Pedro Sánchez defende "acesso equitativo e universal às vacinas"

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, manifestou-se a favor da quebra de patentes das vacinas anticovid, como vêm pedindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 100 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), renomados infectologistas e organizações pelo direito à Saúde do mundo inteiro, tese que o governo Biden acaba de abraçar.

“A propriedade intelectual [patentes] não pode ser um obstáculo para acabar com a Covid-19 e garantir o acesso equitativo e universal às vacinas”, afirma documento espanhol divulgado durante a cúpula sobre direitos sociais da União Europeia de sábado (8).

Na cúpula, em que se reuniu informalmente o Conselho Europeu, o governo espanhol pediu também o aceleramento da transmissão de tecnologia das vacinas ao conjunto dos países, o fortalecimento da capacidade de fabrico de vacinas em todo o planeta e a aceleração da distribuição.

Na véspera, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, voltou a defender a urgência em sustar temporariamente as patentes das vacinas e insumos contra a Covid-19. Ele enfatizou que as cláusulas de suspensão das patentes foram criadas “precisamente para situações como esta” da pandemia. “Se não as usarmos agora, usamos quando?”, questionou, diante da resistência expressa por alguns líderes políticos e por executivos de monopólios farmacêuticos privados.

O Dr. Tedros reiterou que a reviravolta na posição de Washington “é uma posição significativa de solidariedade e de apoio pela equidade nas vacinas”. Ele acrescentou saber que isso não é algo “politicamente fácil de fazer” e apelou a outros países para que “sigam o exemplo”.

O coronavírus já infectou 157 milhões de pessoas no mundo inteiro e matou 3,27 milhões. A Índia, com mais de 400 mil novos casos diários, tornou-se epicentro da pandemia, com o Brasil mantendo a trágica contagem de mortos em níveis catastróficos e ainda assim afastada da posição majoritária na OMC.

Também a Unesco – a organização da ONU para a Cultura, que ao lado da OMS e da Comissão de Direitos Humanos da ONU em outubro passado apresentou um documento conjunto em favor da cooperação mundial para tornar acessível a todos os países o conhecimento necessário para barrar a pandemia -, disse que a suspensão de patentes das vacinas contra a Covid pode “salvar milhões de vidas e servir de modelo para o futuro da cooperação científica”.

“A Covid-19 não respeita fronteiras. Nenhum país estará seguro até que a população de todos os países tenha acesso à vacina”, sublinhou a diretora-geral Audrey Azoulay.

Na quinta-feira, a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, saudou a proposta do governo norte-americano, dizendo que o próximo passo é ter um texto para se chegar a um acordo.

A reviravolta na posição do governo norte-americano, que é historicamente o sustentáculo dos monopólios farmacêuticos privados nas organizações multilaterais, representa uma derrota dessa política de favorecimento do lucro privado em detrimento da vida e da economia, nas condições extremas da pior pandemia em um século. O Brasil, sob o governo Bolsonaro, tem sido o único país em desenvolvimento que tem votado com os países ricos e os monopólios farmacêuticos privados, e contra sua população e a dos demais países flagelados pelo coronavírus.

Para África do Sul, posição atual dos EUA é ‘importante reforço’

Por sua vez, Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, país que ao lado da Índia vem encabeçando o movimento pela suspensão temporária das patentes desde o ano passado, classificou o reposicionamento dos EUA de “um importante reforço” da campanha pela equidade nas vacinas e um passo “no sentido do fim do imperialismo das vacinas”.

“O objetivo pode ser alcançado se nos concentrarmos nos benefícios morais, legais e econômicos de proporcionarmos proteção urgente, acessível e equitativa a todas as pessoas do mundo, dada a grave e indiscriminada ameaça à vida e à sustentabilidade econômica”, afirmou o presidente sul-africano.

Ramaphosa enfatizou ainda que a suspensão temporária das patentes de vacinas responde ao “melhor interesse de toda a humanidade” e apelou às empresas farmacêuticas para que proporcionem, “à luz do crescente consenso global”, facilidades para a partilha de conhecimentos e tecnologia antiviral.

Enquanto isso, China e Rússia, além de proporem que as vacinas contra a Covid-19 sejam consideradas bens públicos globais, também licenciaram o máximo que puderam a produção de suas vacinas nos chamados países em desenvolvimento, e até foram acusados de exercerem a “diplomacia das vacinas”.

O presidente do Conselho Europeu, organismo da União Europeia que reúne chefes de governo do bloco, o belga Charles Michel, refletindo a resistência que ainda permeia o bloco europeu na questão, afirmou que os líderes europeus estão “dispostos” a discutir a uma “proposta concreta” de suspensão das patentes, mas que não consideram a questão uma “bala mágica” a curto prazo. Além dos primeiros-ministros espanhol e italiano, também se manifestou nesse sentido o presidente francês Emmanuel Macron.

A primeira-ministra alemã Angela Merkel se disse “contra” e saiu em defesa dos lucros dos monopólios farmacêuticos privados. O “fator limitativo” na fabricação de vacinas seria, segundo Berlim, “a capacidade de produção e os elevados padrões de qualidade, não as patentes”. O Parlamento Europeu chegou a votar contra uma resolução que pedia a suspensão das patentes das vacinas na semana passada, apresentada pela esquerda.

Os europeus questionaram Biden – e também o primeiro-ministro britânico Boris Johnson – sobre as vacinas, com Macron inclusive cobrando do presidente norte-americano que revogue a proibição de exportação de vacinas e insumos fabricados nos EUA. Ele pediu aos “anglo-saxões” que parem de “bloquear” as exportações.

Macron sublinhou que de 110 milhões de doses produzidas na Europa, a UE exportou 45 milhões e guardou 65 milhões e lamentou que “100% das vacinas produzidas nos Estados Unidos da América vão para o mercado norte-americano”.

Também a presidente da Comissão Europeia, organismo executivo da UE, Ursula Von der Leyen, pediu aos outros países produtores que acabassem com as restrições para enviar as doses para outros países, evitando atrapalhar “as cadeias de abastecimento”.

No entanto, um anúncio, feito por Von der Leyen, deixou explícito mais uma vez como é urgente assegurar a equidade nas vacinas e o acesso universal, sem o que não será possível deter a pandemia e recuperar a economia, e o abandono de países inteiros à míngua e sem vacina significa a opção pela continuação do morticínio e por agravar, com a geração de mutações mais contagiosas e letais, a pandemia. Como diz a OMS, só quando todos estiveram protegidos é que todos estarão seguros.

A presidente do executivo do bloco europeu revelou o fechamento de outro contrato com a Pfizer-BioNTech para fornecimento de 900 milhões de doses com opção de compra de mais 900 milhões. No total, 1,8 bilhões de doses a serem entregues entre 2021 e 2023, além das 2,6 bilhões já reservadas anteriormente. A população da UE é de 425 milhões de pessoas.