O Senado aprovou nesta quarta-feira (9), por 69 votos a 3, um projeto que restaura as regras para homenagens da Fundação Palmares, possibilitando que personalidades negras sejam novamente reconhecidas ainda em vida.

Em novembro, uma portaria da Fundação Palmares assinada por Sergio Camargo e publicada no Diário Oficial, alterou as regras para seleção e publicação dos nomes e biografias de negros e negras notáveis. A norma passou a admitir apenas homenagens póstumas, ou seja, feitas a pessoas já falecidas.

O projeto que revoga essa alteração ainda será analisado pela Câmara. Se aprovado, vira lei e restaura as regras anteriores , sem precisar passar pela sanção do presidente Jair Bolsonaro.
A portaria começou a valer no dia 1º de dezembro. Um dia depois, a fundação excluiu da lista 27 personalidades. Foram apagados da galeria, por exemplo, os nomes de Gilberto Gil, Marina Silva, Elza Soares, Milton Nascimento, Martinho da Vila, Zezé Motta e Leci Brandão.

Ao ler o relatório, Fabiano Contarato (Rede-ES) se emocionou ao contar que o colega senador Paulo Paim (PT-RS) também foi excluído.

“Nosso nobre colega é notadamente um defensor dos direitos humanos e dos trabalhadores. Foi autor dos projetos que deram origem ao Estatuto do Idoso e ao Estatuto da Igualdade Racial. Também foi coautor do projeto que resultou no Estatuto da Pessoa com Deficiência”, disse o relator.

Para Contarato, o presidente da fundação, Sérgio Camargo, vem promovendo “inúmeros ataques à população negra e à luta antirracista” desde que assumiu o cargo na entidade.
O parlamentar afirmou que Camargo “demonstrou seu desprezo pelo movimento negro brasileiro, negou o racismo estrutural e a própria violência do racismo”.

Paim classificou a publicação da norma como um “gesto irracional”. De acordo com ele, a portaria “nega a luta de séculos do povo negro” pois retira da lista o nome de 27 abolicionistas.
A iniciativa de sustar a portaria foi dos senadores Humberto Costa (PT-PE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Votos contrários

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, é responsável por indicar Sérgio Camargo ao comando da Fundação Palmares, declarou voto contrário ao projeto e defendeu a portaria.

“Voto não a esse projeto. É óbvio que todos nós somos contra racismo e abominamos os racistas. O pano de discussão não tem a ver com a cor da pele. Muitos que estão sendo excluídos da lista voltarão algum dia. Quantos negros conservadores ou ditos de direita existem nessa lista? Citem um. Não tem porque o critério sempre foi político-ideológico”, argumentou.

O parlamentar parabenizou Camargo pela “coragem” e disse que poderia estar sendo “julgado” pela cor de sua pele. “Sonho em viver num país onde as pessoas não sejam julgadas pela cor da pele, como pode estar acontecendo nesse momento agora”, afirmou.

Além de Flávio Bolsonaro, votaram pela manutenção da portaria da fundação Soraya Thronicke (PSL-MS) e Zequinha Marinho (PSC-PA).

Leila Barros (PSB-DF) rebateu o discurso de Flávio. Ela declarou sua “indignação” à fala do senador de que a lista da fundação possuía viés ideológico. Leila, que foi atleta profissional de vôlei de praia, citou as atletas Janeth dos Santos Arcain e Ádria Santos, que tiveram as homenagens revogadas por conta da portaria.

O líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que se viu em uma “situação delicada”. Bezerra avaliou que, como membro do governo, teria de defender a portaria da Fundação. O senador, contudo, orientou pela derrubada da norma, ou seja, a favor do projeto.

No dia da publicação da portaria, Sérgio Camargo argumentou que as mudanças visavam “moralizar” a lista de personalidades negras da Fundação.

“Assinei hoje portaria que moraliza a lista de personalidades negras da Fundação Palmares. O critério de seleção passa a ser a relevante contribuição histórica. Haverá exclusão de vários nomes. Novas personalidades serão incluídas em razão do mérito e da nobreza de caráter”, disse ele por meio de uma rede social na ocasião.

A Fundação Cultural Palmares foi criada em 1988 para promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da Influência negra na formação da sociedade brasileira.

Em junho, em uma reunião gravada, Camargo chamou o movimento negro de “escória maldita”, disse que Zumbi era um “filho da puta que escravizava pretos” e criticou o Dia da Consciência Negra – ele defende um decreto para que a data deixe de ser feriado.