Cessar-fogo em Gaza. Hora de avaliar o prejuízo e tentar seguir a difícil vida na Faixa.

O mundo amanhece nesta sexta-feira 21 de maio com as imagens de milhares de palestinos de Gaza e outras cidades da Palestina ocupada comemorando o cessar fogo negociado no dia anterior com a mediação do Egito, entre a resistência palestina e as forças da ocupação. Os 11 dias de ataques causaram enorme destruição e a vida de 232 palestinos, entre eles 65 crianças, 39 mulheres e 17 pessoas idosas. Do lado israelense, 12 mortos, sendo 2 crianças. Certamente muitas pessoas devem se perguntar se há motivos para comemoração.

Por Sayid Marcos Tenório*

Relembrando que este conflito de maio de 2021 teve início quando colonos judeus-sionistas de extrema-direita apoiados pelas forças militares da ocupação israelense, passaram a atacar o bairro árabe de Sheikh Jarrah, em Jerusalém, praticando invasões, saques, incendiando terras agrícolas, violência física contra palestinos e apropriações ilegais de propriedades. O ponto crucial se deu quando colonos e militares israelenses invadirem a sagrada Mesquita de Al-Aqsa em pleno período do Ramadã, dispararam bombas no seu interior e deram início a um incêndio com o intuído de destruir a Mesquita, no exato momento em que milhares de palestinos faziam a oração do Maghrib, uma das cinco orações obrigatórias no Islã e que ocorre na hora do pôr do sol.

Como forma de apoio e solidariedade aos palestinos de Jerusalém e de que não há separação entre Jerusalém e Gaza, a resistência palestina sediada em Gaza – Hamas e Jihad Islâmica, passaram a disparar foguetes em direção aos territórios ocupados como forma de apoio aos palestinos de Jerusalém. Alguns desses foguetes atingiram os arredores do Aeroporto de Tel Aviv e a cidade de Haifa, no norte de Israel, o que ensejou uma retaliação de Israel com largas proporções, com destruições e centenas de mortos e feridos.

Duas questões são postas e sobre elas gostaria de opinar. A primeira diz respeito ao direito de cada uma das partes em agir de sua maneira no que diz respeito no conflito. Como sempre, os setores que apoiam o regime de apartheid sionista, tiraram da gaveta o manjado conceito de que Israel tem o direito de se defender, jargão repetido pelo presidente Joe Biden, que veio acompanhado da declaração de que os EUA manteriam a ajuda militar anual a Israel no valor de 3,8 bilhões de dólares.(1)

Me somo às vozes que afirmam ser legítimo o direito do Hamas e outras forças da resistência palestina de confrontarem por todos os meios os ataques e a violência do ocupante sionista, mesmo sabendo da assimetria de condições militares para o combate e do alto preço a ser pago por suas investidas contra o inimigo.

Os fatos históricos demonstram fartamente que o agressor tem sido Israel, que praticou ataques assimétricos contra Gaza e as forças do Hamas em 2008/2009, 2012, 2014, 2015, 2018 e o deste ano de 2021, como forma de legitimar a ocupação, expandir ilegalmente o território do chamado “Estado judeu” e destruir a infraestrutura de Gaza, gerando o caos como forma de enfraquecer a resistência palestina que luta há 73 anos pela instauração de um Estado palestino soberano e o retorno dos refugiados expulsos desde 1948.

O Hamas quer destruir Israel ou se defende dos ataques?

O Movimento de Resistência Islâmica surgiu com força perante o olhar do Ocidente, após o resultado das eleições para o Conselho Legislativo Palestinoii, realizadas em 25 de janeiro 2006. O resultado foi surpreendente, tendo o Hamas eleito 76 dos 132 deputados, enquanto o seu maior rival, o Fatah de Yasser Arafat e Mahmoud Abbas, conseguiu 43 cadeiras. A pergunta imediata foi: como o Hamas conseguiu vencer as eleições na Palestina, sendo um movimento quase proscrito e considerado “grupo terrorista” pelos EUA e pela União Europeia?

Podemos afirmar que a vitória do Hamas nas eleições de 2005 e a crescente força que detém na sociedade palestina são decorrentes de um longo trabalho social e político de resistência nas condições da Palestina ocupada, que remonta à sua criação em 1987, e não apenas em decorrência à oposição aos Acordos de Oslo, as divisões internas no Fatah e Autoridade Palestina, ou a sua crescente capacidade de enfrentar o inimigo sionista.

No início de 2017 o Hamas aprovou um novo Programa, declarando-se um movimento nacional palestino, islâmico, de libertação e resistência. E que a sua meta é “libertar a Palestina e confrontar o projeto sionista.” Diz também que a Palestina é um território que se estendo do rio Jordão ao Mediterrâneo, como uma unidade territorial integral. Não há nenhuma formulação no Documento de Princípios Gerais e Políticas do Hamas, sobre a extinção, destruição ou negação da existência de Israel, como alardeiam os sionistas e os seus defensores.(3)

Na nova formulação programática, o Hamas sustenta que Israel não é um Estado normal. Que se trata de um Estado colonial de colonos judeus askenazes, kazares e sefarditasiv com posicionamentos políticos de extrema-direita e islamofóbicos, trazidos da Europa e criado durante e depois da expulsão em massa e expropriação do povo palestino. Desde 1948 até os dias atuais, milhões de palestinos continuam sendo vítimas de ocupação, exílio e dispersão. Para o Hamas, reconhecer Israel efetivamente significaria aceitar o que fizeram ao povo palestino e legitimar todas as reivindicações e mitos sionistas sobre os quais se assenta a criação de Israel.

