Presidente da COP26, Alok Sharma, faz a leitura do Pacto de Clima em Glasgow

Encerrando duas semanas de intensos trabalhos, a Conferência das Nações Unidas sobre mudança climática (COP26), que reuniu 197 países, aprovou o Pacto do Clima de Glasgow, que concretizou avanços para zerar o desmatamento até 2030, reduzir a emissão de gás metano e – pela primeira vez – consagrou em documento a meta da descarbonização da economia, ainda que por meio da “redução gradual” do uso do carvão e dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis.

Além de antecipar em três anos a definição de metas por país de redução de emissão de gases de efeito estufa, antes prevista para 2025.

O que, na avaliação do vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, significa que se conseguiu um compromisso e se pode dizer que em termos de aquecimento global até fim do século, se sai da COP26 com “uma oportunidade de ficar bem abaixo dos dois graus e ainda com uma hipótese de ficar em 1,5 graus” – a meta do Acordo do Clima de Paris.

Ele saudou o acordo alcançado no sábado (13), depois de 24 horas de prorrogação da cúpula, como “muito bom”, apesar das idas e vindas, e afirmou que “em política, o perfeito é inimigo do bom”.

Como na COP todas as decisões são por consenso, o enviado especial dos Estados Unidos, John Kerry, seu homólogo chinês, Xie Zhenhua, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, iam e vinham, de um grupo para o outro, discutindo o esboço de texto, registraram as agências de notícias.

Kerry teve de admitir que, se não houvessem aceitado a proposta da Índia – país de 1,3 bilhão de habitantes, com um imenso contingente de pobres e dependente do uso do carvão – de mudar o termo “eliminação gradual” para “redução gradual”, nada iria sair de Glasgow.

“Eles mudaram uma palavra, mas não podem mudar o sinal que sai desta COP, de que a era do carvão está terminando”, disse Jennifer Morgan, diretora executiva do Greenpeace. “Se você é um executivo de uma empresa de carvão, esta COP teve um resultado ruim.”

O Pacto de Glasgow também reiterou o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” no enfrentamento da mudança climática.

Mas nesse terreno os países ricos – e que mais emitiram gases de efeito estufa historicamente e mais se beneficiaram com a industrialização – jogaram duro, como sempre, e pouco se avançou de concreto no financiamento aos países em desenvolvimento para enfrentamento da transição energética, inclusive os US$ 100 bilhões por ano prometidos para 2020 ficaram para “até 2025”.

Apesar de bem intencionados ativistas conclamarem de forma simplista que tem de “dar fim imediatamente” ao uso de combustíveis fósseis, as fábricas precisam funcionar, as pessoas precisam de emprego e transporte, há o aquecimento no inverno e a refrigeração de alimentos, a infraestrutura pública.

Não é só “deixar no solo”, são imprescindíveis novas tecnologias e nova infraestrutura, o que, num mundo extremamente desigual, decorrência do neoliberalismo e especulação que prevaleceu nas últimas décadas, não é nem simples, nem fácil.

O ministro indiano do Meio Ambiente, Bhupender Yadav, argumentou que as nações menos industrializadas, com pouca responsabilidade histórica pelo aquecimento global, têm “direito à sua parte justa do orçamento global de carbono e têm direito ao uso responsável de combustíveis fósseis”. “Como os países em desenvolvimento podem fazer promessas para eliminar os subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis?”, questionou.

Entre as definições aprovadas em Glasgow, está a de que limitar o aquecimento a 1,5 grau requer “reduções rápidas, profundas e constantes nas emissões globais de gases do efeito estufa, incluindo uma redução nas emissões de dióxido de carbono em 45% para 2030, em comparação com o nível de 2010”.

Questões que levaram o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, a considerar que a COP26 “deu passos em frente que são bem-vindos”, mas acrescentou que se trata de “um compromisso” cheio de “contradições”, e que ainda “não é suficiente”. “A catástrofe climática continua a bater à porta”, advertiu.

Na abertura da COP26, o príncipe Charles havia feito uma conclamação aos monopólios privados e aos ‘investidores’ para entrar em pé de guerra no combate à mudança climática: “são trilhões [de dólares], não bilhões”. É disso que se trata quando se fala em mudar a matriz energética no mundo inteiro.

Mas, até para os “bilhões”, anda difícil os países ricos ‘coçarem o bolso’. A oposição ferrenha dos Estados Unidos e da União Europeia impediu a aprovação da proposta dos países em desenvolvimento de criação de um mecanismo de financiamento específico para as “perdas e danos” que a mudança climática já causou às nações pobres, e para as quais é tarde demais para agir ou impossível de se preparar.

“Quando não é realizada mitigação suficiente, entra-se mais no espaço de adaptação, e quando não é feita adaptação suficiente, é preciso lidar com as perdas e danos”, explicou Aiyaz Sayed-Khaiyum, Ministro da Economia e Mudanças Climáticas de Fiji.

As indenizações por perdas e danos são um capítulo especialmente polêmico porque envolvem Estados, grandes multinacionais (como as petroleiras) e seguradoras. “Com um espírito de compromisso, podemos viver com os parágrafos” referidos a esta questão, disse o representante de Guiné, Amadou Sebory Touré, líder do grupo de negociação G77+China, que reúne mais de 100 países em desenvolvimento e emergentes, em sessão plenária.

“Entendemos [que esta linguagem] não reflete nem prejudica a solução que queremos sobre o financiamento de perdas e danos para os mais vulneráveis”, acrescentou.

Outros grupos de países vulneráveis se pronunciaram nesse mesmo sentido. A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS, na sigla em inglês), assinalou que o esboço da declaração inclui avanços em “algumas de nossas prioridades, sem as quais não podemos sair” da conferência. “Estamos muito decepcionados pela ausência de elementos sobre perdas e danos e expressaremos nossas demandas em seu devido momento”, acrescentou a representante do grupo.

O texto possibilita consultas formais para criar fundos estáveis para a mitigação e a adaptação e para estudar os pedidos de indenizações por danos e perdas dos países mais vulneráveis a médio prazo. Mas não define uma data exata, nem valores.

Promessas

O pacto instou os países desenvolvidos a “aumentar urgente e significativamente” seu financiamento de adaptação e pelo menos dobrá-lo em relação aos níveis de 2019 até 2025, a fim de cumprir a meta do Acordo de Paris de financiar cortes de emissões e adaptação igualmente. Também chama os bancos multilaterais a colaborar com a missão e pede “políticas inovadoras” para atrair capital privado.

Em suma, promessas, mas nenhuma garantia. Laurence Tubiana, o arquiteto do acordo de Paris, disse que “a COP falhou em fornecer assistência imediata para as pessoas que sofrem agora”, acrescentando que “perdas e danos devem estar no topo da agenda” para as próximas negociações climáticas globais, que serão realizadas no resort do Mar Vermelho de Sharm el-Sheikh, no Egito, no próximo ano.

O pacto também abordou o artigo 6 do Acordo de Paris, o que institui um mercado especulativo para créditos de carbono, através dos quais poluidores poderiam manter sua poluição, em troca de “esverdear” algum país pobre no hemisfério sul. Segundo Tubiana, o novo texto “fechou algumas das brechas flagrantes, como a contagem dupla” por parte dos países compradores e vendedores. “Mas não é suficiente impedir que empresas e países agindo de má-fé brinquem com o sistema”, garantiu à AFP, insistindo na necessidade de um órgão de controle para supervisionar seu funcionamento.