Atatiana Jefferson tinha 28 anos, formada em Biologia e funcionária de uma empresa farmacêutica. (Foto reproduzida e redes sociais)

Atatiana Jefferson, uma jovem negra que estava em casa brincando de videogame com o sobrinho de oito anos, foi morta a tiros por um policial branco em Fort Worth, na região metropolitana de Dallas, Texas, ao chegar à janela para ver o que estava ocorrendo.

O assassinato ocorreu menos de um ano depois de outro negro, Botham Jean, na vizinha Dallas, ser morto em casa quando assistia tevê, por uma policial branca, Amber Guyger, que morava no mesmo prédio, errou de andar e entrou no apartamento errado, cuja porta estava entreaberta. Botham, de 26 anos, era contador e analista da PWC.

Atatiana – que a família chamava carinhosamente de Tay – foi morta por volta de três horas da manhã de sábado (12), sendo que o policial não se identificou, gritou do lado de fora da janela e atirou menos de um segundo depois, conforme determinou um especialista que analisou o vídeo da conduta no ato.

Diante da comoção causada por mais este assassinato com farda, de indisfarçável conotação racista, o policial Aaron Dean renunciou à função, ficou detido por três horas e depois foi liberado sob fiança.

A família da jovem de 28 anos está exigindo que a investigação não seja feita pela força policial local e acionou o advogado de direitos civis Lee Merritt, que também representa os familiares de Jean. A entidade anti-racista NACCP pediu uma investigação independente.

Um vizinho de Atatiana, James Smith, de 62 anos, que percebera às duas horas da manhã uma porta entreaberta na casa em frente e luzes acesas, havia telefonado para a polícia pedindo que dessem uma verificada.

Tratava-se de uma chamada não emergencial para uma verificação de bem-estar, mas foi enviada uma força do tipo swat com cinco a dez policiais, como denunciou Merritt.

Ao jornal Star-Telegram, Smith se mostrava desolado: “Se eu não tivesse chamado a polícia, ela ainda estaria viva”.

Preocupado com o fato de que a vizinha, dona Yolanda, mãe de Tay, que sofre de problemas cardíacos, poderia estar sofrendo uma emergência, já que a porta não costumava ficar aberta, Smith havia ligado para pedir a verificação do bem-estar dela.

O ex-agente Dean é acusado de assassinato, disse o chefe de polícia interino de Fort Worth, Ed Kraus. Segundo ele, o policial violou as políticas do departamento sobre “o uso da força e a conduta excessiva e não profissional”. O FBI foi acionado quanto a possíveis violações de direitos civis.

As imagens gravadas pela câmera do agente mostram dois policiais andando em silêncio pela lateral da casa visada até o quintal. Eles inspecionam duas portas que estão abertas com portas de tela fechada. As luzes dentro de casa estão acesas, mas ninguém é visível lá dentro. Os policiais não dizem nada ou batem nas portas.

Então Dean se aproxima da janela, berra “Levante suas mãos! Mostre-me suas mãos!” e atira quase imediatamente.

“Estou chocado”, relatou o vizinho, que mora na mesma casa há meio século e conhecia as vizinhas da frente. “Por que [os policiais] tiveram que entrar assim?”, acrescentou, esclarecendo que em seu telefonema nada dissera sobre ser um assalto, só pedira uma olhada.

A questão se torna mais gritante diante do assassinato há dias de Joshua Brown, testemunha chave para a condenação no início de outubro da policial Guyger, a 10 anos de prisão.

Vizinho de Botham Jean, ele viu tudo pelo olho mágico da porta. Brown foi morto a tiros dois dias após a condenação de Guyger. A polícia atribuiu a morte dele a um suposto “negócio de drogas” que “deu errado”, negou qualquer conexão com o caso Guyger e prendeu dois suspeitos.

Merritt, que também foi acionado pela família de Brown, descreveu Tay nas redes sociais como uma “bela mulher pacífica”, que estudava para ingressar na faculdade de medicina e já era formada em Biologia. Ela trabalhava em casa vendendo equipamentos farmacêuticos. “Justiça”, exigiu o advogado.

Em entrevista ao programa Democracy Now, comandado pela jornalista Amy Goodman, Merrit fez questão de descartar que a morte de Tay tenha sido “um incidente de má sorte” e lembrou que o Departamento de Polícia de Fort Worth está entre “os mais mortais dos Estados Unidos”. Ele pediu que o Departamento de Justiça “entre e dê uma olhada consciente nas políticas e procedimentos que permitiram que algo como essa tragédia acontecesse”.

Para Merritt, a área de Dallas-Fort Worth está vivendo um “momento Selma”. As pessoas começam a perceber que a cultura de policiamento está fora de controle. “Não vamos permitir que achem bodes expiatórios ou inventem desculpas ou justificativas. Todos nós estamos percebendo, coletivamente, que existe um problema mais profundo que está mais enraizado no racismo, que está mais enraizado em uma cultura que permite muita brutalidade sem responsabilização”, apontou.

Ele assinalou que é preciso haver “mudanças significativas a longo prazo, e isso não acontecerá por osmose. As pessoas terão que sair para as ruas e lutar por isso. Eles vão ter que aparecer nas urnas e lutar por isso”. O advogado acrescentou que “isso não vai parar com a condenação desse policial, porque percebemos, com a condenação de Amber Guyger, que isso simplesmente não será suficiente para resolver o problema, porque, dias depois, os corpos começaram a se amontoar novamente”.

Como destacou Amy, reproduzindo a declaração do pastor Kiev Tatum: “[Se fosse] o único, eu acho que nós poderíamos dizer: ‘Ei, você sabe, um erro é um erro’. Mas vamos voltar a 2009, quando Michael Jacobs foi morto com 55 [choques] a Taser em uma ‘verificação de bem-estar’. Estamos falando de “Ra Ra” Thomas, que estava levando os filhos para o aniversário deles. A polícia o puxa e atira 12 vezes no carro. Estamos falando de Kevin Goldstein, que estava indo para a loja, atingido mais de 12 vezes, baleado na frente e nas costas. Estamos falando de tantos outros. Desde o dia 20 de maio de 2019, tivemos 10 tiroteios envolvendo a polícia, com mais de sete [das vítimas] afro-americanas e as últimos três com menos de 30 anos”.