Cinquenta e dois pesquisadores ligados à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), pediram renúncia coletiva de suas funções na diretoria de avaliação do órgão, nesta segunda-feira, 29.

Em uma carta aberta enviada à direção órgão ligado ao Ministério da Educação, responsável por avaliar os programas de pós-graduação de mestrado e doutorado no país, os servidores atribuem a decisão pela demissão coletiva pela falta de apoio e respaldo nas pesquisas por eles desenvolvidas.

O grupo formado por 6 coordenadores e 46 consultores são das áreas de Matemática, Probabilidade e Estatística e de Física e Astronomia. Para conduzir as avaliações dos cursos de pós, são montadas comissões em cada uma das 49 áreas do conhecimento de avaliação da Capes. Em cada uma delas, são convocados, por meio de um processo público, três coordenadores que trabalham por um mandato de quatro anos. Esses coordenadores, por sua vez, contratam consultores especialistas em suas áreas para auxiliar.

Na área de Matemática/Probabilidade e Estatística, além dos três coordenadores, havia 28 consultores. Na área de Astronomia/Física, eram os três coordenadores e 18 consultores. Todos eles pediram renúncia.

Com isso, as áreas de Matemática, Física e Astronomia da Capes ficam sem pesquisadores para avaliação dos programas de pós. A Capes terá de reestruturar as equipes que fazem a avaliação nessas duas áreas, porém, até o momento, o órgão ainda não se manifestou.

“Gostaríamos de poder trabalhar com previsibilidade, respeito aos melhores padrões acadêmicos, atenção às especificidades das áreas e, principalmente, um mínimo respaldo da agência. Tais condições não têm se verificado nos últimos meses”, afirmam os pesquisadores da Matemática que assinam um dos documentos, divulgado nesta segunda-feira (29).

A função desses pesquisadores é definir a nota de cada um dos programas de pós-graduação na avaliação quadrienal conduzida pela Capes.

A cada quatro anos, a Capes avalia esses cursos em todo o Brasil. Essa avaliação é crucial para monitorar as pós-graduações – a avaliação pode levar, por exemplo, ao descredenciamento de instituições que deixam de atingir os critérios de qualidade. Também serve de parâmetro para a liberação de bolsas de pesquisa.

Em setembro deste ano, uma decisão da Justiça Federal suspendeu a avaliação quadrienal da Capes, sob justificativa de que houve mudança na forma de aplicação dos critérios de ranqueamento dos cursos de pós-graduação.

O cronograma da Capes previa a divulgação dos resultados entre o fim de dezembro e início de janeiro do ano que vem.

Para os pesquisadores que pediram renúncia, não houve vontade da Capes em defender a retomada da avaliação.

“Isto ficou patente nas várias manifestações da presidência e contrasta fortemente com os posicionamentos favoráveis à retomada da avaliação vindos de diversas entidades”, escrevem os coordenadores da Matemática.

“Chama-nos a atenção que a recente tentativa de suspensão da liminar tenha sido apresentada pela Capes sem qualquer urgência, apenas depois de dois meses”, continuam os pesquisadores.

Para o grupo, “é quase impossível” que a avaliação quadrienal seja retomada em um futuro próximo. “Tampouco nos é evidente que a avaliação, se de fato ocorrer, atenderá aos padrões de qualidade que a área preconiza”.

Os pesquisadores também criticam o edital de abertura de novos cursos, em meio à paralisação da avaliação quadrienal. Segundo Roberto Imbuzeiro, um dos coordenadores que assina o ofício de renúncia na área da Matemática, o correto é que apenas com a avaliação, novos cursos fossem abertos.

“Não temos tido abertura de cursos novos há anos, mas a avaliação (quadrienal) é que forneceria subsídios para avaliar novos programas também. Temos de comparar os novos com os que já existem”.

Conforme os pesquisadores, a Capes também pediu que o grupo refizesse a regulamentação do ensino a distância na pós em um prazo de dois dias.

“No entanto, estabelecer parâmetros para a expansão com qualidade do EaD não é tarefa para uns poucos dias de trabalho”, escrevem, na carta. Os pesquisadores pontuam, ainda, que o EaD não é a modalidade de ensino dos melhores programas de pós- graduação no mundo.

“Meu medo é que sejam tomadas atitudes que, em vez de prezar pela qualidade da pós-graduação, sejam atitudes em prol da quantidade (de cursos), para universidades abrirem programas sem tantos critérios, abrirem programas a distância. Poderíamos ter, por exemplo, aumento das universidades particulares e vemos muitos programas que não prezam pelo mérito científico”, diz Imbuzeiro, ao Estadão. “Me parece que o sistema está se tornando mais vulnerável a esse tipo de problema”, finalizou.

Além de Imbuzeiro, que é pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), também renunciaram na Matemática os coordenadores Gregório Pacelli Feitosa Bessa, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), e Sandra Augusta Santos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Entre os consultores que assinam a carta de renúncia estão matemáticos ligados à Universidade de São Paulo (USP), à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outras instituições.

Já um ofício de renúncia enviado pelos pesquisadores da Física à Capes aponta que, nos últimos dias, o grupo tem assistido a uma “corrida desenfreada para que se cumpra um calendário de ajuste dos documentos de APCN (Análise de Propostas de Cursos Novos) para cursos EaD a um formulário que, com o argumento de atender a portarias recentes, não contempla as particularidades de todas as áreas”.

Segundo os pesquisadores da Física, a pressão feita para que se cumpra o calendário “não aponta na direção da promoção da qualidade” na pós-graduação. “Isso é inédito. Antes, poderia sair um ou outro pesquisador, mas demissão em bloco nunca teve”, diz Alberto Vazquez Saa, coordenador da Física que pediu renúncia de suas funções na Capes. Professor da Unicamp, Saa também defende que a abertura de novos cursos aconteça apenas após a avaliação quadrienal.