"O Estado tem que voltar a ganhar espaço", diz o economista.

O economista Eduardo Moreira afirmou que as reformas trabalhista e previdenciária são para rebaixar salários e não para desenvolver do país.
“Todas essas reformas vêm com um sentido de fazer com que o preço da mão de obra, que para o grande empresário é mais uma das variáveis que ele tem que baixar, caia”, disse, em entrevista para a revista Por Sinal, número 59 (novembro), do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), feita por Flávia Cavalcanti.
“Quando você faz uma reforma trabalhista, está diminuindo a possibilidade de os trabalhadores se juntarem e negociarem em conjunto, e ampliando as formas como eles devem trabalhar. Por exemplo, ampliando a lei que permite o trabalho intermitente, o trabalho em horários, em lugares diversos, a terceirização”, frisou.
Eduardo Moreira é engenheiro pela PUC do Rio de Janeiro e economista pela Universidade da Califórnia de San Diego (UCSD), onde obteve um Minor Degree em Economia e foi eleito o melhor aluno do curso dos últimos 15 anos.
Foi sócio do Banco Pactual até 2009. Fundador, em seguida, da Brasil Plural e da Genial Investimentos. Em 2013, foi eleito, pela revista Época Negócios, um dos 40 brasileiros de maior sucesso com menos de 40 anos.
“Quando existe mais oferta de algum produto”, prossegue, “com uma demanda relativamente constante, o preço desse produto cai. A reforma trabalhista nada mais é do que uma reforma para fazer o preço da mão de obra cair”.
“No caso da reforma da Previdência, a mesma coisa. Você está fazendo as pessoas trabalharem até o fim da vida porque a aposentadoria que vão receber não é suficientemente poderosa para bancar os seus custos mínimos de vida ou porque, simplesmente, eles não vão atender os requisitos para ter o tempo mínimo necessário para se aposentar”.
“Logo, estão fazendo com que as pessoas trabalhem até o fim da vida delas. São mais pessoas que terão que trabalhar, mais oferta e, portanto, o preço [da mão de obra] cai”.
Para Eduardo Moreira, o caminho que o governo trilha, com as reformas trabalhista e previdenciária e privatizações, é o da “terra arrasada”. “Ele só deixa um rastro de destruição.”
“O argumento do governo é que há uma transição e que as coisas não vão acontecer imediatamente. É verdade que é uma transição. Mas só temos dois caminhos que podemos seguir. Um é o que o governo está defendendo, que corta tudo, diminui o tamanho do Estado, diminui a assistência, diminui a educação, diminui a saúde. O governo diz que vai sobrar dinheiro e com essa sobra se mata a dívida, e o mercado que se vire e arrume a vida de todo mundo. Esse é o resumo do que ele fala”.
“O caminho que eu defendo é outro. Você recupera a capacidade do Estado de investir repensando a emenda constitucional 95 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em vez de Lei de Responsabilidade Fiscal, deveríamos ter uma lei de justiça fiscal. Você readequa essas duas leis, que são os principais entraves, e recupera a capacidade do Estado de investir. A partir daí você vai usar o Estado, na sua função de redistribuir a riqueza, deixando um legado para podermos gerar mais riqueza. E com essa riqueza que você vai gerar aqui, vai matar a dívida que você tomou, para poder fazer esse crescimento acima da Lei de Responsabilidade Fiscal, da emenda constitucional 95”.
“Está no Mein Kampf, o livro do Hitler! Um dos capítulos do livro diz: mine os sindicatos”
O economista considera que outro desmonte, o sindical, promovido pelo governo Bolsonaro, é mais uma forma de continuar o ataque aos trabalhadores brasileiros.
“Mas é claro! Está no Mein Kampf, o livro do Hitler! Um dos capítulos do livro diz: mine os sindicatos. Assim é em qualquer instrumento de dominação, de poder. Enfraquecer as associações”, lembrou.
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
Ao seu ver, além da precarização através da terceirização, do trabalho intermitente e outros pontos colocados pela reforma trabalhista, existe o problema do “trabalho moderno”, como na prestação de serviços através de aplicativos.
“Temos a migração para uma economia de serviços, antes era uma economia industrial. Uma economia de serviços é uma economia na qual a mão de obra vai, cada vez mais, ser substituída. A tecnologia toma o espaço das pessoas, e o trabalho delas é cada vez mais just in time. Como funciona isso? Antigamente tinha uma empresa de motoboy que fazia delivery, e o cara era contratado dessa empresa”.
“Hoje, o cara só recebe quando conclui o percurso de levar a comida do restaurante até a tua casa. Enquanto ele está esperando, olhando no celular, ele ganha zero. Mas ele está trabalhando”.
“As pessoas, hoje, estão passando a trabalhar dez vezes mais do que antes. Quando você era contratado, tudo contava como trabalho. Agora, é só na hora em que você está no pico de utilização da sua mão de obra”.