As agressões de Israel contra a Palestina ocupada que acompanhamos neste mês de maio são parte do projeto colonial europeu denominado pelos palestinos como Nakba, palavra árabe que significa catástrofe, para designar os eventos sinistros que se sucederam após a fundação do chamado estado judeu de Israel, em 15 de maio de 1948.

Não bastasse a expulsões e desenraizamento de mais de 750 mil palestinos, a destruição de 400 vilas e aldeias, após os eventos de maio de 1948, o recém-criado “Estado judeu” passou a deter 78% da Palestina histórica, restando apenas a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza. Lembremos que em novembro de 1947, a ONU de maneira ilegal e injusta autorizou a partilha da Palestina em dois territórios para permitir a criação de um estado judeu.5 Posteriormente a agressão dos seis dias em 1967, Israel avançou sobre os 22% restantes. Daí em diante, o projeto de colonização não parou mais e o seu objetivo final é a completa desenraização e destruição da Palestina.

No que diz respeito a atuação das Forças de Defesa de Israel (IDF na sigla em inglês) nos conflitos mencionados, é gritante a semelhança com os acontecimentos de 1948. Com a diferença atual de que o jovem palestino que enfrentava os tanques do ocupante atirando pedras, responde agora lançando mísseis de precisão, como o Ayyash 250-K, desenvolvidos e fabricados pelo Hamas, graças a assistência do chamado eixo da resistência, frente de luta anti-imperialista formado pelo Irã, Hezbollah libanês, Síria e forças da resistência iraquiana.

Tenho sido questionado por várias pessoas, reclamando de uma suposta incapacidade dos palestinos em negociar com o regime de ocupação, com a tola ilusão de que isso diminuiria a violência de Israel contra palestinos e frearia a expansão da ocupação. No que respondo: de que adianta os palestinos aceitarem novos acordos, como os ineficazes Acordos de Oslo em 1993, se Israel simplesmente os ignora e não os cumpre?

De que adiantam novas decisões chanceladas por organismos internacionais, se elas são obstinadas e ilegalmente ignoradas pelos sionistas? Israel age como se estivesse acima da lei e de toda a comunidade internacional. Vive de acordo com a sua lei da força, onde o mais forte consegue o que quer e passa por cima dos mais fracos, impunemente.

O que resta às forças da resistência palestinas fazer diante do desejo avassalador de um povo oprimido e usurpado há tantas décadas, que continua firma na luta pelo respeito aos seus mais legítimos direitos?

O povo palestino tem o legítimo direito de existir e de resistir a ocupação sionista, ao apartheid e a limpeza étnica, com todas as medidas e métodos possíveis. É totalmente legítima a reação da resistência palestina diante das agressões de Israel, tendo como forças mais destacadas o Hamas e a Jihad Islâmica(6). Essas reações da resistência estão em consonância com a Carta das Nações Unidas(7) e o direito internacional, que asseguram os povos oprimidos o legítimo direito de defesa por todos os meios, sejam pedras ou mísseis, como foi no Vietnam, na Argélia, no Sahara Ocidental, no Iêmen ou na Palestina.

  1.  Informação disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57141776. Acesso em 17/5/2021.
  2. O Conselho Legislativo Palestino é o Poder Legislativo da Autoridade Palestina (AP). Foi criado em 1995 como resultado do Acordo do Oslo II. É um órgão unicameral que inicialmente era composto por 132 membros, que são eleitos num sistema misto que envolve o voto proporcional e o majoritário em 16 distritos eleitorais da Cisjordânia e Faixa de Gaza. A última eleição foi realizada em 2006, quando o Hamas elegeu a maior bancada.
  3. TENÓRIO, Sayid Marcos. Palestina: do mito da terra prometido à terra da resistência. 1ª Ed. – São Paulo : Anita Garibaldi, IBRASPAL, 2019.
  4. BISHARAT, Rasem Shaban Mohama. A história dos Khazares judeus. Portal Brasil de Fato. Disponível em: https://www.diarioliberdade.org/mundo/antifascismo-e-anti-racismo/30577-a-hist%C3%B3ria-dos-khazares-judeus.html. Acesso em: 17/5/ 2021.
  5. TENÓRIO, 2019. Pag 115.
  6. A Jihad Islâmica foi fundada em 1981 por por Fathi Shaqaqi, Abd Al Aziz Awda e estudantes da Universidade Islâmica de Gaza, embora o nome tenha sido formalmente adotado em 1987. Surgiu através da rede da Irmandade Muçulmana na Palestina, mas se transformou em uma organização distinta, influenciada pela Revolução Islâmica do Irã.
  7. A Carta das Nações Unidas é o documento fundacional da ONU e foi assinada por 50 países em São Francisco, em 26 de junho de 1945. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas. Acesso em: 17/5/ 2021

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Sayid Marcos Tenório* é historiador, vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL) e militante do PCdoB.

 

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