Contratorpedeiro Defender ao invadir águas territoriais russas

Em resposta à provocação no Mar Negro por parte de um navio de guerra inglês, que invadiu águas territoriais russas na véspera e só mudou de curso após tiros e bombas de advertência, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, disse na quinta-feira (24) que a “a inviolabilidade das fronteiras russas é um imperativo absoluto” e acrescentou que, se o apelo “à razão e ao respeito à lei internacional” não bastar, “podemos lançar bombas e não apenas no caminho, mas no alvo, se os parceiros não entenderem de outra forma”.

A inviolabilidade das fronteiras russas – asseverou – será protegida “por todos os meios, diplomáticos, políticos e militares, se necessário”, sublinhou. Foi a primeira vez desde o fim da Guerra Fria que Moscou reconheceu o uso de munição real para deter um navio de guerra da Otan.

A provocação aconteceu perto de Sebastopol, sede da Frota do Mar Negro russa e o único porto de águas quentes da Rússia. Pior, no dia seguinte aos 80 anos da invasão da União Soviética por Hitler e a poucos dias das manobras da Otan “Sea Brezee” no Mar Negro, que ensaiam um ataque à Crimeia.

Ryabkov também sugeriu sarcasticamente que a marinha britânica renomeasse seu contratorpedeiro de ‘Defender’ [Defensor] para ‘Aggressor’ [Agressor] e alertou “àqueles que tentam testar nossa força”, que estão correndo “grandes riscos”.

Após o golpe nazis-CIA em Kiev em 2014, por esmagadora maioria os habitantes da Crimeia aprovaram em referendo, conforme o direito internacional, a reunificação com a Rússia, já concretizada, mas que não é admitida por Washington nem Londres.

O Ministério da Defesa russo divulgou um vídeo mostrando o momento em que um barco da Guarda Costeira russa dava o primeiro tiro de advertência.

Segundo o ministério russo, às 12h06 e 12h08 [hora local], um navio patrulha de fronteira deu tiros de alerta. “Às 12:19, uma aeronave Su-24m realizou um bombardeio de alerta (4 bombas OFAB-250) à frente do curso do HMS Defender. Quatro minutos depois, às 12h23, o contratorpedeiro deixou o território russo”.

Antes, o contratorpedeiro britânico já havia recebido alertas para mudar de curso, que ignorara.

“Se você não mudar o curso para estibordo, eu atirarei”, disse o oficial da guarda costeira ao rádio para o contratorpedeiro britânico, quando este inicia a violação das águas territoriais russas (12 milhas náuticas, 19 km), como registra o vídeo.

Vem o segundo aviso: “Você deve deixar imediatamente o mar territorial da Federação Russa”. Em seguida, o capitão é ouvido dando as ordens, em russo. “Tiros de aviso. NÃO, repito, NÃO acerte o Defender. Confirme, câmbio.”

O chefe da marinha russa, almirante Nikolai Yevmenov, disse na quinta-feira que o movimento do contratorpedeiro britânico foi claramente provocativo, observando que ele ignorou os avisos em uma tentativa de testar a determinação da Rússia.

“Eles vieram ver como agimos”, disse ele a repórteres em São Petersburgo. “E eles apenas reagiram ao poder das armas. Nossa marinha agiu de maneira competente e segura para impedir a provocação.”

Segundo informações, havia também um avião espião americano voando na área para registrar a reação russa. Um internauta resumiu a situação: “os britânicos navegando com um único contratorpedeiro até Sebastopol são como uma única abelha voando sozinha para dentro de um grande ninho de vespas furiosas”.

De sua parte, o governo britânico esmerou-se em um show de cinismo, primeiro negando ter havido os disparos dos tiros e bombas de advertência de parte dos russos – o que já foi desmentido pelo vídeo -, e depois chamando sua provocação de “passagem inocente” por águas internacionais.

Quanto a essa segunda parte, foi um jornalista da BBC, que estava por enorme ‘coincidência’ a bordo do navio intruso, quem desmentiu seu próprio governo. “A tripulação já estava em postos de ação ao se aproximar do extremo sul da Crimeia ocupada pela Rússia. Os sistemas de armas a bordo do contratorpedeiro da Marinha Real já haviam sido carregados”.

Como assinalaram analistas, onde já se viu “passagem inocente” com “sistemas de armas a bordo do contratorpedeira já carregados”? Para o caso de alguém ainda ficar na dúvida, o ‘correspondente de Defesa da BBC a bordo esclareceu que se tratava de “um movimento deliberado para fazer um ponto para a Rússia”.

Na versão do Ministério da Defesa britânico, “acreditamos que os russos estavam realizando um exercício de artilharia no Mar Negro e avisaram previamente a comunidade marítima de sua atividade”. “Nenhum tiro foi direcionado ao HMS Defender e não reconhecemos a alegação de que bombas foram lançadas em seu caminho.”

A mentira seguinte foi do próprio secretário de Defesa britânico sobre o “trânsito de rotina” do HMS Defender, de Odessa em direção à Geórgia. Horas antes, o Defender servira de palco para assinatura de um acordo de Londres com Kiev para construção de oito navios de guerra e para uma base naval no Mar Negro.

“Como é normal para esta rota, [o Defender] entrou em um corredor de separação de tráfego reconhecido internacionalmente” e que “como é de rotina, os navios russos acompanharam sua passagem e foi informado dos exercícios de treinamento em sua vizinhança”, disse Ben Wallace.

Falando ao Comitê de Defesa do Parlamento, Wallace negou novamente o que os russos disseram e provaram com o vídeo. “Essas são as coisas que vêm e vão com a Rússia”, disse ele. “Desinformação, desinformação é algo que temos visto regularmente. Não ficamos surpresos com isso; nós planejamos para isso.”

Ouvido pela agência de notícias Associated Press, o analista militar russo Mikhail Khodaryonok, avaliou que a negação britânica de que a Rússia havia disparado tiros de advertência e lançado bombas para afastar o Defender foi uma “tentativa de salvar a face”.

“Eles não podiam admitir que foram forçados a mudar de rumo, que estavam cientes da ameaça de que armas seriam usadas contra eles”, disse Khodaryonok em entrevista por telefone. “O ex-governante dos mares não podia se dar ao luxo de admitir que se submetia às exigências do lado russo para mudar o curso.”

Em uma conferência internacional de segurança em Moscou, falando antes do incidente, o general Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas, criticou duramente as ações da Otan perto das águas russas.

“Os movimentos dos navios de guerra dos EUA e de seus aliados têm sido claramente provocativos”, disse Gerasimov. Como exemplos, ele citou as violações de águas territoriais russas pelo HMS Dragon em outubro passado, no Mar Negro, e pelo contratorpedeiro americano USS John S. McCain, no Mar do Japão, um mês depois. “Isso cria condições prévias para incidentes e não ajuda a aliviar as tensões na esfera militar.”

Na mesma conferência, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, classificou de “explosiva” a situação na Europa e acusou a Otan de bloquear as propostas russas para aumentar a segurança mútua e que pedem o fim dos exercícios militares perto das fronteiras da Rússia. Ele advertiu que os riscos de confronto estão se tornando “mais perigosos” do que durante a Guerra Fria.