Os jornalistas Miguel Mora e Lucía Pineda Ubau já tinham sido sequestrados pela Polícia em 2018

Com a contagem regressiva para as eleições presidenciais de 7 de novembro, em que Daniel Ortega tentará se reeleger pela terceira vez consecutiva, a Polícia da Nicarágua prendeu mais um pré-candidato oposicionista, o quinto, em três semanas.

O jornalista Miguel Mora, do Partido da Renovação Democrática (PRD, evangélico), foi detido na noite de domingo (20) acusado de “realizar atos que minavam a independência, a soberania e a autodeterminação do país”, além de “incitar interferência estrangeira em assuntos internos”. A prisão ocorreu tendo como base a lei 1.055, sancionada em dezembro e apontada por órgãos internacionais como dispositivo a serviço de para barrar críticos e opositores de Ortega.

Mora era diretor do agora fechado canal 100% Noticias, atualmente em formato digital. Esta é a segunda vez que ele é detido, após uma primeira prisão em 21 de dezembro de 2018, quando forças do governo invadiram a emissora de televisão e o prenderam junto com sua chefe de redação, Lucía Pineda Ubau. Ambos passaram quase seis meses na prisão, acusados de “incitar o ódio” para promover atos terroristas durante protestos antigovernamentais. Na ocasião, ele foi libertado por meio de uma lei de anistia.

A primeira candidata a ser presa foi a também jornalista Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1996) e de Pedro Joaquín Chamorro, herói nacional assassinado pela ditadura somozista (1934-1979), em 2 de junho. Cristiana agora segue em prisão domiciliar. Igualmente foram detidos o ex-embaixador Arturo Cruz, o acadêmico Félix Maradiaga e o economista Juan Sebastián Chamorro, primo de Cristiana. No domingo (13), haviam sido presos os ex-guerrilheiros sandinistas Dora María Téllez, Victor Hugo Tinoco e Hugo Torres, considerados heróis da revolução sandinista. Além deles, outros nove dirigentes oposicionistas foram presos poucos meses atrás.

Frente ao agravamento da repressão, as representações diplomáticas do México e da Argentina na Nicarágua expediram um comunicado conjunto, nesta segunda-feira (21), anunciando a volta dos embaixadores aos seus países para fazer uma melhor avaliação da situação. O documento afirma que as embaixadas seguirão acompanhando de perto a situação e “promovendo o pleno respeito à promoção dos direitos humanos, das liberdades civis, políticas e de expressão de todas as pessoas”.

Diante das graves ocorrências, o escritor Sergio Ramírez, vencedor do Prêmio Cervantes 2017, denunciou que “a mão desajeitada da injustiça ditatorial na Nicarágua está perseguindo e fazendo reféns mulheres e homens dignos de todas as condições sociais, aterrorizando suas casas”. Ex-vice-presidente durante o primeiro governo de Ortega (1985-1990) e dissidente da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) no poder, Ramírez reiterou que se sentia “totalmente identificado” com pessoas dignas que estão sofrendo por divergir.

O próprio Ramírez, de 78 anos, foi recentemente intimado pelo Ministério Público para depor na investigação de Cristiana Chamorro. Diante dos sucessivos atropelos em curso, o autor premiado de “Castigo Divino” e “Margarita está belo o mar”, entre uma ampla obra literária, lançou um “apelo à solidariedade internacional”.

A Nicarágua se encontra em meio a uma grave crise política, econômica e social, iniciada com os protestos de abril de 2018, quando a violência da polícia e dos paramilitares deixou pelo menos 328 mortos, mais de 2.000 feridos, centenas de detidos e 100.000 emigrantes e exilados, conforme a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).