Ronald Ferreira, coordenador da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB: defender o SUS é defender a Constituição

O coordenador da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB, o farmacêutico Ronald Ferreira dos Santos, tratou da importância do Sistema Único de Saúde (SUS) no cenário de uma pandemia como o coronavírus em conversa com o Portal PCdoB na semana passada. Na entrevista, ele ressaltou que apesar do histórico subfinanciamento e do acelerado desmonte nos últimos anos, o sistema ainda se mostra fundamental para o povo brasileiro.

“O problema é a característica da epidemia, no sentido da velocidade do processo de contágio, e isto vai trazer dificuldades. Mas seriam oceanicamente maiores os nossos problemas sem o SUS. Centenas de milhares de vidas serão preservadas por causa da existência dele”, ressaltou.

Na última quarta-feira (25), a Comissão Nacional de Saúde do PCdoB realizou uma plenária pela internet, com a participação da presidenta nacional da legenda, Luciana Santos. No encontro virtual, debateram, a partir do olhar dos profissionais de saúde que militam no partido, as medidas emergenciais que precisam ser defendidas e conquistadas pelo povo brasileiro. Entre os pontos centrais estão aqueles que dizem respeito à defesa intransigente do SUS, como reflete o documento Para o Brasil e para o mundo defender o SUS é defender a Vida!, divulgado no dia 26 de março.

O novo documento se soma a outros, e a campanha que o PCdoB tem feito para que, na medida das possibilidades de cada um, as pessoas permaneçam em quarentena. Este foi o tom, inclusive, da comemoração dos 98 anos da legenda no último dia 25. As respostas à pandemia, somando luta e solidariedade, foram o tema principal do discurso da presidente nacional do PCdoB, Luciana Santos, realizado pela internet. E a marca comemorativa ganhou estampa apelando à reclusão: “fique em casa!” Com vídeo, o PCdoB reforçou a mobilização solidária para proteger o máximo de pessoas  possível contra o novo coronavírus.

A legenda propôs série de medidas emergenciais e a bancada na Câmara, somada à Oposição, comemora vitórias recentes, como a aprovação da renda mínima de até R$ 1200 para as pessoas mais vulneráveis.

A defesa enfática do sistema de Saúde e da lógica do seu funcionamento a partir dos princípios da Constituição, foram parte também de nossa entrevista com Ronald Ferreira, que além de coordenador da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB é presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, órgão colegiado com representantes do governo e da sociedade, que colabora na gestão do SUS. Ele sintetiza que “o quadro [da pandemia] seria desesperador não fosse [o SUS], esta generosa construção de mais de 30 anos, que foi feita por milhares de trabalhadores, gestores, enfim, pelo povo brasileiro.”

Destacamos a seguir outros trechos principais da entrevista:

Lógica da Constituinte

Na opinião de Ronald, o agravamento do cenário de desmonte do SUS no primeiro ano do governo Bolsonaro relaciona-se com a subversão da lógica adotada pela Constituição de 1988. Diferente da organização proposta pelo contrato social brasileiro, a cooperação está sendo substituída pela lógica de mercado, pelo espírito da concorrência.

“Insistem que a virtude do mercado faria com que o país se desenvolva. Isso tem destruído a presença do Estado nas diversas áreas. A reforma da previdência é um exemplo, e a subversão da lógica se aplica também à Saúde. Buscam implementar um sistema pobre para pobre, algo muito diferente do que estabelece a nossa Constituição, que traz a  lógica de todos pra todos”, explicou, ressaltando que o cenário imposto pelo coronavírus mostra a importância da lógica “generosa” adotada pela Constituinte. “O Estado protetor é fundamental”, assevera.

Ronald lembra, para dar um exemplo da importância histórica do SUS, que a ação regulatória para diminuir a quantidade de fumantes, com diversas ações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao longo de décadas, nos ajuda hoje: o tabagismo é um dos itens que agravam quadros de Covid-19 e o Brasil é um país com baixo número de fumantes por causa das ações pioneiras na área.

