

O europeísta Livre elegeu um deputado pelo círculo de Lisboa, tal como o ambientalista PAN. Iniciativa Liberal elegeu 8 deputados – tinha 1 – e aumentou sua votação de 1,09% para 4,98%.

Na outra ponta do desmanche da bancada do CDS – que tradicionalmente congrega as viúvas do salazarismo e os neoliberais mais frenéticos – o Chega, de extrema-direita, subiu de 1,29% dos votos para 7,15%, e aumentou sua representação de 1 para 12.

Votação que, porém, ficou abaixo da recebida nas presidenciais do ano passado pelo candidato de extrema-direita André Ventura, que obteve 11,4% dos votos (o conservador Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito por larga margem).

Ainda falta completar a apuração dos círculos de emigração, que correspondem a quatro deputados, geralmente divididos entre PS e PSD.

“Promover consensos”

No seu discurso de vitória, António Costa afirmou que os portugueses “mostraram um cartão vermelho à crise política” e o seu “desejo de estabilidade e segurança”.

Prometeu uma “maioria de diálogo” e promover “os consensos necessários na Assembleia da República e na concertação social”.

Costa anunciou ainda que nos próximos dias se reunirá com todos os partidos – à exceção do Chega, racista e de extrema-direita -, e que formará um governo “mais curto, mais enxuto” com a missão de “reconciliar os portugueses com a ideia da maioria absoluta”.

A questão que se segue é para qual “consenso” Costa direcionará o governo: no sentido da revogação da reforma trabalhista imposta sob a Troika, do aumento do salário mínimo e do salário médio, assim como das aposentadorias, e defesa do Sistema Nacional de Saúde e do desenvolvimento da economia, como vêm reivindicando as forças mais progressistas, ou de marcar passo com o atraso do PSD e a desigualdade.

“Voto útil”

Para o PCP, o resultado eleitoral, a partir de uma extrema promoção da bipolarização, beneficiou o PS, apesar “da sua postura de fuga às respostas necessárias ao País”.

Mas “o aumento geral dos salários como emergência nacional, incluindo o aumento significativo do salário médio e do salário mínimo, a revogação das normas gravosas da legislação trabalhista, a valorização das aposentadorias e dos benefícios sociais, o reforço do Serviço Nacional de Saúde” são questões que seguem em aberto e às quais é urgente responder.

Por sua vez, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, avaliou o resultado de seu partido como “mau” e uma “derrota”.

Ela considerou “bem sucedida” a estratégia do PS de criar “uma crise artificial”, o que, sob as pesquisas que davam a polarização com o PSD, gerou uma “enorme pressão de voto útil”.

Quanto ao resultado da extrema-direita, ela observou que ficou “aquém” da votação de André Ventura nas presidenciais, observando, entretanto, que “cada deputado racista eleito no parlamento português é um deputado racista a mais” e “lá estaremos para combatê-lo”.

Na direita tradicional, o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, pediu demissão após o desastre eleitoral de domingo.

Já o líder do PSD, Rui Porto, que animado pelas pesquisas sonhava em substituir Costa – dizem as más línguas que em alemão -, assumiu a derrota, admitindo, segundo o Diário de Notícias, “não ser capaz de argumentar a favor da sua utilidade à frente do partido no contexto de uma maioria absoluta do PS, abrindo a porta à sucessão na liderança”.

Foi Rui que com toda a pompa, no dia da votação do orçamento em outubro passado, acusara Costa de encabeçar um governo que era “a face do imobilismo e do estatismo que tem condenado o país à estagnação e ao empobrecimento” e o PS de estar “acantonado à esquerda e agarrado ao poder”.