Famílias de imigrantes do Oriente Médio pernoitam na fronteira de Belarus com a Polônia.

“Não devemos esquecer de onde vieram as crises relacionadas com os migrantes. Será que foi a Belarus que inventou estes problemas? Não, estas são razões que foram criadas pelos próprios países ocidentais, incluindo países europeus. [As crises] são de natureza política, militar e econômica”, afirmou o presidente russo Vladimir Putin, em entrevista ao canal de TV russo Rossiya 24, sobre o impasse na fronteira em que milhares de migrantes e refugiados – na maioria iraquianos, sírios, afegãos e iemenitas – são impedidos por tropas polonesas de ingressar na União Europeia e seguir viagem até à Alemanha, que parecer ser o destino preferido deles.

“Honestamente, quando assisto a isso, em primeiro lugar sinto empatia pelas crianças”, disse Putin. A maneira como os migrantes são tratados na fronteira polonesa – os espancamentos, sirenes e tiros para o ar – não é compatível com os valores humanistas declarados pela União Europeia (UE), observou o presidente russo.

“Ouvimos o tempo todo que as questões de natureza humanitária devem estar em primeiro lugar. Mas agora, quando na fronteira entre Belarus e a Polônia os guardas fronteiriços e efetivos das Forças Armadas polonesas espancam estes potenciais migrantes, disparam por cima de suas cabeças, ativam sirenes e luz à noite nos locais de seu acampamento, onde estão crianças e mulheres em meses finais de gravidez, tudo isso não se encaixa nas ideias humanistas que supostamente são a base de toda a política dos nossos vizinhos ocidentais”, sublinhou o presidente russo.

Putin pediu que haja um entendimento entre Minsk, Varsóvia e Bruxelas para encontrar uma solução humanitária para o caso, que sequer é inédito, vindo se repetir desde que os Estados Unidos, junto com a Otan, devastaram um após outro países que tinham uma condição de vida decente e agora estão em destroços.

“Quero que todos saibam isso. Nós não temos absolutamente nada a ver com isso”, afirmou Putin, sobre as acusações de que haveria mão russa na crise entre Minsk e a UE.

Só em 2015, auge da crise dos refugiados e da guerra à Síria, 1 milhão foram acolhidos na Alemanha. Os migrantes ano após ano variam a rota, seja pelo Mar Mediterrâneo, seja pela Grécia e Bósnia, pelo enclave espanhol de Ceuta e, agora, pela nova rota.

A grande maioria querendo chegar à Alemanha, exatamente como multidões de migrantes se dirigem à fronteira México-EUA, tentando entrar no suposto paraíso na terra.

Aos deslocados pelos 20 anos de guerra sem fim, somam-se ainda os desvalidos dos ajustes neoliberais ordenados pelo FMI sob ordens de Washington.

Este ano, sem alarde e sem acusações a terceiros países, só na Itália entraram 57 mil refugiados, através do Mar Mediterrâneo – quase o dobro do ano passado. Um ex-ministro está sendo processado por impedir a entrada de refugiados.

“Tentam jogar a responsabilidade sobre nós sob o menor pretexto ou mesmo sem pretexto nenhum”, acrescentou o presidente russo, em referência a acusações de que a empresa aérea russa Aeroflot estaria levando gente dos países do Oriente Médio para a Belarus antes de tentarem entrar na Polônia ou Lituânia para pedir asilo. Os voos do esquema são “voos charter”, assinalou.

A consequência de desestruturarem países inteiros com guerras, campanhas de bombardeio, interferência aberta e sanções draconianas, já havia sido alertada pelo líder líbio Muammar Kadhafi, que acabou assassinado por sicários a soldo dos EUA/Otan em 2011.

Botes apinhados de refugiados tomando as águas do Mediterrâneo e depois buscando o caminho que fosse possível para o prometido paraíso nos países ricos.

