Bandeira do Brasil no Congresso Nacional. 19/11/2014 REUTERS / Ueslei Marcelino

Muito se tem falado sobre as eleições das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado e seus possíveis desdobramentos políticos.

Por Orlando Silva*

No mais das vezes, as análises centram na vitória de Bolsonaro, em especial na Câmara, o que teria afastado, de imediato, preocupações com andamento de pedidos de impeachment ou comissões congressistas de inquérito e, em tese, facilitado a apreciação de pautas da predileção da extrema-direita.

Outras opiniões ainda avançam em projeções para 2022 que vão da desarticulação da oposição à rendição de partidos de centro e centro-direita ao projeto reeleitoral bolsonarista.

Calma. “Nada como um dia atrás do outro/ tenho essa virtude de esperar”, já ensina o samba eternizado na voz de Alcione.

Antes de entrar nessa seara, vale a pena também analisar o saldo da batalha pelo ângulo de quem perdeu, a oposição. A frente reunida na União pela Liberdade e Democracia, que sustentou a candidatura de Baleia Rossi, conseguiu um feito político importante, o degelo nas relações entre partidos de diferentes campos, como PT, MDB e PSDB.

Não é pouco. Desde 2015/2016 que algumas forças políticas do país não sentavam à mesa para debater encaminhamentos conjuntos. Superar o reducionismo da luta entre “golpistas” versus “esquerdopatas” abre caminho para recolocar a política como lugar para o debate público e a mediação de conflitos. Esse ambiente será vital para a resistência agora e para construir a derrota do bolsonarismo.

O Planalto obteve uma vitória nas eleições do Legislativo? Sem dúvida. O governo travou uma guerra de vida ou morte, na que foi, possivelmente, a maior interferência do Executivo em temas internos do Congresso em nossa história republicana. Não foram milhões, foram bilhões em argumentos.

Isso, em si, quer dizer que o governo terá céu de brigadeiro pela frente? Não necessariamente. Primeiro, quem faz o tipo de negociação que Bolsonaro fez está condenado a estourar o cheque especial. A fatura será infinita e virá, dia após dia, crise após crise, até se tornar impagável. Aí, tudo pode acontecer.

Segundo, o problema para Bolsonaro nunca foi o Congresso. As maiores dificuldades são o próprio Bolsonaro, um incapaz nato e hereditário, e seu governo ruinoso, indefensável em qualquer campo, seja político, econômico, ético e moral.

E aqui está a chave para 2022: a travessia que ele fará até lá. Nada indica que o caminho terá mais pétalas que espinhos.

O Brasil é o pior país do mundo na gestão da pandemia. Mais de 230 mil mortos e o governo perdeu, de maneira vexaminosa, a corrida pela vacina. Pessoas morreram por falta de oxigênio. Os cadáveres da Covid estão no colo do presidente.

Temos mais de 15 milhões de desempregados, a inflação voltou a assolar as famílias através dos preços dos alimentos e do aluguel. Um botijão de gás custa 100 reais, o litro de gasolina 5, a luz vai subir 13%. E o governo cortou o auxílio emergencial!

Essa situação é insustentável e já se reflete na imagem do presidente, que voltou à casa dos 30% de apoio e tem rejeição crescente, hoje em 42%. Ainda é bastante? Sim, mas é a pior avaliação para esse período de mandato desde Collor.

Para 53% ele lida de maneira ruim ou péssima com a pandemia e 57% consideram que a economia está no caminho errado. Os números, todos da pesquisa XP, mostram ainda que os governadores e prefeitos colhem melhores resultados no enfrentamento à Covid e que as expectativas da população para o restante do mandato presidencial são ruins.

Não devemos subestimar Bolsonaro, mas sua capacidade de chegar a 2022 atrativo depende de estancar a sangria da pandemia e garantir alguma retomada econômica. Para isso, o governo precisaria ter foco e agenda, coisas que não tem.

A mensagem presidencial ao Congresso apresenta diversas prioridades, o que já demonstra a falta de rumo. Entre itens como a reforma administrativa e a milésima tentativa de reforma tributária, aparecem os devaneios armamentistas e a excludente de ilicitude para policiais. Com esse governo, o Brasil é uma nau à deriva.

Chega a ser inacreditável que, com o país nessa situação, a primeira pauta debatida pelo Legislativo em 2021 tenha sido a autonomia do Banco Central. Além de ser uma medida lesa-pátria, simplesmente em nada tem a ver com a urgência de enfrentar a pandemia e seus efeitos na economia.

Qualquer governo sério levaria três prioridades para este ano: vacinação em massa, o mais rápido possível, com todas as vacinas disponíveis; retomada do auxílio emergencial para garantir a sobrevivência de milhões de famílias e mitigar o estrago econômico; e reativar a economia para gerar empregos e renda.

Mas a verdade é que Bolsonaro não está nem aí para o país, só pensa em blindar a si e a seus filhos de investigações, manter seus 25%, 30% de apoio e garantir uma vaga no 2° turno. Sonha reeditar as condições que o levaram ao poder em 2018 –mas, lembremos, a roda da história gira para frente.

Espero que o Congresso compreenda que, antes de pensar nas eleições, é preciso ter um país para ser governado após 2022. Sem priorizar as medidas necessárias e urgentes para salvar vidas – vacinação, auxílio emergencial e empregos -, lembraremos o título da obra de Ignácio Loyola de Brandão, “não verás país nenhum”.

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Orlando Silva* é deputado federal (PCdoB-SP), foi ministro do Esporte (2006-2011) e candidato a prefeito de São Paulo (2020)

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