“Eu absolutamente não vejo como um embargo de gás acabaria com a guerra", admite o chanceler Olaf Scholz

Em meio à histeria contra a operação russa de ‘desnazificação e desmilitarização da Ucrânia” e apesar de toda a pressão movida pelo governo Biden, os países da União Europeia ainda não conseguiram uma posição unificada sobre o embargo do petróleo e gás russo, como fez a Casa Branca e Boris Johnson.

Agora, foi o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz que aderiu ao coro de “embargo, agora não”, após reações de empresários e trabalhadores alemães contra a medida.

“Embargo, hoje, não”, afirmou Scholz à revista Der Spiegel, apontando que a questão é “evitar uma dramática crise econômica e a perda de milhões de empregos e fábricas que nunca mais abririam suas portas”.

“Isso teria sérias consequências para nosso país, para toda a Europa, e também afetaria severamente o financiamento da reconstrução da Ucrânia”, acrescentou, apontando que a Alemanha “não pode deixar isso acontecer”.

“Eu absolutamente não vejo como um embargo de gás acabaria com a guerra. Se [o presidente russo Vladimir] Putin estivesse aberto a argumentos econômicos, ele nunca teria começado essa guerra louca”, disse ele, defendendo sua decisão de não acabar com as importações alemãs de gás russo.

“Paz social em risco”

Anteriormente, havia sido o ministro da economia, Robert Habeck, que dissera que “um embargo imediato ao gás colocaria em risco a paz social na Alemanha”.

Em comunicado conjunto na semana passada, a principal federação sindical alemã, DGB, metalúrgicos, e a Confederação das associações de empregadores alemães (BDA), sublinharam que “um rápido embargo de gás levaria à perda de produção, paralisações, uma maior desindustrialização e a perda de longo prazo de postos de trabalho na Alemanha”.

O comunicado conjunto foi assinado pelo líder sindical Reiner Hoffmann e pelo presidente da BDA, Rainer Dulger.

Ainda mais direto foi o executivo-chefe da BASF, a maior fabricante de produtos químicos do mundo, Martin Brudermuller, que advertiu que “o fornecimento de gás russo tem sido até agora a base para a competitividade da indústria alemã”.

Ele também alertou que caso a Europa opte por entregas de gás liquefeito dos EUA isso desencadeará, na forma de preços de energia significativamente mais altos, um “desafio para a competitividade da indústria alemã e europeia”.

O diretor do Instituto de Economia Alemã de Colônia, Michael Hüterezki, em entrevista ao jornal Welt am Sonntag, alertou que a recusa ao gás russo provocaria uma paralisação significativa da produção na Alemanha . Ele ressaltou que a situação com a indústria e os problemas no mercado de trabalho serão “mais graves do que durante a pandemia”.

As instalações de armazenamento de gás da Alemanha estavam, no dia 19, apenas 29% cheias. Quanto ao petróleo russo, o governo alemão disse que planeja eliminá-lo gradualmente até o final do ano e a maioria das importações de gás russo até meados de 2024.

O frenesi pelo embargo do gás e petróleo russos intensificou-se após a provocação na pequena cidade de Bucha, em que “limpeza de colaboracionistas russos”, executada pelo Batalhão Azov, foi maquiada, ao estilo das encenações dos ‘Capacetes Brancos’ na Síria, para acusar as tropas russas, que haviam se retirado quatro dias antes de os cadáveres aparecerem.

E sem investigação, sem testemunhos e sem julgamento, a Rússia foi imediatamente declarada “culpada”. No dia 7 de abril, a União Europeia aprovou o corte do carvão russo – a partir de agosto.

Por razões óbvias, desde então as conversações para decretar o embargo do petróleo e gás russos não conseguiram andar. As 27 nações da UE obtêm cerca de 40% de seu gás natural da Rússia e cerca de 25% de seu petróleo. O gás natural seria o mais difícil, dizem analistas de energia, já que a maior parte vem por gasoduto da Rússia e os suprimentos de gás liquefeito, que podem ser encomendados por navio, são limitados em meio à forte demanda mundial.

O presidente francês, Emmanuel Macron, alertou que a Europa pode enfrentar sérias consequências no próximo inverno se impuser um embargo ao gás russo. “Não veremos as consequências disso [sanções] na primavera e no verão de 2022 [à medida que os estoques de gás foram reabastecidos], mas no próximo inverno, sentiremos se não houver mais gás russo”, disse Macron ao jornal Ouest-France.

Macron sugeriu anteriormente que a questão das sanções contra o petróleo e o gás russos poderia ser colocada em uma agenda, “mas não hoje”.

Por sua vez o primeiro-ministro italiano Mario Draghi deu a entender que a Europa pode estar enfrentando uma escolha entre ar condicionado no verão e ajuda para a Ucrânia.

De acordo com o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, citado por Le Figaro, os países membros estão discutindo “várias opções” de sanções ao fornecimento de petróleo e gás Russos, “mas não há unanimidade em nenhuma delas”.

“Até onde eu sei, neste momento não há nenhuma proposta na mesa sobre petróleo e gás. Há muitas considerações, muitas propostas que são estudadas”, disse Borrell na quinta-feira.

Já o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, reconheceu que há “resistência e preocupação” entre os membros da UE sobre a própria ideia da proibição. A Hungria já anunciou que não apoiará sanções contra o petróleo e gás russos.

Inflação na UE: 7,5%

Como registrou a Associated Press, “apesar das amplas sanções econômicas contra bancos e indivíduos russos, a UE continua enviando cerca de US$ 850 milhões por dia para a Rússia em busca de petróleo e gás, mesmo quando os governos da UE condenam a guerra na Ucrânia. As empresas intensivas em gás incluem produtores de vidro, metais, cerâmica e produtos químicos. Autoridades do setor dizem que o gás natural seria difícil ou impossível de substituir no curto prazo”.

Acrescenta, ainda, que o petróleo bruto russo “seria mais fácil de substituir do que o gás, mas que um boicote ainda levaria a preços de energia mais altos que atingiriam consumidores que já enfrentam inflação recorde na UE de 7,5%”.

A própria secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, disse na quinta-feira que uma proibição completa da UE às importações russas de petróleo e gás acabaria causando mais mal do que bem.

“Na verdade, isso pode ter muito pouco impacto negativo na Rússia, porque, embora a Rússia possa exportar menos, o preço que obtém por suas exportações aumentaria”, disse Yellen após se reunir com autoridades ucranianas em Washington, segundo a AFP.