O diretor institucional da Precisa Medicamentos, Danilo Trento, enviou para um lobista da empresa um “passo a passo” de como o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, iria atuar em um processo de contratação realizado entre junho e julho de 2020.

Danilo Trento enfatizou que o processo deveria acontecer “a toque de caixa”. Nas mensagens, ele chamava Roberto Dias de “Bob”.

As mensagens estão no relatório de um inquérito feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) e já estão de posse da CPI da Pandemia. Elas foram obtidas pelo jornal O Globo.

A Precisa Medicamentos foi a empresa que atuou como atravessadora na venda de 20 milhões de doses da Covaxin, que está sendo investigada pela CPI por conta da denúncia feita pelo funcionário do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, de que havia um esquema de corrupção.

Danilo enviou para o lobista Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria o “passo a passo”, como ele próprio chamou, no dia 5 de junho de 2020. A negociação era para vender 12 milhões de kits de reagentes para exames de Covid-19.

Danilo Trento disse que “Bob está lá no MS [Ministério da Saúde]. Estava indo agora a pouco ao gabinete do ministro”, que era Eduardo Pazuello.

“Boa tarde. Só pra vc compreender que a equipe lá dentro está afinada, aguardando o Bob avocar o processo, veja como ficaria o passo a passo”.

A seguir, o “passo a passo” da atuação de Roberto Dias dentro do Ministério da Saúde, que Danilo Trento enviou para Albernaz (Dividimos os parágrafos para facilitar a leitura).

“Essa é arquitetura ideal para prosseguir. 1. Bob avoca o processo que está na Dinteg [Diretoria de Integridade] (pode alegar a necessidade de revisão de atos);

“2. Dinteg devolve sem manifestação;

“3. Bob determina que a análise deve ser feita nos termos do projeto básico, de acordo com a ordem das empresas apresentadas pela área técnica, que avaliou a especificação técnica do produto;

“4. A área técnica da DLOG [Departamento de Logística] solicita dos 06 (seis) primeiros classificados pela SAPS [Secretaria de Atenção Primária à Saúde] (última manifestação datada de 06/5), em até 02 (dois) úteis improrrogáveis e de caráter desclassificatório, a apresentação da amostra de 100 testes;

“5. A DLOG analisa quem está devidamente habilitado e desclassifica as empresas que não atenderam a entrega da amostra e os documentos de habilitação;

“6. A DLOG realiza o julgamento e a classificação final”.

“Isso tudo a toque de caixa, pois a fundamentação da desclassificação dos concorrentes que estão à frente já montamos já está com o time de dentro”, continuou.

O lobista Marconny Albernaz encaminhou as mensagens para o ex-secretário executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também pode ter atuado para destravar a compra.

Ele também tem conversas com um contato chamado “Max”, que é Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos. Marconny diz que aquela era a “arquitetura ideal para o processo dos kits” que deveria ser realizada por “Bob ou sucessor”.

Apesar dos esforços da Precisa Medicamentos e de Roberto Dias, a compra não foi à frente.

As mensagens demonstram que a empresa já tinha contato com Roberto Dias quando fechou contrato de 20 milhões de doses de Covaxin com o Ministério da Saúde, em fevereiro de 2021.

Nessa aquisição, Roberto Dias pressionou seu subordinado, Luis Ricardo Miranda, para assinar uma invoice enviada pela Precisa Medicamentos que tinha graves irregularidades, entre elas o pagamento adiantado para uma empresa que não era citada no contrato e que tinha sede em um paraíso fiscal.

Luis Ricardo Miranda percebeu que havia algo de errado naquele processo e, através de seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), se reuniu com Jair Bolsonaro para mostrar as irregularidades e sua suspeita do esquema de corrupção.

Bolsonaro ouviu o servidor e sua denúncia, mas resolveu acobertar seus aliados e não levou o caso para a Polícia Federal, o que, pelo menos, configura crime de prevaricação.

Durante a reunião, Jair Bolsonaro falou para os irmãos Miranda que aquilo era “coisa do Ricardo Barros (PP-PR)”, líder de seu governo na Câmara dos Deputados, porque Barros já tinha participado de um golpe junto com a empresa irmã da Precisa, a Global Saúde, quando foi ministro da Saúde.