Avaliação de medidas

“A intervenção do Ministério da Saúde neste momento agudo têm sido positiva, acho que de forma geral são acertadas as medidas e precisam ser reforçadas neste momento. Estou falando das orientações para higiene, isolamento, racionalização dos insumos, inclusive farmacêuticos”, avaliou Ronald Ferreira, ponderando que esta capacidade de organizar a resposta é um legado dos anos de construção do SUS. Vale frisar que o comentário foi feito antes das declarações do presidente Jair Bolsonaro no sentido de acabar com o isolamento proposto por seu ministério da Saúde.

“Acontece que as ações que precisam ser tomadas pelo governo Federal extrapolam a área da Saúde. E como a Saúde está sozinha, o país está à deriva. O ministério se destaca positivamente também porque consegue minimamente fazer um trabalho mais coordenado enquanto os demais não dão conta. Acaba gerando até ciúme dos outros atores do Planalto. Recentemente os jornalistas perguntaram na coletiva de imprensa ao Bolsonaro sobre que avaliação fazia do ministro da Saúde, o Luiz Henrique Mandetta, que sentado a seu lado. Bolsonaro não respondeu. E isto ilustra o desconforto”, ressaltou.

No caso da Saúde, reforçou, o problema não está nas medidas pontuais, mas no passivo dos últimos anos:

“Há três anos o Conselho Nacional de Saúde já definia que era preciso estruturar a rede de laboratórios. Mesma coisa para a assistência farmacêutica: a indicação do CNS sobre a importância de redesenhar o papel das farmácias e do medicamento no contexto da Saúde pública. Este momento materializa a necessidade destas medidas que apontamos e não foram efetivadas na medida devida. Diziam ter a ver com debates filosóficos. Não são, são materiais, concretos”, defendeu.

“Com certeza, se o SUS tivesse ido na direção do que foi elaborado e idealizado nas normas legais, o nível de impacto positivo seria muito maior”, afiança, lembrando que antes mesmo do coronavírus, tudo isto vinha sendo pensado tendo em vista “outros dramas”, como a sífilis, a zika ou a dengue.

“A experiência da estratégia de Saúde da Família, que reorganizou a atenção primária, é outro exemplo do que se perdeu”, comentou Ronald, lembrando que a atenção primária, no território, é fundamental no contexto desta pandemia. “O esvaziamento da ação articulada se deu a partir da tese sedutora de ‘vamos deixar a decisão para o município’, que ignora que a capacidade de disputa do município diante dos atores privados é muito menor do que quando temos os entes federativos somados”, explicou.

Defesa dos trabalhadores

Ronald também tratou da relevância dos profissionais da sua categoria neste momento.

“Os farmacêuticos fazem parte da linha de frente do combate ao coronavírus. Estamos nas farmácias, nos laboratórios, nos hospitais e universidades. O Brasil tem mais de 200 mil farmacêuticos. E estamos tentando buscar fiscalização sanitária e que gestores e empresários garantam o nível de proteção adequado aos profissionais”, informou.

E os farmacêuticos fazem parte do grande conjunto de brasileiros ameaçados pelas medidas que o governo tenta tomar com a desculpa de barrar a crise econômica, agora agravada pela pandemia. Ronald diz serem “absurdo dos absurdos” as propostas de reduzir ou cortar salários de trabalhadores, não só do setor privado, mas também do setor público, diante das consequências econômicas do coronavírus.

“É fundamental enfrentar estas propostas porque parte importante da elite econômica já diz claramente que o funcionalismo público teria que dar sua parte. Editorial recente do O Globo chegava a apelar pela votação da PEC que permite reduzir salário dos servidores públicos e isto em um momento de que mais precisamos de serviço público” comentou.

“O Estado só é capaz de estruturar proteção ao povo e aos que são mais vulneráveis com serviços públicos e com trabalhadores do serviço público: médicos, professores, farmacêuticos, pesquisadores, policiais, e todos os outros. As pessoas que garantem saúde, educação e segurança são estas. É impressionante que mesmo neste cenário insistam nesta tese, como se fosse possível ir ao mercado e comprar proteção. Não adere à realidade: este momento deixa isso claro”, conclui.