Procurador-Geral da República, Augusto Aras

Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) relata a importância do poder de requisição, ferramenta que a Procuradoria Geral da República (PGR) quer tirar das mãos da Defensoria Pública.

No levantamento inédito, 77,7% dos defensores responderam que as requisições contribuíram para a redução de judicialização dos casos. Os dados foram coletados no período de 29 de outubro a 5 de novembro deste ano e ouviu 1.152 defensoras e defensores públicos. Os resultados serão levados ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A Corte começou a julgar, na semana passada, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.852, que questiona o poder de requisição das Defensorias Públicas. O caso é relatado pelo ministro Edson Fachin.

O poder de requisição das Defensorias Públicas tem previsão na Lei Complementar 80/1994 e permite à Instituição requisitar a qualquer autoridade pública certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e todas as providências que considerar necessárias para o andamento célere e efetivo de processos e defesa da população vulnerável.

No entendimento de Aras, esse poder configuraria um “desequilíbrio processual” em relação a advogados privados ou públicos. Já a Defensoria Pública defende que o instrumento é imprescindível para que a população vulnerável tenha seu acesso garantido à justiça, conforme preconiza a Constituição Federal. A ferramenta costuma ser usada pelo órgão para acesso a documentos, informações, certidões junto à administração pública, em atendimentos individuais ou coletivos, acompanhamento de políticas públicas e promoção de direitos humanos.

Em função da iniciativa da PGR, o Condege fez um relatório, após colher respostas de 1.152 defensores e defensoras, entre os dias 29 de outubro e 5 de novembro. Uma das conclusões foi que o poder de requisição é essencial para melhorar a eficiência do sistema judicial, pois 77,7% dos defensores afirmaram que a ferramenta evita judicializações. Ou seja, as informações obtidas já são suficientes para orientar a população antes mesmo de levar um caso à justiça.

Segundo o estudo, 55,8% das defensoras e defensores emitem de 10 a 50 ofícios de requisições por mês, o que representa de 10 a 30% dos documentos produzidos em atuações. Outros 97% consideram o poder de requisição muito importante, e 89,4% disseram que fazem uso dessa prerrogativa “sempre” ou “frequentemente” durante a atuação. Em ordem, as áreas que mais fazem uso das requisições são cível, família, criminal, saúde, fazenda pública, infância e juventude, consumidor, execução penal, violência doméstica e direitos humanos.

“É também um atesto da contribuição da medida para todo o sistema de Justiça do país, impactando positivamente e de forma direta na redução de processos judiciais em tramitação ao garantir o acesso à Justiça aos necessitados sem, necessariamente, provocar o Poder Judiciário por meio de ações e outras medidas judiciais”, conclui o relatório do Condege.

Caso a Defensoria perca essa prerrogativa, pedidos de documentos públicos, como em cartórios ou no INSS, teriam que ser judicializados, o que atrasaria a celeridade da justiça, explica Eduardo Kassuga, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef).

“Desde a pandemia, realizamos 2.8 milhões de atendimentos. Imagina ingressar com 3 milhões de ações a mais só para pedidos de documentos, e saber, então, se a pessoa tem ou não direito a uma ação. Justamente quando a luta é para deixar a justiça mais eficiente. Não é racional”, disse Kassuga.

O estudo foi realizado com o apoio de todas as Defensorias Públicas nos estados e organizado em formato de relatório pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ). Foi motivado a fim de se apresentar um diagnóstico nacional sobre o poder de requisição e os efeitos do exercício dessa prerrogativa para a celeridade do Poder Judiciário, redução de custos do processo e defesa efetiva dos direitos humanos.

Auxílio

Durante a pandemia, a Defensoria Pública da União (DPU) passou a ser muito demandada para ações relacionadas ao pagamento de auxílio emergencial, o que mostra o caráter do trabalho dos defensores, de garantir acesso à justiça para pessoas de baixa renda.

Segundo os dados da própria DPU, de 7 de abril de 2020 a 28 de fevereiro de 2021, foram instaurados 154.433 Processos de Assistência Jurídica para tratar das demandas envolvendo o Auxílio Financeiro Emergencial e o Auxílio Financeiro Residual. O tema do auxílio também representou 598.010 atendimentos no período.

Além da própria Defensoria Pública da União (DPU), entidades começaram a se manifestar em defesa do dispositivo. Até o momento, já entraram com pedidos de “amicus curiae” no processo da ADI o Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais, a Associação dos Defensores Estaduais, a Anadef e o PT.

Houve também manifestações públicas em apoio, como do Bloco de Defensores Públicos Oficiais do Mercosul e da advocacia do Senado.

Para Carlos Eduardo Gonçalves advogado criminalista e presidente do Instituto de Proteção das Garantias Individuais (IPGI), a perda da prerrogativa do poder de requisição é uma “violação ao princípio da isonomia e o próprio acesso democrático à justiça”.

“Pode gerar um grande retrocesso na defesa dos vulneráveis e hipossuficientes”, afirma Gonçalves, que discorda da acusação da PGR de que a ferramenta represente um desequilíbrio processual. “A prerrogativa de requisição e a própria atuação da defensoria colocam os vulneráveis em igualdade de condições e isso não prejudica em nada a atuação de advogados particulares. Pelo contrário: é a própria efetivação de uma sociedade mais igualitária no acesso à justiça daqueles que são hipossuficientes”, continuou.