John Kiriakou, ex-agente da CIA

O ex-agente da CIA, John Kiriakou, em artigo no portal CoverAction debate a denúncia, da Yahoo News, de que a CIA planejou sequestrar e assassinar em 2017 o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, e questiona: serão os perpetradores levados “às barras dos tribunais?”. Ele passou quase dois anos preso por tornar pública a tortura cometida pelos EUA sob W. Bush.

Os autores da matéria revelaram que tinham “mais de 30 fontes independentes na CIA e na Casa Branca de Trump com quem conversaram” e todas contaram “a mesma história”: o então diretor da CIA, Mike Pompeo, ficou tão furioso pela publicação, pelo Wikileaks, do que ficou conhecido como Arquivos Cofre Forte 7, que disse que Assange tinha que morrer.

“A publicação dos documentos do Vault 7 foi a maior perda de dados na história da CIA”. Pompeo e outros oficiais graduados da CIA “estavam com sangue nos olhos”, disse um oficial de contraterrorismo de Trump.

Eles discutiram os planos para sequestrar Assange da Embaixada do Equador em Londres, onde ele estava asilado desde 2012. Alternativamente, falaram em matá-lo.

“Não eram apenas reflexões ociosas. Houve planejamento real envolvido”, enfatizou Kiriakou. “Como a CIA é uma burocracia grande e pesada, há um processo pelo qual ela deve passar, mesmo para uma trama tão estúpida como essa”, afirmou, com conhecimento de causa.

Ele explica que, quando uma pessoa tem uma ideia como ‘vamos matar Assange’, ela vai até um escritório específico “que lida com as operações secretas”, cujos funcionários então “colocam a ideia no papel no formato adequado e a enviam ao Gabinete do Conselho Geral da CIA”.

Aprovada a “ideia” pelo Conselho Geral da CIA, ela segue “para o Escritório de Assessoria Jurídica do Departamento de Justiça (OLC)”, ao qual cabe determinar se a ‘ideia’ “é legal ou não”.

Nesse ponto Kiriakou relembra que foram exatamente os advogados do OLC John Yoo e Jay Bybee que em 2002 viraram tudo de ponta cabeça para asseverar que “o programa de tortura da CIA era legal”, apesar do fato de que as técnicas de tortura que a CIA estava defendendo “haviam sido especificamente proibidas por lei décadas antes”.

Assim, depois que o OLC determinou que “não havia impedimento legal para matar Assange”, o memorando foi enviado à equipe jurídica do Conselho de Segurança Nacional para “comentários e aprovação”. Órgão que funciona como mero carimbador do OLC.

A última etapa no sistema é o Conselheiro de Segurança Nacional assinar o plano e enviá-lo ao Presidente para sua assinatura. “A CIA fica então livre para implementar seu plano”.

Mas não foi isso que aconteceu, salienta Kiriakou: “nenhuma autorização jamais foi assinada”. Ao que parece, “o plano morreu nas mãos do então Conselheiro de Segurança Nacional HR McMaster”, que o achou “uma loucura (ou demasiado arriscado). Nunca chegou a Trump”.

Na semana anterior, o chefe do comitê de inteligência da Câmara, o deputado democrata Adam Schiff, pediu à CIA informações relacionadas ao incriminador relato da Yahoo News.

“Então, aqui estamos, quatro anos depois que a operação foi efetivamente cancelada, e Adam Schiff quer detalhes. Posso adivinhar qual será a resposta da CIA. Eles vão dizer que o plano foi só uma ideia, que passou pelos canais administrativos próprios, que as equipes de advogados o julgaram legal, que os comitês não foram informados porque a operação era de contra-espionagem, e que, no final, nada aconteceu mesmo”.

O que provavelmente, previu Kiriakou, acabará aceito por Schiff “e a história desaparecerá”. No entanto, do ponto de vista do julgamento da extradição ou não de Julian Assange para os EUA, acredita o ex-agente, é inegável a repercussão da denúncia do Yahoo News.

Toda a linha de argumentação dos advogados a serviço de Washington é exatamente a de que Assange não correria qualquer perigo em uma penitenciária de segurança máxima nos EUA.

Nesse ínterim, os supostos sequestradores e assassinos e seus chefes na CIA vão voltar para suas famílias como se nada tivesse acontecido: “é o american way”, complementa.

Kiriakou trabalhou como agente da CIA por 14 anos e liderou a equipe que capturou Abu Zubaydah, membro sênior da Al Qaeda, no Paquistão em 2002. Em 2007, em uma entrevista a uma rede de televisão, três anos após deixar a CIA, ele se tornou o primeiro a reconhecer publicamente que a CIA torturava, que essa era a política oficial dos EUA e que havia sido pessoalmente aprovada pelo presidente W. Bush.

Mas foi o governo Obama que o perseguiu, acusando-o de ‘espionagem’, e acabando por encarcerá-lo por quase dois anos por uma acusação menor forjada. Ele foi solto em 2015. Em entrevista à Al Jazeera na época, Kiriakou afirmou que foi processado porque “expôs a roupa suja da CIA”.

Segundo Kiriakou, Obama era “obcecado por vazamentos mais do que qualquer outro presidente na história, exceto, talvez, Nixon”. “A CIA sabia que eles tinham um amigo em Obama. No passado, a CIA ignorava os vazamentos ou trabalhava nos bastidores para eliminá-los. Mas eles queriam dar um exemplo porque eu os chamei de criminosos”.

“Eu acredito que a tortura é moral, ética e legalmente errada. Temos leis neste país que proíbem especificamente o tipo de técnicas de tortura que a CIA usou contra prisioneiros da Al-Qaeda. Nós apenas fingimos que eles eram legais. Ao mesmo tempo, a CIA matou prisioneiros sob custódia usando essas técnicas. Onde está a justiça para essas pessoas? Eu cheguei à conclusão pessoal de que devemos ser um país governado por uma constituição”, disse o ex-agente.

Ele revelou que a alegação de que a tortura “funcionou” e levou à captura de Khalid Sheik Mohammed, como seguem mantendo muitos republicanos, “é simplesmente mentira”.

“Sim, Abu Zubaydah forneceu essa informação. Mas ele a forneceu ao agente do FBI Ali Soufan antes que a CIA começasse a torturá-lo. Nenhuma dessas informações foi coletada por meio de tortura. Além disso, os líderes da CIA acham que devem justificar seu apoio à tortura. É seu legado”.

“Eu disse [em 2007] que havia duas questões: a tortura era moral, ética e legal? A tortura funcionou? A CIA disse há anos que funcionava – isso era mentira. Nunca foi moral, ético ou legal”.