Relator Especial da ONU sobre Tortura, Nils Melzer (Foto:Salvatore Di Nolfi/EPA)

Em uma coletiva de imprensa na sede das Nações Unidas em Nova York, em 15 de outubro, o Relator Especial da ONU sobre Tortura Nils Melzer reafirmou e atualizou sua avaliação de maio deste ano de que o editor do WikiLeaks, Julian Assange, foi submetido a uma campanha sem precedentes de perseguição que equivale a “tortura” e que constitui uma tentativa de “linchamento público”.

Mais famoso jornalista sob perseguição do mundo, ao ser jogado indefinidamente na ‘Guantánamo britânica’ para aguardar a extradição pedida por Washington, depois de ali cumprir pena por ter se asilado para escapar da extradição aos EUA e de ter sido arrancado à força da embaixada do Equador, Assange explicitamente está sendo mantido como prisioneiro político a mando do regime Trump.

O que torna Assange tão impalatável para Washington é ter exposto os crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão, o intervencionismo do Departamento de Estado no planeta inteiro e a vigilância em massa e guerra cibernética da CIA. Além de ter ajudado o denunciante Edward Snowden a escapar e rompido o monopólio de informação.

O que fez o secretário de Estado de Trump Mike Pompeo considerar o WikiLeaks um ‘organização de inteligência não-estatal hostil’, ojeriza compartilhada pela antecessora no cargo, Hillary Clinton, que chegou a sugerir silenciar Assange com um ataque de drone.

Apesar da deterioração de sua condição médica, Assange vem sendo mantido em condições de virtual confinamento solitário na prisão de segurança máxima de Belmarsh, sem acesso a computadores e documentos legais necessários para preparar sua defesa.

Seu pai, John Shipton, teme que Assange morra na prisão.

Acompanhado por dois médicos especializados em sequelas da tortura – como relatou na entrevista – Melzer se entrevistou com Assange em maio na prisão. “Chegamos à conclusão de que ele foi exposto a tortura psicológica por um período prolongado”, afirmou o relator da ONU. “Isso é uma avaliação médica”.

Ele enfatizou as recomendações, endereçadas aos governos envolvidos, EUA, Grã-Bretanha, Suécia e Austrália, para que “aliviassem a pressão que estava sendo colocada sobre Assange e, especialmente, respeitassem seus direitos de devido processo” que, em sua opinião, haviam sido “sistematicamente violados em todas essas jurisdições”.

“Nenhum desses estados concordou em conduzir uma investigação, embora seja essa sua obrigação sob a convenção sobre tortura, denunciou Melzer. Ele documentou em cartas ofici ais a esses governos como cada um deles havia pisoteado os direitos democráticos e legais de Assange.

O jurista registrou como alegações falsas de má conduta sexual foram usadas por autoridades suecas para denegrir o nome de Assange e criar um pretexto para sua prolongada detenção na Grã-Bretanha. “Por quase nove anos, as autoridades suecas mantiveram, reviveram e alimentaram consistentemente a narrativa de suspeito de estupro contra Assange, apesar da exigência legal de anonimato, apesar da presunção obrigatória de inocência, apesar da perspectiva objetivamente irrealista de uma condenação, e apesar das evidências contraditórias que sugerem que, na realidade, os reclamantes nunca pretenderam denunciar uma ofensa sexual … ”.

O relator também repudiou a incessante perseguição do Estado britânico ao jornalista, sob o pretexto fraudulento de um pequeno crime de fiança, o que se agravou com a prisão ilegal de Assange pela polícia britânica em 11 de abril e iminente entrega do fundador do WikiLeks aos EUA. Mais recentemente, os juízes britânicos decretaram que Assange permanecerá atrás das grades indefinidamente, apesar de sua sentença de custódia pelos crimes de fiança ter expirado em 22 de setembro.

Melzer alertou que Assange não tem perspectiva de um julgamento justo nos Estados Unidos, sob condições nas quais políticos seniores dos EUA pediram seu assassinato por expor crimes de guerra e complôs intervencionistas norte-americanos. Ele denunciou o governo australiano por não defender Assange, apesar de ser jornalista e cidadão australiano.

Todos os governos envolvidos responderam a Melzer com cartas cínicas em que pleiteavam que a perseguição movida por eles contra Assange era inteiramente legal, apesar do evidente atropelo das mais comezinhas normas do direito internacional e das próprias legislações domésticas.

O silêncio da grande mídia sobre a entrevista de Melzer evidencia a cumplicidade desses órgãos no que o Relator especial tem chamado de “linchamento público” do jornalista e como se prestaram ao papel de caixa de ressonância das calúnias assacadas contra Assange pelo governo dos EUA, seus serviços de inteligência e governos de países satélites.

O apagão sobre a perseguição a Assange é ainda mais impressionante, já que mesmo o New York Times, Washington Post ou o Guardian – cuja conivência contra Assange é notória – reconhecem que, se ele for extraditado da Grã-Bretanha para os EUA, ficará criado um precedente para que jornalistas de qualquer parte do mundo sejam levados aos tribunais dos EUA pelo “crime” de publicar informação verdadeira que o governo norte-americano ocultou ou não quer exposta, e a critério exclusivo e sob leis dos EUA, e em mais um surto de extraterritorialidade da ‘nação imprescinível’. Afinal, Assange é australiano e o WikiLeaks não tem sede nos EUA.

Esses grandes jornais já admitiram publicamente que as 17 acusações da Lei de Espionagem levantadas contra Assange pelo governo Trump representam uma ameaça direta às proteções da liberdade de imprensa da Constituição dos EUA e poderão vir a ser usadas contra outras publicações no futuro – inclusive eles próprios.

Como seguem com a operação abafa, esses órgãos de mídia parecem ser as mais recentes vítimas da síndrome de aprendiz de feiticeiro. Sob o atual tiroteio político em Washington, e com Trump obcecado por mais quatro anos de desvario, até onde essa mídia seguirá correndo tais riscos, só para manter Assange silenciado e suprimir qualquer discussão pública sobre a perseguição a ele, nas vésperas das audiências de extradição de fevereiro do próximo ano?