“O trabalho moderno é pior que o trabalho intermitente. É como se você tivesse um taxímetro colado em você e, quando começa a fazer a tarefa, vale o taxímetro. Quando para de fazer a tarefa, para o taxímetro”.
“No trabalho intermitente não é assim. Se você vai ao banheiro, por exemplo, você está recebendo. No trabalho moderno, quando você vai ao banheiro, você não ganha. E isso se multiplica por inúmeras vezes a sua quantidade de trabalho. Como multiplica por inúmeras vezes a quantidade, diminui por inúmeras vezes a sua longevidade de trabalho”.
“Qual é o lugar para encontrar uma salvação, para poder continuar tendo um mínimo de dignidade? No Estado! No auxílio que o Estado vai te dar, na assistência que o Estado vai te dar. É a única maneira. E estão querendo diminuir o Estado, ter um Estado mínimo, num mundo de trabalho just in time”.
INVESTIMENTO PÚBLICO E DESENVOLVIMENTO
Para Eduardo, os empresários têm buscado rebaixar os salários por falta de planejamento a longo prazo, uma vez que se reduz também o mercado interno e a demanda por seus produtos.
Um dos motivos dessa falta de planejamento a longo prazo “é a cobrança dos resultados no curto prazo dos acionistas. Hoje em dia, as pessoas que tocam as empresas são remuneradas com stock options, com phantom stocks [bônus através de ações da empresa], com bônus, de acordo com os resultados que eles entregam no ano, e, algumas vezes, até nos resultados semestrais”.
“Quando a remuneração dos executivos da empresa está completamente atrelada aos resultados de curtíssimo prazo, você não pensa mais em planejamento. Não pensa no que isso está gerando de impacto estrutural, sistêmico, no longo prazo”, argumenta o economista.
“Não pensa, também, que vai ficar sem consumidor lá na frente. Só pensa no que vai garantir o seu próximo bônus. Até porque, você não sabe se daqui a dois anos vai continuar como CEO daquela empresa, com direito a esse modelo de remuneração. O curto prazo, hoje em dia, é absoluto e soberano nas empresas, por causa da remuneração dos seus executivos”.
Eduardo Moreira acredita que o Estado, a partir do investimento público, deve ser o motor do desenvolvimento e da distribuição de renda.
“Quando se pega o exemplo da China, o que é que ela tem de especial hoje? Ela tem o Estado induzindo crescimento. Então o Estado aponta: ‘Olha, nós vamos crescer para lá, naquela direção, e são essas coisas que o país precisa para poder ter crescimento grande’. E o mercado é o responsável pela inovação”.
“No Brasil, temos o Estado apontando o barco para a direção errada. Porque ele é representado hoje em dia, sem intermediários, por banqueiros e donos de empresas. São os donos do país”, aponta.
“O Estado tem que voltar a ganhar espaço, ao invés de perder espaço tem que voltar a ser mais importante, e não menos importante”, sugere Moreira.
“Antigamente, eles tinham intermediários, os políticos. Hoje em dia, nem os políticos eles têm mais. Se você for olhar quem está ocupando os cargos de ministros, presidentes de bancos públicos, vai ver que são todos ex-banqueiros. Às vezes até banqueiros”, assinalou.
“E para onde eles apontam o barco? Para onde podem maximizar os ganhos de curto prazo das suas empresas. Que vão gerar bônus altos, stock options altos. Por isso a necessidade de ter o Estado induzindo”.
Eduardo Moreira aponta dois impeditivos para que o Estado seja o impulsionador para o desenvolvimento econômico no Brasil, que são a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, e a Lei de Responsabilidade Fiscal. “O país, qualquer país, tem que gerar nova riqueza, porque para viver se consome riqueza. E, para gerar riqueza, temos que investir. Nenhuma riqueza aparece do nada”.
“E aí, o governo chega e fala que o poder público, durante 20 anos, não pode mais investir. Porque a emenda constitucional, na prática, é não poder investir. Não é um teto de gastos, é um teto de investimentos. Se fosse teto de gastos, incluía juros também”, afirma.
“Uma coisa que eu acho absolutamente absurda é como os juros são tratados no Brasil. Tem algum lugar, na Constituição Federal, que diz que a despesa com juros é mais importante que qualquer outra despesa? Não existe”, disse.
“Mas, na prática, temos superávit primário, a gente já faz a conta dizendo receita menos despesa, excluindo os juros. Em juros, eles não mexem. Isso é sagrado! Superávit primário é isso. Teto dos gastos é o limite dos gastos. Menos com os juros”, comentou.
O economista rebateu a falácia de que é preciso privatizar para “matar a dívida” pública.
“O problema é que o governo privatiza e não mata a dívida. Porque a dívida é a mão invisível das pessoas mais ricas. Não é a do Adam Smith. A dívida é a mão invisível que tira dos mais pobres para os mais ricos, sem ninguém perceber. Aí se faz essa privatização toda e a dívida continua crescendo, num ritmo ainda maior”.
“Depois das privatizações”, continuou, “chegamos ao ponto em que não se tem mais nenhuma riqueza para redistribuir”.