Leia o texto originalmente dedicado aos 90 anos do poeta Thiago de Mello. De autoria de Adalberto Monteiro, o discurso foi lido na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, a 15 de março de 2016.

 

Thiago, no poema escrito por ti ao cinquentenário do poeta Daisaku Ikeda, disseste: “Cinquenta anos não são nada para quem põe sua vida na fundação de um milênio.”

Pois bem, poeta, noventa anos não são nada para quem, como você, põe sua vida na fundação de um mundo no qual a civilização triunfe sobre a barbárie.

Por Adalberto Monteiro*

Cá estamos em volta do fogo e quem nos irmanou foi a tua poesia.

Fogo porque as brasas de tuas canções cozem alimentos que nos nutrem a alma; fogo porque o calor de tuas estrofes nos aquece quando o frio e as nuvens sombrias nos ameaçam com o punhal da descrença; fogo porque as labaredas de teus versos espantam as feras e tangem os maus espíritos.

As pessoas entoam tuas canções enquanto hasteiam a bandeira da paz nas arenas da guerra. Tua obra dispara canhões de luz quando as trevas vedam a aurora. Tua poesia é uma pira de esperança que nos impulsiona para o amor e nos ensina a ciência do carinho, a arte da amizade. Tua poesia nos dá couraça ante a chibata da Casa Grande, e nos dá sustança para as batalhas contra a lógica da ganância. Ganância que condena as crianças de tua Amazônia, do nosso Nordeste, ou aquelas cujas residências são as marquises das ruas de São Paulo a dormirem com fome, conforme vociferam teus versos. Uma pessoa que escapou do ferro que lhe sangrava os punhos e uma outra que caía em queda livre no poço da dor e que redescobriram o sentido de viver depois de lerem teus versos, um grupo de jovens que tocavam violam e cantavam à sombra de um ipê florido, me disseram algo que eu preciso te falar, poeta Thiago.

Tua poesia seguirá pelo futuro afora. Um cometa que atravessa o cosmo.

Enquanto o ser humano, pressionado pelo mistério e o drama da existência, empreender indagações sobre o ser e o estar no mundo, tua poesia seguirá lida como quem lê filosofia em versos. Enquanto homens e mulheres tiverem paixão, amor, sexo, as páginas-alcova de teu delicado lirismo amoroso irão acolher amorosos pares;

Enquanto a natureza for destruída pela exploração predatória, enquanto a Amazônia for alvo da cobiça do imperialismo, tua poesia estará nos lábios de moços e moças;

Enquanto os pesadelos sangrarem os olhos dos homens. Enquanto o pão faltar à mesa dos que semeiam o trigo; enquanto a barbárie, senhora das iniquidades, for apresentada maquiada, como uma bela donzela, tua poesia será declamada como quem lê salmos…

Seguirá convocando gerações e gerações para os bons combates e, também, para o abraço. Será falada pela boca apaixonada que se declara; irá se propagar em sussurros pelos cárceres. Faça escuro, faça falsa claridade, tua poesia alimentará a jornada para tornar realidade a utopia da construção da sociedade nova, humanista e solidária.

 

*Adalberto Monteiro, poeta, jornalista e secretário nacional de Comunicação do PCdoB

 

(PL)