Agora, a burocracia de Bruxelas e países vassalos de Washington fingem não saber qual a raiz da renovada caravana de fugitivos da fome e miséria rumo aos países centrais ricos, e acusam o “malévolo” Alexander Lukashenko de travar uma “guerra híbrida” contra a União Europeia, usando os refugiados “como peões”.

A Bielorrússia rejeitou tais acusações e culpou a UE pela crise. Minsk disse que as sanções europeias deixaram o país com poucos recursos para o policiamento da fronteira, que teve de priorizar ameaças mais importantes, como o narcotráfico.

Segundo as agências de notícias, as tropas polonesas já ergueram 80 km de arame farpado na fronteira com a Bielorrússia, que tem 400 quilômetros de extensão. Pelo andar da carruagem, vão acabar criando sua própria versão do “muro de Trump”.

Sob um governo de extrema direita que promove abertamente a xenofobia e raivosamente anti-imigrantes, a Polônia tem virado quase um pária na União Europeia por violar tribunais e os direitos femininos, e até poucos dias antes da investida de suas tropas contra os refugiados estava prestes a sofrer sanções sob as normas europeias. Agora, é – momentaneamente – o queridinho de Bruxelas.

Enquanto os holofotes de repente se voltaram para alguns acampamentos de refugiados que querem chegar à Alemanha, as provocações contra a Rússia não param, e no momento navios de guerra dos EUA estão em manobras no Mar Negro, observados, como recentemente observou Putin, “através da mira das nossas armas”. Para acalmar os ânimos dos vassalos ‘atlanticistas’ mais exaltados, dois bombardeiros estratégicos russos TU-160 passearam pelos céus da Bielorrússia.

Trabalho interno

Na entrevista, Putin concordou que o tráfico de pessoas do Oriente Médio para a Europa era um negócio organizado, mas sugeriu que a UE deveria olhar mais perto de casa quanto a seus idealizadores. Como dizem os especialistas no assuntos, os americanos, ‘inside job’, trabalho interno.

“O elo principal estão nos países da UE. Aqueles que estão localizados lá organizam todas essas cadeias. Deixe que seus serviços de segurança e aplicação da lei lidem com eles se estiverem violando suas leis. Mas tenho a impressão de que é bastante difícil fazê-los dar conta lá, porque se olharmos as legislações nacionais dos países europeus, eles não estão violando nada”, destacou.

Putin expressou esperança de que a UE e a Bielorrússia consigam superar suas diferenças e negociar uma solução viável para o problema. Ele reiterou que sua simpatiza com a situação dos requerentes de asilo e lamentou que as preocupações com seu bem-estar parecessem ter sido deixadas de lado em meio ao confronto entre Bielorrússia e seus vizinhos.

Ele declarou ainda que as autoridades policiais e serviços secretos europeus devem trabalhar, nas questões da imigração, com os países de onde os migrantes querem ingressar na UE, incluindo a Bielorrússia.

Teoricamente, o presidente bielorusso pode ordenar o corte do trânsito de gás russo para a Europa, embora isso seja uma violação do contrato, comentou Putin, manifestando a esperança de que não chegue a esse ponto.

Unicef denuncia

O Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, repudiou a “terrível situação das crianças que buscam asilo na Europa e nas fronteiras” e mencionou relatos de crianças vivendo em péssimas condições, “sendo obrigadas a voltar ou sendo detidas nas fronteiras do leste da União Europeia”.

A UNICEF denunciou que tais medidas violam a Convenção dos Direitos da Criança e condenou o uso da força, pois “viola a lei internacional e coloca a vida das crianças em risco, sem nem levar em consideração o que é de melhor interesse para os menores”.

Por sua vez, a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU e ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, classificou de “intolerável” o impasse na fronteira e se disse “chocada com o grande número de refugiados e de migrantes” sem receber proteção adequada.

Para ela, o envio de tropas para as fronteiras e a retórica pesada apenas aumentam “a vulnerabilidade e os riscos para refugiados e migrantes.” Pela a lei internacional – sublinhou -, nenhuma pessoa deveria ser proibida de buscar asilo em outros países.