Embaixador da Rússia ergue a mão contra resolução que discrimina países em desenvolvimento

A Rússia vetou projeto de resolução do Conselho de Segurança da ONU que, a pretexto de estabelecer um vínculo automático entre ‘ameaça da mudança climática’ e ‘segurança internacional’ e definir tais ameaças como um ‘componente central’ das ‘estratégias de prevenção de conflitos da ONU’ na prática jogava o peso da questão nas costas dos países em desenvolvimento.

O que, no entender da Rússia, na prática abria espaço para intervenções armadas ‘ambientalistas’, a exemplo das “guerras humanitárias” vistas nas últimas três décadas, que infelicitaram vários países.

Como salientou o embaixador russo junto ao Conselho de Segurança, Vasily Nebenzia, a resolução era uma tentativa de transformar um problema científico e socioeconômico em uma questão política, o que está repleto de consequências.

“Posicionar as mudanças climáticas como uma ameaça à segurança internacional desvia a atenção do Conselho das verdadeiras causas profundas dos conflitos em países na agenda do Conselho de Segurança da ONU”, destacou Nebenzia.

“Isso é conveniente para aqueles Estados que contribuíram ativamente para o surgimento de tais conflitos, ou conduziram operações militares contornando o mandato do Conselho de Segurança, ou simplesmente não desejam fornecer a assistência prática necessária ao desenvolvimento de países necessitados”, acrescentou.

A Rússia também registrou que por trás dessa tentativa de impor uma “relação automática” entre meio ambiente e segurança internacional, “há a tentativa de transferir a culpa para os próprios Estados em desenvolvimento e criar uma nova alavanca com a qual você pode ditar sua visão de cumprimento dos compromissos climáticos e, a longo prazo, iniciar a inclusão de virtualmente qualquer país na agenda do Conselho de Segurança para razões climáticas”.

Nebenzya também expressou decepção com a tentativa de lançar este projeto de resolução na clara ausência de consenso dos membros do Conselho de Segurança, quando na cúpula de Glasgow os países com grande dificuldade conseguiram chegar a um acordo sobre como implementar o Acordo do Clima de Paris.

Como sublinhou o embaixador russo, “a agenda do clima deve ter um papel unificador para garantir o sucesso final das ações individuais e conjuntas, e não trazer novos desentendimentos, principalmente para fins políticos”, enfatizou o representante russo.

O que se faz necessário é uma “abordagem abrangente”, reconhecendo a existência de “um complexo entrelaçamento de problemas: as consequências das mudanças climáticas, os desastres naturais, a pobreza e a fragilidade das autoridades locais, a ameaça do terrorismo, que pesa sobre alguns países e regiões. Todas essas situações têm suas especificidades”.

O embaixador russo junto ao CS da ONU também destacou que a situação difícil de muitos Estados, “os mais vulneráveis” em termos de alterações climáticas, está diretamente relacionada com a política colonial do passado dos países ocidentais”. “Eu me dirijo a eles especificamente: é bonito transferir a culpa para os próprios países em desenvolvimento?”, disse Nebenzia.

Segundo ele, o combate às mudanças climáticas e a adaptação às suas consequências negativas são questões de desenvolvimento sustentável, que devem ser tratadas por instituições especializadas, sendo que a principal delas continua sendo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

A maior condenação do veto, sem surpresa, partiu da representante dos EUA. A resolução formalmente foi apresentada pela Irlanda e pelo Níger. Na seqüência, o próprio porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, pôs os pontos nos iiis: “A resolução era de fato completamente inaceitável. E não apenas a Rússia”.

“A agenda do clima não pode ser uma restrição ao direito dos países ao desenvolvimento. [Nem se deve permitir] que essas restrições venham de países que em algum momento prejudicaram consideravelmente o clima, proporcionando-se altas taxas de desenvolvimento e, assim, obtendo uma economia altamente industrializada”.

Índia vota com Rússia

Por sua vez, o chefe da delegação indiana à ONU, TS Tirumurti, considerou o projeto de resolução proposto um retrocesso nos esforços coletivos de combate às mudanças climáticas.

“Esta é uma tentativa de transferir a responsabilidade para um órgão que não trabalha por consenso e não reflete os interesses dos países em desenvolvimento. A Índia não teve escolha a não ser votar contra”, disse ele.

Paralelamente, a Rússia, juntamente com a Índia e a China, apresentou ao Conselho de Segurança da ONU um projeto de resolução sobre a assistência à região do Sahel (territórios da África situados ao sul do Deserto do Saara), situação que causa “a máxima preocupação à comunidade internacional.”

“Nosso projeto, ao contrário do irlandês-nigerino, cobre toda a gama de problemas que a região enfrenta e visa mobilizar esforços internacionais, incluindo financiamento, para fornecer assistência abrangente aos necessitados. Estamos prontos para um trabalho substantivo e construtivo nisso com todos os membros do Conselho de Segurança”, disse a missão permanente russa.